Entrevista a Ahamed Fal

Os saaráuis exigem decidir o próprio destino

Hugo Janeiro

Quando se as­si­nalam os 40 anos da fun­dação da Frente Po­li­sário, Ahamed Fal, re­pre­sen­tante da or­ga­ni­zação em Por­tugal, su­bli­nhou ao Avante! que o povo sa­a­ráui con­tinua unido e de­ter­mi­nado na de­fesa do di­reito à au­to­de­ter­mi­nação e no pro­pó­sito de cons­truir uma pá­tria livre e so­be­rana.

Re­sis­timos e es­tamos de­ter­mi­nados em con­ti­nuar a luta

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Que ba­lanço faz a Po­li­sário destas quatro dé­cadas de luta, e que de­sa­fios en­frenta?

Um ba­lanço muito po­si­tivo do ponto de vista po­lí­tico e di­plo­má­tico. Desde logo porque somos una­ni­me­mente re­co­nhe­cidos como a única força le­gí­tima re­pre­sen­tante dos in­te­resses dos sa­a­ráuis. De­pois, porque na sequência da luta tra­vada pela in­de­pen­dência e contra a ocu­pação mar­ro­quina, o nosso povo criou a Re­pú­blica Árabe Sa­a­ráui De­mo­crá­tica, que hoje é re­co­nhe­cida por mais de 80 países, tem re­pre­sen­ta­ções em quase todos os con­ti­nentes e é membro-fun­dador da União Afri­cana.

Per­ma­necem de­sa­fios e di­fi­cul­dades, evi­den­te­mente, re­la­ci­o­nados com a ocu­pação ilegal por parte de Mar­rocos da maior parte do nosso ter­ri­tório, com a re­pressão, per­se­guição, mar­gi­na­li­zação e dis­cri­mi­nação bru­tais do nosso povo nos ter­ri­tó­rios ocu­pados, si­tu­a­ções inad­mis­sí­veis que devem ser de­nun­ci­adas e am­pla­mente re­pu­di­adas.

O man­dato da Missão das Na­ções Unidas para o Re­fe­rendo no Saará Oci­dental (Mi­nurso) foi re­cen­te­mente pro­lon­gado, mas per­ma­nece sem com­pe­tência para mo­ni­to­rizar essas vi­o­la­ções dos di­reitos hu­manos, não é ver­dade?

Foi até por pro­posta da ac­tual ad­mi­nis­tração norte-ame­ri­cana que o Con­selho de Se­gu­rança das Na­ções Unidas pon­derou dotar a Mi­nurso de com­pe­tência para vi­giar o cum­pri­mento dos di­reitos hu­manos nos ter­ri­tó­rios ocu­pados. O man­dato acabou por ser pro­lon­gado por mais um ano sem essa fa­cul­dade de­vido à opo­sição da França, o que é la­men­tável, até porque a Mi­nurso é a única missão da ONU que não têm essa com­pe­tência atri­buída.

Fica o facto dos EUA terem apre­sen­tado a pro­posta em re­sul­tado da enorme pressão exer­cida por vá­rias or­ga­ni­za­ções de de­fesa dos di­reitos hu­manos, as mais co­nhe­cidas das quais são a Hu­mans Rights Watch e a Am­nistia In­ter­na­ci­onal, bem como fruto das de­nún­cias per­ma­nentes de de­zenas de or­ga­ni­za­ções e grupos so­li­dá­rios com o Saara Oci­dental.


Ainda nos pri­meiros dias de Maio há re­gisto da re­pressão dos pro­testos nos ter­ri­tó­rios ocu­pados...

Sim, nas ma­ni­fes­ta­ções po­pu­lares em El-Aiún, Smara, Bo­jador e nou­tras ci­dades dos ter­ri­tó­rios ocu­pados. Não obs­tante, a Mi­nurso per­ma­nece com as mesmas com­pe­tên­cias que tem desde 1991: zelar pelo cum­pri­mento do cessar-fogo entre a Frente Po­li­sário e Mar­rocos, subs­crito após 16 anos de luta ar­mada.

O que se passa hoje nos ter­ri­tó­rios ocu­pados é muito mais fa­cil­mente di­vul­gado de­vido aos mo­dernos ins­tru­mentos de co­mu­ni­cação. Mar­rocos já não mo­no­po­liza a in­for­mação, nem con­segue, como antes, impor o blo­queio. Isso leva à am­pli­ação da so­li­da­ri­e­dade para com a causa sa­a­ráui e para com a si­tu­ação nos ter­ri­tó­rios ocu­pados, bem como à cons­ta­tação da jus­teza da nossa luta.

As forças pro­gres­sistas e de­mo­crá­ticas de todo o mundo não podem ficar in­di­fe­rentes à li­qui­dação fí­sica do nosso povo.

 

Con­fi­ança ina­ba­lável

 

Em que ponto estão as con­ver­sa­ções com Mar­rocos?

Estão pa­ra­li­sadas porque, usando de falsos ar­gu­mentos, Mar­rocos con­si­derou o re­pre­sen­tante es­pe­cial do se­cre­tário-geral da ONU, Ch­ris­topher Ross, inapto para di­rigir as ne­go­ci­a­ções. Dizem que é de­fensor dos di­reitos do Saará Oci­dental.

 

O que é que de­fende a Po­li­sário para esse diá­logo?

De­fende o cum­pri­mento do plano de paz, no âm­bito do qual é re­co­nhe­cido o di­reito do povo sa­a­ráui a pro­nun­ciar-se li­vre­mente sobre se pre­tende a in­de­pen­dência, a au­to­nomia ou a in­te­gração total em Mar­rocos. Mar­rocos não quer dar essa opor­tu­ni­dade e tudo faz para o im­pedir.

Quer impor a po­lí­tica do facto con­su­mado. Quer que seja re­co­nhe­cida in­ter­na­ci­o­nal­mente a ilegal ocu­pação do Saará Oci­dental e o ter­ri­tório como seu, «ofe­re­cendo» em con­tra­par­tida uma au­to­nomia li­mi­tada.

Nós exi­gimos um pro­cesso de con­sulta po­pular. Exi­gimos que, de­mo­cra­ti­ca­mente, seja o povo sa­a­ráui a de­cidir o pró­prio des­tino.

 

Qual é a si­tu­ação nos acam­pa­mentos de re­fu­gi­ados?

Grande parte do povo Sa­a­ráui en­contra-se desde 1975 nos acam­pa­mentos no Sul da Ar­gélia. É uma si­tu­ação muito di­fícil do ponto de vista hu­ma­ni­tário. É ex­tre­ma­mente duro so­bre­viver num de­serto, num ter­ri­tório inós­pito. Neste mo­mento, a ajuda in­ter­na­ci­onal e so­li­dária, da qual de­pende quase to­tal­mente a po­pu­lação, re­duziu-se em cerca de 70 por cento de­vido à crise eco­nó­mica global. Mas re­sis­timos du­rante estes 36 anos, e nos acam­pa­mentos, nos ter­ri­tó­rios ocu­pados ou no exílio, a es­ma­ga­dora mai­oria do sa­a­ráuis estão de­ter­mi­nados em con­ti­nuar a luta por uma pá­tria livre e so­be­rana.

 

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PCP com a Po­li­sário

 

O PCP fez-se re­pre­sentar por João Ramos, de­pu­tado na As­sem­bleia da Re­pú­blica, nas ini­ci­a­tivas de co­me­mo­ração do 40.º ani­ver­sário da Frente Po­li­sário, re­a­li­zadas nos pas­sados dias 10 e 11 de Maio, nos acam­pa­mentos de re­fu­gi­ados sa­a­ráuis na re­gião de Tin­douf, na Ar­gélia.

A re­sis­tência e luta ar­mada da Frente Po­li­sário – pri­meiro contra o co­lo­ni­a­lismo es­pa­nhol e, pos­te­ri­or­mente, a ocu­pação mar­ro­quina –, ini­ciada em 1973 e in­ter­rom­pida pelo cessar-fogo de 1991, foi de­ter­mi­nante para o re­co­nhe­ci­mento e exi­gência do di­reito do povo Sa­a­ráui à au­to­de­ter­mi­nação, no­me­a­da­mente pelo es­ta­be­le­ci­mento de uma missão da ONU cujo ob­jec­tivo é vi­giar o cessar-fogo e mo­ni­to­rizar a re­a­li­zação de um re­fe­rendo. Con­tudo, o Reino de Mar­rocos, ocu­pante ilegal do Saará Oci­dental, nunca per­mitiu a re­a­li­zação da con­sulta po­pular.

João Ramos cons­tatou que o go­verno da Re­pú­blica Árabe Sa­a­ráui De­mo­crá­tica (RASD) e a Frente Po­li­sário, en­quanto ga­rante da uni­dade do povo sa­a­rauí e van­guarda da luta pela li­ber­tação do Saará Oci­dental, mantêm uma in­tensa ac­ti­vi­dade di­plo­má­tica vi­sando que os es­tados eu­ro­peus re­co­nheçam o seu país. Este é o mais ime­diato ob­jec­tivo da Frente Po­li­sário que, no en­tanto, não ab­dica do le­gí­timo di­reito à re­sis­tência contra o co­lo­ni­a­lismo, como, aliás, su­bli­nhou o Pre­si­dente da RASD e Se­cre­tário-geral da Frente Po­li­sário, tes­te­mu­nhou o re­pre­sen­tante do Par­tido nas ce­ri­mó­nias ofi­ciais.

Co­loca-se como im­pe­riosa a re­so­lução deste con­flito que mantém o Saará Oci­dental como a úl­tima co­lónia afri­cana e o seu povo di­vi­dido entre os ter­ri­tó­rios ocu­pados e os acam­pa­mentos de re­fu­gi­ados, rei­terou o PCP nas co­me­mo­ra­ções em Tin­douf, onde re­a­firmou, igual­mente, na men­sagem que en­tregou à Frente Po­li­sário, a so­li­da­ri­e­dade de sempre para com a luta pela li­ber­tação do Saará Oci­dental e pelo di­reito do povo Sa­a­ráui à au­to­de­ter­mi­nação, a ter o seu país, a gerir os seus re­cursos e a de­cidir o seu fu­turo.



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