Nos 50 anos do 1.º de Maio de 1962

A maior jornada de luta contra o fascismo

O 1.º de Maio de 1962, juntamente com as manifestações de dia 8 em Lisboa e as lutas camponesas no Sul, constituíram «uma das maiores senão a maior jornada de luta antifascista desde o advento da ditadura e a maior vitória de sempre do Partido Comunista na mobilização das massas populares para uma jornada política».

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A caracterização é de Álvaro Cunhal e surge no Rumo à Vitória, que valoriza o facto de, nesse 1.º de Maio, 100 mil pessoas se terem manifestado em Lisboa, «apesar da mobilização de todo o aparelho repressivo». Às cargas policiais e rajadas de metralhadora, o povo «respondeu heroicamente», atirando pedras «arrancadas do pavimento, empunhando postes de sinalização igualmente arrancados, dispersando num lado para se reagrupar noutro, ocupando as ruas durante longas horas».

O Avante! da primeira quinzena de Maio retrata os acontecimentos: «A partir das 5 horas da tarde, começaram a concentrar-se no Terreiro do Paço e na zona da Baixa muitos milhares de manifestantes que a polícia não conseguia fazer dispersar: operários com as suas lancheiras, estudantes, mulheres, empregados, intelectuais. De momento a momento, novas massas de trabalhadores e jovens chegavam ao centro da cidade para tomar parte na manifestação. Às 7 horas a Baixa estava ocupada por mais de 100 mil manifestantes que começaram a dar vivas à liberdade e a cantar em coro impressionante o Hino Nacional, deslocando-se com dísticos para o Terreiro do Paço.»

A reacção não se fez esperar e as «companhias móveis da polícia, os esquadrões de cavalaria da GNR e as brigadas da PIDE» lançaram-se sobre o povo para o fazer dispersar, ao mesmo tempo que tentavam prender os manifestantes que mais se destacavam. Mas do outro lado encontraram uma «enérgica resistência do povo, conduzida por grupos de operários e estudantes. Travou-se uma luta violenta que se prolongou por várias horas; o centro da cidade, onde todo o trânsito fora cortado pela polícia, foi teatro de autênticas batalhas de rua que se tornaram mais duras sobretudo na Madalena, no Carmo, no Rossio e Martim Moniz. Com a selvajaria habitual, as companhias da polícia e os esquadrões da Guarda espancavam indiscriminadamente homens, mulheres e crianças, lançavam granadas e jactos de água suja sobre a multidão que recuava para se reagrupar de novo, gritando a plenos pulmões “Morra Salazar! Abaixo o Fascismo! Assassinos!”».

Não se deixando intimidar com a violência da polícia e nem mesmo com as rajadas de metralhadora, os manifestantes ripostaram «com tudo o que podiam arrancar das ruas». «Os feridos não se contavam só do lado dos manifestantes, mas também das forças repressivas», assinala o Avante!, dando conta do prolongamento da manifestação pela noite dentro «com o maior vigor». Os confrontos com a polícia continuaram até perto da meia-noite. O jovem operário comunista Estêvão Giro foi assassinado por uma rajada de metralhadora.

 

Uma luta nacional

 

No Porto, a manifestação decorreu também sob uma «barragem policial de grandes proporções». Apesar disso, conta o Avante!, «dezenas de milhares de portuenses, sobretudo trabalhadores, corresponderam aos apelos do Partido e das juntas, dirigindo-se para o centro da cidade em magotes e concentrando-se nas ruas que conduzem à Praça da Liberdade». Dispersos pelos jactos de água, reuniram-se uma e outra vez.

Também aqui, as manifestações prolongaram-se pela noite fora, tal como os confrontos com as forças repressivas. Dezenas de pessoas ficaram feridas e muitas foram presas. «Mas a combatividade do povo fez prolongar por muitas horas as manifestações pela liberdade, contra Salazar».

Em Almada, no Barreiro e Baixa da Banheira, no Couço, em Ervidel, em Santiago do Cacém, dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se nesse 1.º de Maio, enfrentando corajosamente a brutal repressão. Noutras localidades, como Montemor-o-Novo, Escoural, Alcáçovas, Aldeia Nova, Pias, Ervidel, Grândola, Alpiarça, Vila Moreira ou Pero Pinheiro, muitos trabalhadores assinalaram o dia com greves. Nos campos do Alentejo e do Baixo Ribatejo, a data marcaria o arranque da luta pela jornada de trabalho de oito horas.

No dia 8 de Maio, em Lisboa, «repetiram-se manifestações em que participaram dezenas de milhares de pessoas, numa jornada quase tão grandiosa como o 1.º de Maio», salienta Álvaro Cunhal no Rumo à Vitória. No dia 28, em várias localidades há novas manifestações e a luta reivindicativa nas empresas recrudesce.

 

Aprender sempre

 

Álvaro Cunhal retira, no Rumo à Vitória, os ensinamentos das notáveis jornadas de luta de Maio de 1962. «Nelas se mostrou a enorme influência do Partido que, apenas secundado por organizações juvenis e algumas Juntas Patrióticas, as preparou, organizou e dirigiu. Nelas se mostrou que, se o Partido sabe auscultar os sentimentos e a disposição de luta das massas, estas o seguem, quando o Partido, mesmo só, as chama à luta». Na opinião do já então Secretário-geral do PCP, as lutas de Maio mostraram também a «elevada radicalização política das massas, a sua vontade combativa e o seu heroísmo».

Mas as jornadas de Maio de 1962 mostraram ainda outra coisa. Segundo Álvaro Cunhal, elas mostraram também, «contra a opinião de alguns, que enquanto no aparelho repressivo se não verificarem sérias defecções, enquanto o governo for obedecido pela totalidade das forças militares e repressivas, enquanto não houver uma forte organização revolucionária nas forças armadas, não será possível partir de manifestações, por mais poderosas que sejam, para a arrancada final, para a insurreição».

Perante a opinião de que se tivessem sido organizados grupos de acção directa que enquadrassem os manifestantes e os dirigissem no assalto ao poder poderia ter-se dado a insurreição, Álvaro Cunhal, rejeitando tal posição, lembra que «não seriam alguns grupos armados que decidiriam do confronto com todo o aparelho repressivo fascista, quando neste não se verificaram fortes hesitações e defecções». Mas não deixa de ser verdade, reconhece, que caso tivessem ocorrido nesse 1.º de Maio acções de outro tipo (ataques a postos sensíveis do aparelho repressivo ou da propaganda fascista) isso teria constituído um «estímulo à luta popular de massas».

Nesse texto, Álvaro Cunhal considera ainda normal a «pausa» que se seguiu à jornada de 1.º de Maio. «Não era de esperar o contrário. Isso era inevitável dado o tipo de manifestação, dado que não havia objectivos concretos que animassem as massas e lutas posteriores. Ou melhor: havia o protesto contra o governo, a exigência do fim da ditadura fascista, mas foi evidente para as massas, como o era para o Partido, que essa exigência não podia converter-se numa insurreição porque muitas condições faltavam ainda para esta».

Como é evidente, uma jornada com esta envergadura necessitou de um amplo trabalho de organização e agitação: «A Rádio Portugal Livre, durante mais de um mês, insistiu na preparação da jornada. Ao mesmo tempo o Partido editou 23 500 exemplares de manifestos da organização regional; 20 000 da petição de trabalhadores; 6000 de manifestos aos jovens; 30 000 tarjetas impressas; 68 000 tarjetas copiografadas; 90 000 selos; 10 000 cartazes e postais com um desenho de Dias Coelho», realça-se na mesma obra.

Mas a chave para o sucesso desta jornada residiu nas novas orientações traçadas pelo PCP na sequência da fuga de Peniche, em Janeiro de 1960, e do combate ao desvio de direita. A prioridade passa a ser dada ao desenvolvimento das lutas reivindicativas e políticas e à sua orientação numa perspectiva revolucionária. Os resultados não se fizeram esperar.



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