- Nº 2684 (2025/05/8)

Apagões

Opinião

O apagão que afectou Portugal e Espanha na segunda-feira, 28 de Abril, gerou sobressalto e perturbação. Como é natural, os seus efeitos sobre a população dominaram a comunicação social. Mas o que se passou na Península Ibérica naquelas horas foi uma pequena gota de água quando comparado com o oceano de tragédia que, desde há muito, recai sobre a martirizada população palestiniana.

Apagões de muitas horas já eram a realidade quotidiana em Gaza muito antes do dia 7 de Outubro de 2023, devido aos efeitos do implacável cerco e bloqueio que dura há quase 20 anos (por, convém recordar, Israel e os seus patronos não aceitarem os resultados das eleições palestinianas de 2006). Esses apagões eram já então acompanhados pela falta de bens e pela limitação de movimentos duma população que só pode sair e entrar na Faixa quando, e se, Israel quiser. Justamente, Gaza foi apelidada de maior prisão a céu aberto do planeta. De Outubro de 2023 para cá, tornou-se no maior campo de extermínio a céu aberto. Desde há mais de ano e meio que Gaza, e cada vez mais a Margem Ocidental, vivem a realidade diária de falta de luz, de água, de comida, de casas, de cuidados médicos, de escolas, de transportes, de trabalho. Hoje morre-se à fome. A vida diária passou a ser a permanente procura do próximo bocado de comida ou de água, que permita sobreviver mais um dia naquele inferno. Tudo sob os incessantes bombardeamentos e incursões terrestres das forças militares e colonos sionistas, que não escondem, antes assumem ufanos nas suas declarações oficiais e nos seus posts de redes sociais, os objectivos genocidas de extermínio dos habitantes daquela terra. As muitas dezenas de milhar de mortos e feridos palestinianos não são ‘dano colateral’, nem erro. Os alvos de Israel são propositados. Incluem as crianças, os médicos, os enfermeiros, o pessoal das ambulâncias, os jornalistas os hospitais, as escolas, os centros de abrigo. É o apagão de qualquer réstia de humanidade. O sionismo revela-se um sanguinário monstro apenas comparável ao nazi-fascismo.

Perante a barbárie em curso há meses, outro apagão se instalou: o da comunicação social que já “normalizou” o genocídio, tratando-o como um facto secundário, apenas merecedor de pequenas notícias quando o número de mortes diárias ascende às centenas. Um apagão que é decisão política dos amigos de Israel, incluindo na UE. Andam envergonhados, mas não deixam de ser amigos. Pela calada enviam as armas usadas para exterminar os palestinianos (ou os iemenitas, sírios e libaneses). Não condenam Israel, nem rompem o Acordo de Associação UE-Israel, mas perseguem com sanha a solidariedade com o povo da Palestina. Acolhem os dirigentes sionistas e congeminam como tornear os seus mandatos de captura. A corajosa Relatora Especial da ONU para os territórios palestinianos ocupados, Francesca Albanese, apontou directamente as responsabilidades de Von der Leyen e Kaja Kallas, as duas mais altas responsáveis pela política externa da UE, nesta conivência (theintercept.com, 3.5.25).

Não contentes com o extermínio sionista, querem mais militarismo. Não querem pôr fim às guerras, mas alastrá-las a todo o planeta. Nisto, EUA e UE estão unidos. A guerra, conquista e genocídio não lhes são alheios. O seu passado colonialista e imperialista não é apenas passado. É presente. Só não será futuro porque chegará o dia em que os povos ponham fim a este capitalismo genocida. Aí está o apagão que interessa.

 

Jorge Cadima