Abril tem muito mais futuro
Muito possivelmente, assim que acabasse a 4.ª classe, ia trabalhar
Nasci e cresci já depois do 25 de Abril. Tenho hoje 19 anos e é muito difícil para mim imaginar-me com a mesma idade em 1974, antes ou depois da Revolução, mas farei um esforço…
Provavelmente não teria passado a minha infância num infantário ou numa escola, nem ela teria sido marcada pelas brincadeiras com os amigos ou a alegria característica das crianças. Muito possivelmente, assim que acabasse a 4.ª classe, ia trabalhar junto dos meus pais ou num trabalho que eles me arranjassem para poder ajudar a suportar as contas da casa. Muitos dos meus amigos estariam neste momento a ir para a guerra. O medo, o isolamento e a pobreza caracterizavam o dia-a-dia.
Mas certamente que também ia ver a luta e a resistência ao fascismo. Nas fábricas, nos campos, nas faculdades, fosse pelas reivindicações mais específicas e concretas àquela realidade, fossem acções directamente contra a ditadura que se vivia, ali estavam os comunistas a juntar forças para deitar abaixo a besta fascista.
Depois do 25 de Abril, tudo seria diferente. No trabalho, com a criação do Salário Mínimo Nacional e o aumento geral dos salários, a contratação colectiva e o direito à greve e à liberdade sindical, mudava-se completamente as condições de vida de quem vivia e trabalhava. Provava-se que quem produzia tinha todas as condições de gerir as fábricas e o rumo do País e que era possível transformar a vida e o mundo.
As escolas, onde tantas crianças, como eu, não puderam estudar, eram agora alargadas e obrigatórias a todos os jovens, reformulou-se o currículo escolar e passou-se a permitir que se criassem associações de estudantes, na sua forma mais democrática, trocou-se a palmatória e as orelhas de burro por recreios para todos e a oportunidade de ser feliz e aprender. O Ensino Superior, do qual eu, e a maioria dos jovens, teríamos muito provavelmente sido afastados, era agora uma possibilidade para milhares e milhares de jovens e menos jovens.
O ambiente que se vivia nas ruas, onde se fazia sentir a força da luta organizada, de massas, a transformação em cada esquina, a confiança que a noite fascista tinha acabado e que nascia um mundo novo. A afirmação dos direitos e da participação das mulheres, as comissões de moradores que construíam parques infantis, casas, erguiam bairros e dinamizavam a sua vida, as tantas lutas dos trabalhadores de todos os sectores, os avanços extraordinários nos campos, a Reforma Agrária. A conquista da democracia seria a minha primeira oportunidade de participar em eleições. Teria agora uma voz, eu e todos os que faziam o País a andar para a frente.
Abril foi a prova do que a força do povo, dos trabalhadores e da juventude portugueses, unidos e organizados, são capazes, concretizando-se no mais belo e abalador avanço na nossa História.
É difícil encontrarmos um jovem neste País que não reconheça o futuro que Abril significou. Mas o que se aprende nas escolas e o que se diz nos meios de comunicação social é que Abril foi um simples levantamento militar, com poucas consequências práticas para além do voto, que ficou no passado e não tem projecção no futuro.
Os valores de Abril resistem na juventude e no nosso povo apesar de tentarem agora convencer-nos que o ciclo de Abril se encerrou, que agora com os 50 anos feitos da revolução e da Constituição, Abril é passado, e tão distante passado que não valerá a pena recordar. Sem surpresas, quem nunca Abril quis, também hoje em Abril não vê futuro. Não vê porque do lado oposto ao nosso na luta de classes, a minoria, os grupos económicos e os governos da política de direita, com Abril só têm a perder, porque Abril é isso mesmo, a alternativa à política que hoje condena à vida difícil a maioria, nós, que todos os dias pomos o País a andar.
Os que sempre estiveram ao lado do fascismo antes do 25 de Abril são os que agora, de uma forma mais escondida ou mais descarada, tudo fazem para destruir o que se conquistou com Abril. Que aproveitemos, então, as comemorações populares do 51.º aniversário da Revolução para garantir que os valores de Abril, o seu projecto e as suas conquistas são afirmados nas ruas, que todos saibam que tendo muita história, Abril tem muito mais futuro.