Alemanha reconhece<br>genocídio na Namíbia

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A Ale­manha vai pedir des­culpas ofi­ciais à Na­míbia pelo ge­no­cídio dos povos he­rero e nama co­me­tido pelas tropas im­pe­riais ale­mães, no co­meço do sé­culo XX.

Os go­vernos de Berlim e de Windhoek estão a dis­cutir uma for­mu­lação comum para des­crever os factos, ocor­ridos em 1904-1905 e nos anos se­guintes, e apre­sentar as des­culpas alemãs, num do­cu­mento que sirva de base a re­so­lu­ções a aprovar pelos par­la­mentos dos dois países. Uma porta-voz do mi­nis­tério alemão dos ne­gó­cios es­tran­geiros, Sawsan Chebli, con­firmou que as dis­cus­sões es­tarão con­cluídas até fi­nais de 2016. Re­alçou, con­tudo, que o pe­dido de des­culpas não im­plica, para já, o pa­ga­mento de in­dem­ni­za­ções.

A Ale­manha de­morou 110 anos a re­co­nhecer o ge­no­cídio.

Em Julho de 2015, Nor­bert Lam­mert, pre­si­dente da câ­mara de de­pu­tados (Bun­destag), de­clarou que a Ale­manha levou a cabo no Su­do­este Afri­cano, co­lónia alemã entre 1884 e 1915 e hoje a Na­míbia in­de­pen­dente, uma «guerra ra­cial» para re­primir a re­be­lião dos he­reros e namas. Falou de «de­zenas de mi­lhares de ví­timas» não só nos com­bates mas também de­vido a do­enças e à falta de água e de co­mida. E re­feriu-se a ou­tros mortos em «campos de con­cen­tração ou de tra­balho for­çado».

O que se co­nhece desta his­tória trá­gica con­firma a de­su­ma­ni­dade do crime per­pe­trado.

De­sa­pos­sados pelos co­lo­ni­a­listas ale­mães das suas terras, do seu gado e de todos os meios de sub­sis­tência, he­reros e namas re­vol­taram-se em Ja­neiro de 1904 e ma­taram 123 co­lonos.

A re­pressão da ad­mi­nis­tração co­lo­nial foi bár­bara. A vi­o­lência cul­minou em Agosto, com a ba­talha de Wa­ter­berg, a cerca de 200 qui­ló­me­tros da ca­pital. Der­ro­tados, os re­beldes re­ti­raram-se para Leste, com as suas fa­mí­lias, ten­tando al­cançar o Botswana vi­zinho. Foram per­se­guidos, através do de­serto do Ka­lahari, pelas tropas alemãs, que não pou­param mu­lheres e cri­anças e che­garam a en­ve­nenar poços de água para matar à sede os ini­migos de­sar­mados.

Das 80 mil pes­soas que ini­ci­aram a fuga, apenas 15 mil so­bre­vi­veram.

Em Ou­tubro, o co­man­dante mi­litar da co­lónia, ge­neral Lothar von Trotha – que já tinha dado provas, na África Ori­ental e na China (Guerra dos Bo­xers, de 1899 a 1901), de uma bru­ta­li­dade sem li­mites – de­cidiu ex­ter­minar os dois povos re­beldes, de­cre­tando que «dentro das fron­teiras [co­lo­niais] alemãs todo o he­rero, com ou sem arma, com ou sem gado, deve ser aba­tido». Re­petiu a «ordem de ex­ter­mi­nação» em Abril do ano se­guinte.

Oi­tenta por cento dos he­reros e me­tade dos namas foram ani­qui­lados.

Dois co­ra­josos chefes da re­volta, Hen­drik Wit­booi e Sa­muel Maha­rero, são hoje ad­mi­rados como he­róis do povo na­mi­biano. Povo que con­ti­nuou a re­sistir até que em 1990 con­quistou a in­de­pen­dência, lu­tando contra a África do Sul do apartheid, po­tência ad­mi­nis­trante do Su­do­este Afri­cano após a I Guerra Mun­dial.

Em 2011, a Ale­manha res­ti­tuiu à Na­míbia de­zenas de crâ­nios de guer­reiros he­reros e namas que ti­nham sido en­vi­ados para Berlim, após o ge­no­cídio, para ex­pe­ri­ên­cias «ci­en­tí­ficas» vi­sando provar a su­pe­ri­o­ri­dade dos brancos sobre os ne­gros.

Blue Book

O ge­no­cídio dos he­reros e namas, com epi­só­dios atrozes, foi des­crito no Blue Book, de 1918, um re­la­tório en­co­men­dado pelo par­la­mento in­glês e con­ser­vado nos ar­quivos de West­minster.

Este Re­la­tório sobre os Na­tivos do Su­do­este da África e o seu Tra­ta­mento pela Ale­manha, de 200 pá­ginas, foi re­di­gido por um major de origem ir­lan­desa, Thomas O’­Reilly, ju­rista, que re­gistou de­zenas de tes­te­mu­nhos, por si re­co­lhidos no ter­reno uma dé­cada mais tarde, dos crimes das tropas alemãs.

O Blue Book é hoje uma ra­ri­dade. Uma in­ves­ti­ga­dora fran­cesa, Élise Fon­te­naille-N’­Diaye, des­co­briu uma cópia numa bi­bli­o­teca de Pre­tória e uti­lizou-a para es­crever duas obras, um en­saio e um ro­mance, sobre o ge­no­cídio.

A es­cri­tora, ci­tada pela re­vista Jeune Afrique, de­fende que o re­la­tório de O’­Reilly foi uti­li­zado pelo go­verno bri­tâ­nico para pres­si­onar a Ale­manha, der­ro­tada na I Guerra Mun­dial, a pagar re­pa­ra­ções e a en­tregar o do­mínio co­lo­nial do Su­do­este Afri­cano. Após a as­si­na­tura do Tra­tado de Ver­sailles, entre ven­ce­dores e ven­cidos do con­flito, a Ale­manha e a Grã-Bre­tanha ne­go­ci­aram a des­truição da mai­oria dos exem­plares do Blue Book – de­pois dos ale­mães terem ame­a­çado pu­blicar um White Book, com as atro­ci­dades co­me­tidas pelos in­gleses nas suas co­ló­nias.

Hoje, não é tarde para dar a co­nhecer e de­nun­ciar estes e ou­tros crimes he­di­ondos do co­lo­ni­a­lismo.




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