- Nº 2682 (2025/04/24)

A paz é um valor de Abril que é preciso afirmar

Em Foco


Amanhã, quando sairmos à rua para afirmar Abril e os seus valores, é também a paz que defenderemos, ou não fosse a paz uma das mais luminosas conquistas revolucionárias.

Ao abrir caminho ao fim da guerra colonial que, durante 13 anos, ceifou as vidas a milhares de jovens portugueses e africanos, feriu e traumatizou muitos outros e condicionou seriamente o desenvolvimento do País, a Revolução foi em si mesma um acto de paz – que teve ainda o mérito de reconhecer a independência dos novos países até aí submetidos ao colonialismo português e de com eles estabelecer relações amistosas e justas, entre Estados soberanos e iguais.

Mas o Portugal de Abril foi mais longe e inscreveu na Constituição da República Portuguesa (que em 1976 consagrou o essencial das conquistas revolucionárias) importantes princípios ao nível da política externa: a independência nacional, o respeito dos direitos do homem e dos povos, a igualdade entre os Estados, a solução pacífica dos conflitos internacionais, a não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados, a cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.

O Portugal de Abril passou ainda a preconizar a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos. E a reconhecer o seu direito à autodeterminação, à independência, ao desenvolvimento e à insurreição contra todas as formas de opressão.

Como nenhuma outra, a Constituição de Abril acolheu o espírito da Acta Final da Conferência de Helsínquia sobre Segurança e Cooperação na Europa, assinada no ano anterior.

Do lado errado da História

Com a contra-revolução e a institucionalização da política de direita também estes valores e princípios foram postos em causa. Sucessivos governos do País, contradizendo o espírito e a letra da Constituição, submeteram Portugal aos ditames dos EUA, da NATO e da UE: envolveram-no em guerras de agressão na Jugoslávia, no Afeganistão, no Iraque; apoiaram os sucessivos alargamentos da NATO, a corrida aos armamentos, o aumento das despesas militares e a disseminação de bases e contingentes militares no Centro e Leste da Europa, agravando a tensão; defenderam a militarização da União Europeia como pilar da NATO; juntaram-se ao coro dos que, após o fim da chamada Guerra Fria, inventaram «inimigos» e «ameaças» para desmantelar a ordem internacional saída da Segunda Guerra Mundial, substituindo-a por «regras» que só se aplicam a alguns e só a eles servem.

Este seguidismo – Portugal não tem há muito uma política externa independente, graças a PS, PSD e CDS (e agora também a IL e Chega) – choca de frente com os princípios constitucionais e com os interesses de quem cá vive e trabalha. A cumplicidade com o genocídio em curso na Faixa de Gaza e a reiterada recusa em reconhecer o Estado da Palestina envergonha o Portugal de Abril, o primeiro país da Europa Ocidental a receber, em 1979, o líder da resistência palestiniana Yasser Arafat. A anunciada intenção de aumentar os gastos militares, o tal «rearmamento europeu», de modo a responder uma vez mais a imposições externas, visa sacrificar salários e pensões, serviços públicos, apoios sociais e investimento público para servir os lucros da indústria do armamento das grandes potências.

E que dizer dos que – governantes e ex-governantes, deputados e putativos candidatos – vêm a público admitir a hipótese de jovens portugueses poderem um dia vir a ser enviados para morrer nas guerras da NATO? Não foi Abril quem permitiu que, na canção, uma criança pudesse dizer que quando for grande não vou combater?

 

Retomar os caminhos de Abril

É outro, o nosso caminho – nosso, do PCP, mas também de muitos outros democratas e patriotas que também não capitulam perante a propaganda de guerra que nos quer convencer de que não há alternativa ao armamento e à confrontação. O que a realidade mostra é, pelo contrário, que a corrida aos armamentos e a militarização são em si mesmos factores de instabilidade e insegurança. As últimas décadas aí estão a confirmá-lo.

Portugal e a UE não precisam de mais armas, mas de valorizar salários e pensões, reforçar serviços públicos, canalizar recursos para a produção, a ciência, a cultura e o desporto.

Os jovens portugueses não precisam – nem tão pouco desejam – de ir para a guerra em nome de interesses contrários aos seus, mas sim de viver num País que tenha condições para os acolher: educação de qualidade, trabalho com direitos, uma rede pública de creches e jardins de infância, casas a preços comportáveis.

Portugal não pode ser patrocinador da guerra, deve sim bater-se pela paz, o desarmamento, a solução política e negociada dos conflitos, a soberania dos Estados e os direitos dos povos – como Abril mostrou ser possível!