- Nº 2682 (2025/04/24)

Rita Andrade e a arte contra a globalização da indiferença

Festa do Avante!

A Festa do Avante! acolhe este ano a24.ª Bienal de Artes Plásticas, cujo concurso está aberto até final de Maio. Mas não é tudo em termos de artes visuais: estará também patente uma exposição da jovem pintora Rita Andrade, que fomos conhecer melhor.

Marie Bacelar


Há momentos que mudam o rumo da vida de uma pessoa e Rita Andrade sabe perfeitamente qual foi o seu: o concerto de Roger Waters em Lisboa a 20 de Maio de 2018. Foi ali que, pela primeira vez, soube o que se passava na Palestina – a ocupação, os massacres, a resistência –, tema que não mais deixou de abordar na sua arte: «Nunca tinha ouvido falar disso e emocionou-me muito. Tinha 20 anos...». Essa não foi a primeira vez (nem a última, chegou a cruzar fronteiras para o fazer) que viu ao vivo o fundador dos Pink Floyd, mas em 2012 era ainda demasiado nova para compreender cabalmente a sua mensagem…

Mas aquele concerto, que apanhou Rita em plena Licenciatura de Pintura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, não a apresentou apenas à causa palestiniana. Fê-la também questionar o percurso artístico que ambicionava percorrer ao descobrir o papel político que a arte pode ter:«e quem me fez ver isso foi o Roger Waters.» Anos mais tarde, rumaria à capital inglesa para frequentar o Mestrado em Art and Politics, na Goldsmiths: University of London, que, sublinha, contribuiu para aprofundar«a minha forma de expressar através da arte realidades que considero injustas».

Rita Andrade tinha já, nessa altura, realizado a sua primeira exposição individual sobre a Palestina, no Estoril: I Can’t Breathe Since 1948 (Não consigo respirar desde 1948). Algumas das obras que então vendeu ajudaram-na a pagar o curso.

Dar voz à Palestina

A ligação forte, emocional, da artista à Palestina deixou muito cedo de ser apenas indirecta. Em 2019, com a mãe e o irmão, foi conhecer Israel e a Palestina: «Fui sem ideias feitas, porque eu nunca tinha ouvido falar daquilo, só ouvi o lado do Roger Waters... Então pensei: vou ver com os meus próprios olhos.» De automóvel, foram sozinhos a Belém, a Jericó, a Jerusalém, a Telavive, a Nazaré e a muitos outros locais. Atravessaram check-points, conheceram pessoas, contactaram com o apartheid, a segregação, as violações quotidianas de elementares direitos humanos.

Rita regressou diferente da Palestina: «voltei e percebi que o meu tipo de arte era interventiva e que tinha de dar voz à Palestina. Vim de lá com muitos amigos, mas também muito chocada e magoada.» Veio, também, com uma ideia consolidada acerca da questão palestiniana e da posição inequívoca que passaria a assumir face a ela (para Rita Andrade, a Palestina é uma causa humana, mais até do que política no sentido estrito do termo). Empenhada em usar o seu talento e sensibilidade para levar a maisgente a denúncia do sofrimento e a coragem do povo palestiniano, prometeu a si própria que não contribuiria para aquilo que o Papa Francisco, que admira,denominava de «globalização da indiferença». Que tanto a incomoda nos dias que correm...

A sua primeira exposição reflecte as impressões desta viagem: «os primeiros quadros que fiz sobre a Palestina têm a ver com a minha viagem. As fotografias que tirei, as memórias que ficaram, a pesquisa que fiz para a preparar.» As duas posteriores que dedicou ao tema – em 2023, Identity and Land (Identidade e Terra); em 2024, NonViolent Resistance (Resistência Não Violenta) –, tendo sempre a viagem e a sua experiência no terreno como base de inspiração, reflectem já um olhar mais denso não só sobre a ocupação da Palestina, mas também sobre o mundo em que vivemos e a arrogância dos poderosos.

Ansiosa pela estreia

Rita Andrade nunca foi à Festa do Avante! e não sabe bem o que esperar. Já percebeu que se trata de uma grande iniciativa, com milhares de visitantes e bons programas musicais. Mas o que mais a entusiasma, confessa, é a possibilidade de mostrar o seu trabalho a um público tão vasto e conhecedor da questão palestiniana. E, também, de poder contactar com alguns dos artistas participantes na Bienal, com quem partilhará o Espaço das Artes.

À Festa do Avante!, Rita Andrade levará até 30 obras, algumas já vistas e outras inéditas. Confessa que não está a fazer nada especificamente para essa exposição, que chamará de «A insustentável leveza do poder», pois foi precisamente o trabalho que faz continuadamente sobre a Palestina que levou a que fosse contactada pela Festa do Avante!. E, realça, mesmo que até lá vendesse algumas das obras que pretende expor, não haveria problema, «pois normalmente vendo a pessoas de confiança, que me emprestariam as obras para as ter na exposição». Os primeiros quadros da série que ali estará patentesão da sua exposição de 2019, sobre a Palestina, e o mais recente tem poucas semanas. «E já estou a fazer outro», revelou.

Esta é, sem dúvida, uma exposição que merece uma visita atenta. De uma artista cujo trabalho vale a pena seguir com atenção.

 

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