As calorosas tardes do Auditório
Eu era mais pelo Portanet, desconhecedor ou sabendo apenas de raspão dos outros, muitos, que, nas duas tardes da Festa, fizeram do Auditório 1.º de Maio, alternadamente, uma pista de dança, um lugar de culto, uma «hip-hopeia» de palavras ritmadas e bem apontadas, uma oportunidade para a solidão de uma viola e uma harmónica, um circo, uma discoteca com música ao vivo ou uma sala abrigando, respeitosa, o cante e a campaniça. Duas jornadas calorosas, falemos nós de entusiasmo ou de graus centígrados, tudo bem, mas eu, pronto, era mais pelo Portanet.
O sábado à tarde começou com They Must Be Crazy, a abrir, quer-se dizer: a começar e a «abrir», tomem lá afrobeat, batidas africanas a puxar o pézinho à dança, a convidar ao movimento dos corpos. A «sala» a encher, uma hora de pulos, desengonçados uns, bailarinos outros e, vai daí, ponto final, descanse-se um bocado que a seguir é o Nuno Costa Quinteto, jazz competente e sossegado mesmo quando tocaram «Voando Sobre um Ninho de Vespas». Menos público, outra gente, mas não menos atentos (ou, então, verdadeiramente mais atentos aos sons que eram fabricados num palco onde profissionais domadores de decibéis e mágicos de luzes se portaram lindamente).
Com Dillaz (diz ele que esse nome é para os ouvintes e que é tratado por Chapz lá no bairro, por André pelos mais chegados e «por filho pela minha mãe») foi o máximo para uma multidão de jovens fans dos mixtapes. De novo uma dança pegada, o acordo com as palavras certeiras expresso em gestos, sons e palmas, e depois a debandada para sombras e bebidas, um vazio naquele espaço que ia ser enfrentado por Calum Baird, cantautor escocês (de Edimburgo), cantador de estórias, de viola em punho e harmónica a ajudar. Fiquei descansado ao ver que iam chegando pessoas que por ali se quedavam, agradadas, estava salvo o momento para o artista em palco e para outro artista que, num canto da «sala», entre as colunas de som e as lonas da tenda, agora envergando uma t.shirt na qual se lia «vende-se hip-hop português» e carregadinho de Cd, vendeu toda a mercadoria que tinha e foi o rei das selfies.
Seguiu-se Rita & o Revólver, ela com voz soul e os músicos com cartas de referência de peso. Afro-funk, digamos, mais soul, meia de blues e toca a dançar músicas enfeitadas com palavras portuguesas ou inglesas, conforme, refaz-se o público, o calor aperta, o pó incomoda, mas ninguém, dos muitos que lá estão, jovens na sua maioria, se deixa vencer por isso.
Sempre com alternância de estilos, a tarde de sábado terminaria com o Ricardo Toscano Quarteto. Outro jazz, mais free. Ricardo Toscano a comprovar, ali, o monte de elogios que os últimos tempos lhe têm concedido. E com um público fiel no Auditório.
Um Grupo de Artistas da Província de Hubei (China) abriu as hostilidades na tarde de domingo. Música, dança, máscaras e até um palhaço, tudo para um público sossegado e divertido, aplaudindo uma mostra de cultura diferente. Tudo muito bem e venha o resto da tarde, já a seguir o grupo Pás de Problème, que prometia uma «celebração exótica». Batida pesada, vozes gritadas, naipe de sopros muito eficaz, nada de menos para os muitos fans que os acompanham nas suas deslocações mais os que ganharam na Festa. E de novo um virar de página, desta feita o cante e a campaniça no lugar dos (eficazes) «pum-pum-pum pró pulo». A hora foi dos três alentejanos que compõem o Há Lobos Sem Ser na Serra. Vozes magníficas, excelente exploração das potencialidades da campaniça, ora aí está como, com poucos, tivemos ali o Alentejo todo.
E agora está quase na hora do António Portanet. Há quanto tempo, António! E ele, com o sorriso amigo nos olhos, Há quanto tempo! Contente por estares de volta? Sim claro! Havemos de voltar a ver-nos em breve. Havemos. Uma foto à pressa e lá foi ele preparar-se para abraçar uma plateia que estava ali para abraçá-lo escutando-o e aos seus excelentes músicos e coralistas e envolvendo, nesse abraço, Lorca, poeta que os franquistas mataram há 80 anos. Em vão, que as suas palavras não morreram porque alguns, Portanet entre eles, não deixaram.
Duas tardes no Auditório 1.º de Maio. Valeu a pena. Mas eu, como disse, era mais pelo Portanet...