Comentário

Clima… de guerra

João Ferreira

1. Um ano depois, a Copenhaga sucedeu Cancun, a 16.ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre as alterações climáticas. Ao desalento e queixumes generalizados que há um ano emergiram do frio nórdico (mesmo se por razões diversas), sucedem-se tropicais declarações de um contido e forçado optimismo, a que o ostensivo baixar de expectativas antes da conferência se antevia já que pudesse vir a abrir caminho.

Sem prejuízo de um aprofundamento ulterior do que em Cancun se passou, alguns breves apontamentos poderão ser desde já alinhados.

O protocolo de Quioto, cuja vigência termina em 2012, continua sem um substituto. Este protocolo vincula, até àquela data, a maioria dos países industrializados a reduções de emissões atmosféricas dos chamados gases de efeito de estufa (GEE), tomando como referência o ano de 1990. A incógnita sobre o que se passará a partir de 2012 persiste. O painel internacional das Nações Unidas para as alterações climáticas recomenda uma redução da emissão de GEE de 25 a 40% até 2020, a levar a cabo nos países industrializados. A União Europeia compromete-se com apenas 20% (a mesma meta que havia assumido em Copenhaga). Os EUA, que não subscreveram o protocolo de Quioto, sendo à época o maior emissor mundial e sendo ainda hoje o maior emissor em termos per capita, comprometem-se com uma redução que não vai além dos 3 a 4% relativamente a 1990. Reduções que poderão ainda assim não ser efectivadas, se os países em causa se servirem dos chamados mecanismos de flexibilidade. Um exemplo discutido em Cancun é o chamado mecanismo de desenvolvimento limpo; segundo este mecanismo, certos «negócios» feitos por países industrializados nos países do terceiro mundo, envolvendo tecnologias ditas «verdes», poderão dar créditos de emissão aos primeiros, ou seja, dispensá-los parcialmente das reduções com que se comprometeram.

Fala-se agora num «prolongamento» de Quioto. No texto final da conferência refere-se a necessidade de concluir o trabalho sobre esse prolongamento «o mais rápido possível, de modo a garantir que não haja um hiato entre o primeiro e o segundo período de cumprimento». Mas não apenas existe uma incerteza quanto ao futuro de Quioto – que Cancun não dissipa, como persiste o problema dos países que não subscreveram Quioto. Para além dos EUA, também a China, entretanto guindada à condição de maior emissor mundial de GEE (embora com emissões per capita que são menos de um quarto das dos EUA e cerca de metade das da UE), não integra Quioto, o que poderá levar a tentativas por parte de alguns subscritores do protocolo de «reverem» o seu enquadramento (ou, dito de outra forma, saltarem fora do segundo período do protocolo) – como é o caso do Japão.

Entretanto, Cancun reiterou a fé nos chamados instrumentos de mercado, de que o mercado do carbono é exemplo maior; instrumentos que haviam já marcado a discussão em Copenhaga e cuja implementação tem concentrado as atenções e os esforços da UE, empenhada que está em criar um novo maná para os especuladores financeiros: já não são só os alimentos, já não é só a dívida soberana dos Estados, é também agora a própria atmosfera, o ar que respiramos, a servir um novo esquema milionário de geração de activos financeiros fictícios.

2. A notícia chegou na semana passada e confirma a gravidade do momento que estamos a viver. Como é próprio da fase actual de desenvolvimento da crise do capitalismo na UE, os acontecimentos sucedem-se em múltiplos planos, velozes, concertados, encadeando-se numa escalada de agressividade crescente, convergindo no objectivo de acentuar a natureza exploradora, opressora e depredadora do sistema, visando, a todo o custo, a sua manutenção.

No passado dia 9, realizou-se em Bruxelas um Conselho sobre o «Desenvolvimento de Capacidades Militares». As conclusões da reunião falam por si. Os mesmos senhores que vêm preconizando um cortejo de ataques aos trabalhadores e aos povos da Europa, que vão de cortes salariais ao desmantelamento da legislação laboral e à liberalização dos despedimentos, passando por «reformas» e «ajustamentos» que acabem com os sistemas públicos de saúde, educação e segurança social tal como os conhecemos, vêm afirmar agora, sem rodeios, que é preciso desenvolver as «capacidades militares» da UE, garantindo que as restrições orçamentais nos diferentes estados-membros não afectam esse desenvolvimento, nem o «novo impulso» que lhe é necessário dar. Um novo impulso à «cooperação com a NATO», à Agência Europeia de Defesa, à I&D no domínio militar, à indústria da guerra... Fazendo soar novas campainhas de alarme!

 



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