Concerto glorioso
Quando os músicos entraram no palco, para ocuparem os seus lugares na orquestra, já havia milhares de visitantes da Festa no relvado do Palco 25 de Abril. E muitos mais caminhavam em direcção à Praça de revista-programa em punho, aberta na página do Concerto Sinfónico para um Glorioso Aniversário.
O concerto de música clássica da sexta-feira da Festa do Avante! é um acontecimento central do programa. Não se trata de um elemento mais no desfilar do melhor que, nas artes dos sons, se produz por cá e por outros lados – o Concerto é um ponto alto, momento de grande importância política, a prova de que a elitização da Cultura depende mais do contexto do que do objecto. A Festa do Avante! é o lugar em que a música erudita se vê livre dos veludos em que as classes dominantes a pretendem encerrar, para se oferecer a quem a quiser para si, ali onde a proposta cultural e a disponibilidade para a novidade é matéria mesma da «Cultura Integral do Indivíduo». Ali onde os sons se assumem instrumento de civilização no lado justo da luta de classes, matéria de emoções e de reflexão dos muitos milhares de pessoas que vivem na Festa a dimensão cultural da democracia. Por isso, quando a Orquestra Sinfonietta de Lisboa tingiu o ar da Atalaia com as primeiras notas de L'Arlesienne percebeu-se, também ali, no silêncio que se fez, o significado de 40 anos de Festa do Avante!, naquele lugar de encontro com o que é irrepetível e merece a máxima atenção.
Va, pensiero, de Verdi, acendeu nos rostos os sorrisos do reconhecimento da velha melodia vestida de coro e orquestra, a obra com que o maestro Riccardo Muti acompanhou, numa noite de 2011, palavras veementes contra os cortes na Cultura naquela mesma Itália do compositor. Quem descia a encosta que escorre da velha entrada da Medideira sentou-se no asfalto e ali ficou, em monumental anfiteatro, atento ao que viria a seguir: Glinka, Méhul, o Coriolano de Beethoven envolvendo a multidão num crescendo de sons e de emoções, visitantes da Festa interrompendo os caminhos da Atalaia para ficarem ali. A seguir viria Free at Last – um dos dois Espirituais Negros do programa – mesmo antes de Acordai, o mesmo que acendeu vozes na velha FIL, na primeira edição da Festa. Acompanhou Vozes ao Alto no palco e na Praça, como no poema da Jornada, a música a estender-se de novo para fora do palco, na mais bela das homenagens a Lopes-Graça e a José Gomes Ferreira, militantes comunistas e obreiros das glórias que são desta Festa, deste povo, mas também de todos os povos da Terra. Por isso é que Katyusha fez sentido nesta comemoração, memória sonora da resistência e da vitória sobre o fascismo, de que também Shostakovich foi obreiro na sua Leningrado cercada e bombardeada durante 900 dias. Foi com o segundo andamento da 10.ª Sinfonia que o compositor soviético esteve, uma vez mais, na Festa do Avante!.
Quem não sabia a letra entoava a melodia. Milhares de vozes se ergueram da margem do Tejo para entoar El Pueblo Unido Jamas Será Vencido, escrita por Sergio Ortega em pleno governo da Unidade Popular. A canção, meio hino meio palavra de ordem, estendeu-se pelo relvado da Praça, subiu as encostas da Festa, mobilizou voz
Quando os músicos entraram no palco, para ocuparem os seus lugares na orquestra, já havia milhares de visitantes da Festa no relvado do Palco 25 de Abril. E muitos mais caminhavam em direcção à Praça de revista-programa em punho, aberta na página do Concerto Sinfónico para um Glorioso Aniversário.
O concerto de música clássica da sexta-feira da Festa do Avante! é um acontecimento central do programa de actividades. Não se trata de um elemento mais no desfilar do melhor que, nas artes dos sons, se produz por cá e por outros lados – o Concerto é um ponto alto, momento de grande importância política, a prova de que a elitização da Cultura depende mais do contexto do que do objecto. A Festa do Avante! é o lugar em que a música erudita se vê livre dos veludos em que as classes dominantes a pretendem encerrar, para se oferecer a quem a quiser para si, ali onde a proposta cultural e a disponibilidade para a novidade é matéria mesma da «Cultura Integral do Indivíduo». Ali onde os sons se assumem instrumento de civilização no lado justo da luta de classes, matéria de emoções e de reflexão dos muitos milhares de pessoas que vivem na Festa a dimensão cultural da democracia. Por isso, quando a Orquestra Sinfonietta de Lisboa tingiu o ar da Atalaia com as primeiras notas de L'Arlesienne percebeu-se, também ali, no silêncio que se fez, o significado de 40 anos de Festa do Avante!, naquele lugar de encontro com o que é irrepetível e merece a máxima atenção.
Va, pensiero, de Verdi, acendeu nos rostos os sorrisos do reconhecimento da velha melodia vestida de coro e orquestra, a obra com que o maestro Riccardo Muti acompanhou, numa noite de 2011, palavras veementes contra os cortes na Cultura naquela mesma Itália do compositor. Quem descia a encosta que escorre da velha entrada da Medideira sentou-se no asfalto e ali ficou, em monumental anfiteatro, atento ao que viria a seguir: Glinka, Méhul, o Coriolano de Beethoven envolvendo a multidão num crescendo de sons e de emoções, visitantes da Festa interrompendo os caminhos da Atalaia para ficarem ali. A seguir viria Free at Last – um dos dois Espirituais Negros do programa – mesmo antes de Acordai, o mesmo que acendeu vozes na velha FIL, na primeira edição da Festa. Acompanhou Vozes ao Alto no palco e na Praça, como no poema da Jornada, a música a estender-se de novo para fora do palco, na mais bela das homenagens a Lopes-Graça e a José Gomes Ferreira, militantes comunistas e obreiros das glórias que são desta Festa, deste povo, mas também de todos os povos da Terra. Por isso é que Katyusha fez sentido nesta comemoração, memória sonora da resistência e da vitória sobre o fascismo, de que também Shostakovich foi obreiro na sua Leningrado cercada e bombardeada durante 900 dias. Foi com o segundo andamento da 10.ª Sinfonia que o compositor soviético esteve, uma vez mais, na Festa do Avante!.
Quem não sabia a letra entoava a melodia. Milhares de vozes se ergueram da margem do Tejo para entoar El Pueblo Unido Jamas Será Vencido, escrita por Sergio Ortega em pleno governo da Unidade Popular. A canção, meio hino meio palavra de ordem, estendeu-se pelo relvado da Praça, subiu as encostas da Festa, mobilizou vozes e punhos fechados que sublinharam, palavra a palavra, a frase em castelhano que logo se transformou em «O Povo Unido Jamais Será Vencido». Era a Festa a cantar a uma só voz – o Coro Sinfónico Lisboa Cantat e o povo ali presente, numa tal vivacidade que despertou vozes e punhos cerrados entre as fileiras da Orquestra, metáfora das desobediências de que se faz o progresso histórico, homens e mulheres a juntarem-se ao movimento de massas.
António Rosado entregou-se à Fantasia Coral de Beethoven com a mesma competência que se veria em Carnegie Hall, na Bolshoi Zal do Conservatório de Moscovo ou noutro qualquer palco do Mundo. E, como o pianista, todos os músicos e cantores, talvez por terem percebido o significado daquele lugar e da gente de que é feito, um lençol imenso de gente celebrando, pela Música, as lutas de todos os povos pela dignidade, nos tempos todos de que se faz a História. Ao acorde final da Fantasia – ao acorde final do Concerto Sinfónico – responderam os aplausos, os assobios, o brado da multidão que ali celebrou um aniversário glorioso. E uma vida já comprida de encontros marcados com a Arte, no mais democrático território da Cultura portuguesa. Primeiro o silêncio, a seguir a música, depois os aplausos, agora os mil sons de que se faz a Festa do Avante! Bastaria o Concerto para que a Festa valesse a pena. Mas estava só no início.