«Não tenham medo do voto»
Muitos milhares de pessoas estiveram no sábado em Belém, a apoiar a exigência de demissão do Governo e convocação de eleições antecipadas. Responderam com fortes aplausos e gritaram «o povo unido jamais será vencido», quando Arménio Carlos desafiou aqueles que negam a existência de alternativas a não terem medo do voto popular.
É necessário prosseguir uma luta sem tréguas
Para chegar ao palco, no Largo dos Jerónimos, o Secretário-geral da CGTP-IN juntou-se na Rua da Junqueira aos trabalhadores vindos dos distritos de Setúbal, Santarém, Castelo Branco, Portalegre, Évora, Beja e Faro, que seguiram em desfile por um percurso que os zelosos critérios de «segurança» afastaram do palácio presidencial o mais que puderam. Um pouco mais adiante, para também seguirem pela Rua da Junqueira e serem desviados para a Avenida da Índia, concentraram-se os trabalhadores do distrito de Lisboa. A Administração Pública reuniu-se nas proximidades do estádio do Restelo, descendo depois a Rua dos Jerónimos. Os sotaques do Norte predominaram no desfile dos distritos de Porto, Viana do Castelo, Braga, Vila Real, Bragança, Viseu, Aveiro, Coimbra e Leiria, desde a Avenida da Torre de Belém, ao longo da Rua Bartolomeu Dias.
Estas quatro pré-concentrações deram visibilidade a factos e argumentos que, em situações de sectores, locais, empresas e serviços concretos, ilustraram as nefastas consequências da política da «austeridade» e mostraram igualmente a firme determinação de não abandonar a luta, para exigir soluções, medidas e orientações que satisfaçam a justa aspiração dos trabalhadores e do povo a uma vida melhor.
As mensagens, muitas das quais dirigidas a Cavaco Silva, foram expressas em cartazes, faixas, bandeiras, camisolas – com visível influência do episódio mediático em torno do «palhaço» – e também nas palavras de ordem, nos apupos e nos aplausos que pontuaram as duas intervenções no comício sindical, nos lenços brancos agitados a cada vez que se ouvia falar no Governo ou nalgum dos seus rostos.
Luta de todos
Ana Avoila, da Comissão Executiva da CGTP-IN e da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, centrou-se no ataque à tentativa do Governo de criar uma divisão entre estes trabalhadores e os das empresas privadas e condenou, como argumento falacioso e hipócrita, a alegada intenção de uniformizar as condições de trabalho do sector público com o privado, agora em torno do horário de trabalho.
Tal como noutras ocasiões já se viu, o que realmente pretendem é «uniformizar» para pior, acusou a dirigente, salientando a importância de lutas em curso e marcadas para sectores como a educação, a saúde ou a administração local, e apelando ao prosseguimento da luta e ao reforço da unidade dos trabalhadores.
Arménio Carlos começou por contrapor ao declarado objectivo do Presidente da República, de «salvar a coligação» governamental, aquilo que levou a Belém uma imensa multidão: «salvar o País de uma política que inferniza as nossas vidas e hipoteca o futuro colectivo da nação». As medidas apresentadas na «estratégia orçamental» e aquelas que o Governo se prepara para incluir no Orçamento rectificativo «visam promover o maior despedimento colectivo da história da democracia, o aumento do horário de trabalho e a extorsão sem precedentes, plasmada no roubo nos salários e pensões de quem trabalha e trabalhou na Administração Pública».
Para a CGTP-IN, o ataque aos funcionários públicos e a redução do financiamento dos vários ministérios acabam por atingir a generalidade da população. Sob o eufemismo da reforma do Estado, está em curso um processo de reconfiguração e desmantelamento da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social, importantes conquistas de Abril.
Tal como o «memorando da troika», o recente relatório da OCDE faz parte da poderosa campanha ideológica que sustenta aquele processo, trazendo conclusões à medida da encomenda do Governo. Foi muito vaiada a referência de Arménio Carlos à ideia, ali avançada, de concentrar o poder num corpo de dirigentes, para melhor escapar aos efeitos das eleições.
Apupos, vaias, gritos de «a luta continua» ou mesmo «fascistas» marcaram as passagens do discurso onde surgiram os nomes de Passos Coelho, Paulo Portas, Ricardo Salgado e Fernando Ulrich. Mas foi com sonoros aplausos que a multidão reagiu, no elenco das propostas e reivindicações da CGTP-IN, à exigência de que os accionistas da SLN sejam chamados a pagar o «buraco» do BPN.
Pelo resultado da política seguida nos últimos dois anos, pela contradição entre as promessas eleitorais e a prática do Governo, pelo repetido recurso à retórica do crescimento e do emprego (desmentida pelos resultados opostos verificados) e pela gravidade das medidas aplicadas e anunciadas, «não pode haver contemplações com aqueles que nos roubam todos os dias, que nos impõem juros impagáveis, que espalham o desemprego e promovem as falências».
«Aqueles que afirmam que não há alternativa, na verdade, o que querem é manter em funções o seu Governo» e «o maior problema que enfrentam é o medo de dar a palavra ao povo e de receber em troca a certidão de óbito a um Governo que é repudiado pela generalidade da população», acusou Arménio Carlos, desafiando: «Não tenham medo do voto!».
Um grande pano negro foi desfraldado por sobre uma mancha de manifestantes, à frente do palco, marcando com grandes letras brancas o que todos ali foram exigir do PR: «Governo rua, eleições já».
Para alcançar este objectivo e construir «uma alternativa política que aplique uma política alternativa e acabe de vez com esta alternância», a CGTP-IN tinha pouco antes reafirmado que é necessário «desenvolver uma luta sem tréguas». Arménio Carlos evocou importantes lutas de trabalhadores, realizadas nos últimos tempos, apelou à mobilização para os protestos que vão ter lugar hoje, contra o roubo dos feriados, e deixou claro que a central vai avançar com novas lutas em Junho, na base de uma ampla unidade na acção, a partir dos locais de trabalho e que poderá evoluir para uma forte expressão nacional.
Uma velha lenga-lenga
Para defender publicamente as medidas que tenciona aplicar aos trabalhadores da Administração Pública, o Governo volta a recorrer à velha máxima de «dividir para reinar», alegando que elas visam estabelecer uma igualdade de condições com aquilo que se pratica no sector privado.
Ana Avoila apontou, em Belém, a falsidade de tal argumentação, lembrando que hoje em dia, fruto da luta dura travada pelos trabalhadores, em mais de 40 por cento dos casos, nas empresas vigoram horários máximos inferiores a 40 horas semanais.
Arménio Carlos recordou outros episódios de uma estratégia que, a pretexto de estabelecer a igualdade entre os trabalhadores do público e do privado, pretende afinal retirar conquistas e direitos a uns e a outros:
- a redução das pensões da Caixa Geral de Aposentações rapidamente foi replicada no Regime Geral da Segurança Social;
- o Código do Trabalho era só para os trabalhadores do privado e foi, depois, transposto para o sector público;
- os cortes nos subsídios de férias e de Natal eram só para os trabalhadores da Administração Pública e do sector empresarial do Estado, logo alastrou ao sector privado.
Arménio Carlos alertou: «Caso avançassem com o aumento da jornada de trabalho para o sector público, haveria um aproveitamento das inúmeras empresas do sector privado que praticam horários inferiores às 40 horas, para tentar aumentar a carga de trabalho! Se, porventura, as medidas anunciadas fossem aplicadas aos trabalhadores da Administração Pública, não tardaria o dia em que as mesmas se generalizariam aos trabalhadores dos restantes sectores de actividade.»