- Nº 2678 (2025/03/27)

O parasita da economia

Argumentos


Enquanto os do costume celebram os lucros históricos da banca relativos ao ano de 2024, o País vê-se confrontado com os baixos salários e pensões e o ataque aos serviços públicos, com a degradação do Serviço Nacional de Saúde e da Escola Pública a atingir ritmos acelerados, com a estafada justificação da falta de recursos e da obsessão pela contenção orçamental. Enquanto nos dizem que o País não aguenta o aumento do salário mínimo porque não existe robustez suficiente da economia, o equivalente a quinze mil e seiscentos salários mínimos, ou seja 13,6 milhões de euros por dia, é desviado para engrossar o lucro da banca. Num ano, os maiores bancos desviaram para si o equivalente a 411 000 salários mínimos anuais.

Num total de 5 mil milhões de euros de lucros, o ano de 2024 representou para as cinco maiores instituições bancárias o melhor ano de sempre e, desses 5 mil milhões, já se anuncia a distribuição de dividendos mais ousada dos últimos anos, com mais de 30% dos lucros a serem canalizados especialmente para fora do País, tendo em conta a entrega de praticamente toda a banca que actua em Portugal a grupos espanhóis. Ao contrário da solidez e robustez que nos anunciam, estas práticas de distribuições agressivas de dividendos são um factor de descapitalização da banca que a coloca mais frágil perante as crises.

Para termos uma noção da grandeza e do significado deste valor, além de representar mais de 5,6% do total do Orçamento do Estado executado até Dezembro de 2024, significa uma parte considerável do produto do trabalho gerado em Portugal e que é apropriado pelos que parasitam a nossa economia.

O que o País não pode suportar não é o aumento geral dos salários ou o aumento do investimento público nos serviços, ou no desenvolvimento regional e nacional, mas o desvio de milhares de milhões de euros para o estrangeiro, resultantes de uma actividade parasitária que não produz um euro, mas se apropria de milhares de milhões de euros através apenas de dois mecanismos: a usura e a extorsão.

Enquanto encerra balcões (mais de 800 agências encerradas desde 2020), diminui o número de trabalhadores (quase 4 mil trabalhadores a menos desde 2020) e desmaterializa serviços, a banca cobra cada vez mais por taxas e comissões injustificáveis e inaceitáveis e remunera a poupança a níveis muito inferiores aos dos juros cobrados, tudo legitimado por uma gestão da Caixa Geral de Depósitos que alinha pela bitola das piores práticas bancárias privadas, actuando como um factor de ampliação do lucro dos privados, e pelo Banco de Portugal, convertido em consiglieri da banca privada.

Nos últimos dois anos, a banca retirou à economia nacional 9 mil milhões de euros, cerca de 5% de um PIB anual, recursos que são necessários para alavancar a actividade económica e produtiva, os salários e o crédito, especialmente a habitação, tendo em conta a crise habitacional que o País atravessa. Mesmo neste contexto de elevadíssimos lucros, a banca protestou a tímida obrigação de criação de reserva contra-cíclica, porque sabe bem que, enquanto tiver no Governo e na União Europeia aqueles que estão ao seu serviço, pode sempre contar com a salvação dos bancos e banqueiros com os recursos públicos, apesar da especulação e da corrupção nesses processos.

A banca que acaba de acumular, em dois anos, 9 mil milhões de euros é a mesma que precisou de ser resgatada, com apoios num total de mais de 22 mil milhões de euros de recursos públicos, desde 2009, e a verdade é que, desde então, quase nada pagou e nada mudou.

Miguel Tiago