As tarifas de Trump – o imperialismo sem máscaras

Agostinho Lopes

Há que enfrentar os EUA sem arranjar desculpas ou subterfúgios

1. O «acto imperial» do imperialismo norte-americano da decisão unilateral de subida generalizada das tarifas aduaneiras deve ser registado e considerado em toda a sua dimensão política. Diz um Professor da Universidade de Harvard: «É uma acção sem precedentes de coerção económica unilateral»! Imperialismo cuja existência é negada tantas vezes e por tanta gente, mesmo à esquerda. Os mesmos que o recusam integrar nas análises e contextualização das relações e confrontos internacionais, nomeadamente militares.

Patente o «quero, posso e mando» para que os EUA assumam e assegurem o «lugar de condutor» do mundo. A alegria de Trump perante os telefonemas que todos lhe fizeram, ao que ele disse, era uma coisa de pasmar!

Onde está o mundo das «regras» que muito boa gente diz reger as relações internacionais? O que dizem agora os que muito peroraram e criticaram outros países pela pretensa violação dessas «regras»? O que vão fazer quando o imperialismo norte-americano de uma penada risca as regras, que o próprio impôs na constituição e funcionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC)? Onde estão as críticas e o contraditório do FMI e Banco Mundial? Da OCDE? Dos que estão sempre disponíveis para imposições e penalizações dos países menos desenvolvidos e/ou com dificuldades económicas?

Onde estão as posições da UE reclamando da violação das regras da OMC e das novas «regras» que querem impor a terceiros? Por exemplo, secundando as posições da China quanto à aplicação pelos EUA da Secção 232 da Lei de Expansão do Comércio, de 1962, para suportar as medidas tarifárias, há muito julgada pelo mecanismo de resolução de litígios da OMC como uma violação do sistema de comércio multilateral baseado em regras.

2. A segunda reflexão é sobre as razões e justificações para tal decisão, desmontando a fraude do recurso à personalidade e aos humores de Trump para explicar as acções e agressões que são da natureza do imperialismo. Não, não é a loucura nem a ignorância da economia de Trump e dos seus conselheiros. Não é o seu narcisismo ou a sua pesporrência, como querem alguns, para salvaguardar as suas próprias posições políticas e ideológicas. Na base da decisão está a tentativa de travar e fazer retroceder o declínio da potência económica que são os EUA, num quadro internacional em profunda mutação, numa rearrumação de forças que lhes é desfavorável. É a tentativa de resposta de importantes fracções do capital e da oligarquia norte-americana à crise estrutural do capitalismo, no centro desse declínio e perda de poder económico e político do império no mundo, face ao crescimento de outras potências. «O MAGA (Fazer a América grande outra vez) trumpista será reacionário, mas não é uma irracionalidade – assenta na constatação do falhanço do modelo de domínio imperialista e de financeirização parasitária em vigor nas últimas décadas, e na sua decadência face à ascensão da China e outros países»1. Não são burros ou ignorantes, mas tentam fazer regredir a história pelo recurso às suas velhas ferramentas: o confronto e agressão, militar se necessário, para garantir a hegemonia e a exploração dos trabalhadores e povos. Responder ao declínio, atropelando, sacrificando as economias de outros países e regiões.

3. A dimensão do que foi anunciado e as implicações/resultado das retaliações já anunciadas, e de outras que certamente se vão seguir, a par da inexistência de situações históricas comparáveis, tornam completamente imprevisível no curto e médio prazo perceber o que vai acontecer. O exemplo de medidas semelhantes tomadas pelos EUA durante a Grande Depressão nos anos 20 não serve face à dimensão actual da interpenetração e dependência das economias, volume do comércio internacional e relações de força entre os países. Mas sabe-se que agudizou essa crise. Para lá do que pode ser deduzido sem grandes dúvidas – golpe no comércio internacional, retracção e certamente recessão de muitas economias nacionais, interrupções nas cadeias de valor de muitas mercadorias, surtos inflaccionistas, falência e encerramento de empresas – serão mais afectados os países mais dependentes das exportações, sobretudo os que têm as suas exportações muito afuniladas nos EUA. Mas é evidente que muito também dependerá da reacção dos diversos países e organizações de Estados, como a UE, na resposta aos EUA e das medidas que tomarem para responder a problemas internos entretanto criados, como a perda de competitividade dos seus bens nos EUA, dos volumes de excedentes de mercadorias e de haver ou não novos destinos.

Há que enfrentar os EUA sem arranjar desculpas ou subterfúgios para ceder às suas chantagens e convergir na defesa de um comércio internacional justo, sem discriminações, assegurando vantagens mútuas, pondo fim a sanções impostas com objectivos políticos, conduzido segundo as regras da OMC. Não será a pedir batatinhas como veio o ministro da Economia da AD, Pedro Reis, com apelos «a parcerias estratégicas com os EUA.»

Depois, o recurso às instituições multilaterais pressionando-as para uma intervenção que ponha fim ao unilateralismo norte-americano nomeadamente a OMC e às estruturas da ONU centradas na cooperação económica (UNCTAD), sem deixar de exigir do FMI/BM um posicionamento adequado aos interesses de todos os seus membros.

A que acresce a exigência de que a UE responda aos problemas dos países membros, e não segundo os interesses das grandes potências europeias, e ponha fim à histeria militarista e ao gasto de vultuosas verbas na indústria armamentista.

4. O Estado Português deverá assumir as medidas públicas que podem ser necessárias para responder aos problemas do tecido empresarial mais afectado pelos impactos das alterações na procura externa, salvaguardando empresas, postos de trabalho e rendimentos dos trabalhadores. Simultaneamente, o País precisa de uma intervenção na UE e noutros fóruns internacionais que ponha fim à vassalagem aos EUA e defenda o direito inalienável do Estado Português, no respeito pela sua soberania e independência nacional, a assegurar a defesa da economia nacional, nomeadamente a consideração de uma política comercial externa própria. Há que retirar as ilações necessárias do falhanço das teses liberais dos «tratados de livre comércio», da «livre circulação de capitais», das «deslocalizações», da «globalização neoliberal»!

1Vendaval, Jorge Cadima, Avante 03ABR25

 

 



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