Grandes manobras <br>na União Africana

Carlos Lopes Pereira

A 27.ª Cimeira da União Africana (UA) ficou marcada por grandes manobras ligadas a um anunciado regresso de Marrocos à organização. Assinalável, também, o facto de a reunião dos chefes de Estado do continente, que decorreu nos dias 17 e 18, em Kigali, não ter conseguido eleger, por falta de consenso, a nova presidência da Comissão Africana.

Logo no domingo, no discurso de abertura, o presidente em exercício da UA, Idriss Déby Itno, do Chade, pediu um minuto de silêncio em memória de Mohamed Abdelaziz, Secretário-geral da Frente Polisário e Presidente da República Árabe Saarauí Democrática (RASD), desaparecido em finais de Maio. Gesto notável, até porque, soube-se depois, Marrocos está a preparar o seu regresso à UA, após ter saído há 32 anos da sua antecessora, a União de Unidade Africana, em protesto por a organização ter reconhecido a RASD.

Na verdade, horas mais tarde, foi divulgado pela MAP, agência marroquina de notícias, a informação de que o rei Mohammed VI enviara uma mensagem à cimeira anunciando que tinha chegado o momento de Marrocos reocupar o seu «lugar natural» no seio da «família institucional». O monarca apelou à organização pan-africana no sentido de «corrigir um erro histórico» e adoptar «uma neutralidade construtiva» sobre a questão do Saara Ocidental.

As pressões para o regresso de Marrocos à UA, para alguns implicando a saída da RASD, ficaram mais claras, na segunda-feira, no final da cimeira.

Idriss Déby Itno, falando perante os jornalistas, não esclareceu nem o momento nem o quadro em que se concretizará a reintegração de Marrocos, mas considerou que o país magrebino «tem o direito de voltar à grande família africana quando quiser e como quiser» e que «ninguém tem o direito de o impedir». Para o presidente chadiano, «as condições [do regresso de Marrocos] não são importantes, o importante é a necessidade de o continente, no seu conjunto, aceitar isso».

No mesmo dia, pouco antes de deixar a capital ruandesa, o presidente do Senegal, Macky Sall, revelou que o seu país e outros 27 estados subscreveram uma moção pedindo que a RASD seja «suspensa» da UA até que as Nações Unidas e o Conselho de Segurança resolvam o problema do Saara. «Uma vez que a RASD não é reconhecida pelas Nações Unidas, seria mais justo esperar que se realize um referendo de autodeterminação para depois adoptar uma decisão a nível continental», defendeu Macky Sall, em declarações à revista Jeune Afrique.

Marrocos, que mantém uma ocupação colonial sobre o Saara Ocidental desde 1975, boicotou, a partir de 1991, a realização de um referendo sob a égide das Nações Unidas que possibilite ao povo saarauí pronunciar-se sobre a independência.

Além do reino de Marrocos, apoiado pelos Estados Unidos e outras potências ocidentais, os principais actores visíveis destas manobras contra a RASD, o Chade e o Senegal, são aliados políticos, económicos e militares da França e peças fundamentais na estratégia neocolonialista de Paris para a África.

 

Passaporte pan-africano

 

Os direitos humanos em África, em especial os direitos das mulheres, a construção da integração económica do continente, os conflitos armados (Sudão do Sul, Somália, República Centro-Africana, Mali, Burundi, República Democrática do Congo…), as fontes de financiamento da UA e o orçamento de 2017 fizeram parte da agenda de trabalho da cimeira de Kigali.

Os chefes de Estado não conseguiram eleger uma nova presidência da Comissão da União Africana, apesar de haver três candidatos, nenhum deles conseguiu os dois terços de votos necessários. Assim, foi decidido prolongar por seis meses o mandato da actual presidente, a sul-africana Nkosazana Dlamini-Zuma, que tinha pedido para deixar o cargo.

Acto simbólico e significativo foi a entrega aos 54 mandatários africanos presentes em Kigali dos primeiros passaportes electrónicos emitidos pela UA.

Projecto emblemático no quadro da Agenda 2063, um ambicioso plano prospectivo de desenvolvimento continental, a iniciativa foi classificada por Nkosazana Dlamini-Zuma como «um passo firme em direcção ao objectivo de criar uma África forte, próspera e integrada, impulsionada pelos seus próprios cidadãos».

O passaporte da UA visa tornar realidade, a partir de 2020, o sonho dos cidadãos africanos de viajarem sem vistos no seu continente.

Segundo relata a AIM, a agência noticiosa de Moçambique, até agora apenas 13 países de África aceitam a entrada de africanos sem visto ou com visto adquirido à chegada. Embora, nas mesmas condições, sem visto prévio, os cidadãos dos Estados Unidos, por exemplo, possam entrar em 30 países africanos.

 



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