Nacionalizações de Abril são referência de futuro

Inserida nas comemorações do 50.º aniversário do 25 de Abril, o PCP realizou, no dia 15, a sessão pública «As nacionalizações, o crime das privatizações, sectores estratégicos e o desenvolvimento do País», na Casa do Alentejo, em Lisboa.

Intervieram Paulo Raimundo, Vasco Cardoso, Agostinho Lopes, Miguel Madeira, Carlos Carvalhas e Domingos Abrantes.

No dia anterior ao da sessão, que encheu por completo um dos salões da Casa do Alentejo, completaram-se 50 anos da nacionalização da banca, acontecimento que deu início à nacionalização de outros sectores estratégicos: foi o Conselho da Revolução quem o decretou, a 14 de Março de 1975, respondendo às exigências que milhares de trabalhadores bancários, na véspera, tinham levado às ruas do País.

Os dias que antecederam essa importante viragem tinham sido de grande convulsão. A 11 de Março dava-se o falhado golpe contra-revolucionário, dirigido por Spínola e apoiado pelos sectores mais reaccionários da sociedade, o grande capital e os grupos monopolistas, que viam os seus privilégios e ambições ameaçados pelo curso da Revolução.

A derrota do golpe às mãos dos sectores revolucionários do MFA, aliados ao povo e aos trabalhadores, teve efeitos concretos: a liberdade conquistada com a Revolução consolidou-se, o campo progressista acumulou força e a reacção, empenhada que estava em pôr travão ao curso revolucionário, perdeu margem de manobra.

Monopólios contra a revolução

Desde há muito que a actuação dos grupos económicos se vinha revelando incompatível com a vontade do povo português, com as frequentes ofensivas contra os direitos conquistados pelos trabalhadores e a sabotagem económica das empresas e do País: o abandono de empresas por parte dos patrões ou a fuga destes para o estrangeiro, situações de insolvência ou falência técnica, desvios e transferências de fundos, fraudes contabilísticas, retirada de máquinas e equipamentos, não aproveitamento de matérias-primas, esgotamento de stocks, não aceitação ou cancelamento de encomendas, desinteresse na busca de mercados, degradação económica e financeira e risco de encerramentos – foram actos frequentes nesses meses.

As nacionalizações surgiram, assim, como resultado do processo revolucionário e consequência lógica da agudização da luta de classes, que opunha à revolução portuguesa os grupos monopolistas.

Ao serviço do povo e do País

As nacionalizações, juntamente com a Reforma Agrária, foram «uma das mais importantes conquistas» da Revolução de Abril, considerou Agostinho Lopes, membro da Comissão Central de Controlo do PCP e o primeiro de seis oradores que participaram na sessão. Tratou-se, garantiu, de um verdadeiro «golpe de morte no poder dos grupos monopolistas».

As nacionalizações criaram, no enquadramento económico e social da Constituição da República aprovada um ano depois – a 2 de Abril de 1976 –, um «chão sólido e fecundo para vencer as mazelas herdadas da ditadura e assegurar o desenvolvimento do País num regime de liberdade e democracia, no caminho para o socialismo». Isto fez-se, naturalmente, com o prejuízo da grande burguesia, dos grupos económicos monopolistas, e latifundiários, do grande capital estrangeiro e do imperialismo», que, para além de terem sido sustentáculo do fascismo, foram igualmente os seus «beneficiários directos e indirectos».

Agostinho Lopes rejeitou ainda o argumento (até aos dias de hoje utilizado) de que as nacionalizações levaram à destruição de capital e de importantes activos nacionais. Nada mais falso: em inúmeros sectores, na indústria pesada e em praticamente todas as indústrias básicas e estratégicas, na produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, nos transportes terrestres e marítimos, directa ou indirectamente nacionalizadas, «implantaram-se e consolidaram-se grandes empresas de âmbito nacional, desenvolvendo e modernizando as unidades existentes e constituindo novas unidades».

«Fizeram-se», continuou, «fortes investimentos e avançou-se na inovação, na produtividade e competitividade», cumprindo no fundamental as «suas missões, ao serviço dos portugueses e do País».

 

«Esta iniciativa não é apenas uma importante e necessária memória de uma magnífica conquista da Revolução. É também a forma de evidenciar as enormes potencialidades das nacionalizações e de quanto o futuro do Pais as continua a exigir.»

Agostinho Lopes

Importa retomar o rumo de progresso iniciado pelas nacionalizações

«A iniciativa que hoje realizamos tem, entre outros, o mérito de colocar em grande medida o problema como ele se colocava ao português perante a realidade de 1974», começou por observar Paulo Raimundo, o sexto e último orador da sessão pública do passado sábado.

A realidade de um «regime fascista viver suportado e a suportar o poder de uns poucos grandes grupos económicos», o que é uma «característica do capitalismo monopolista de Estado». Mas a realidade de que falava o Secretário-Geral referia-se também à de um povo que vivia em repressão, na pobreza, com falta de acesso a serviços básicos, em guerra. Em suma, «tudo o que se abatia sobre o povo português, destinava-se a alimentar esses grupos económicos, num país colonizador e simultaneamente colonizado».

«É bom recordar que os partidos que publicamente defendiam e tinham inscrito nos seus programas a nacionalização dos sectores estratégicos e o desenvolvimento pelo Estado de uma vasta rede de serviços públicos obtiveram mais de 90 por cento dos votos dos portugueses, quer nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1975, quer nas eleições legislativas de 1976», recordou o dirigente comunista. Outra coisa, no entanto é se «alguma vez pensaram cumprir o que estavam a prometer ao povo», mas que «prometeram, prometeram».

Políticas têm de servir o povo

Para o PCP, ao contrário de outros, as políticas nacionais têm que ser tomadas para servir os interesses do povo português e não de uma meia dúzia de grandes accionistas: «Não é a Vinci que tem que decidir onde são os nossos aeroportos. Não são os accionistas da Galp que devem determinar o preço do gás de botija e dos combustíveis. Não são os grupos económicos que determinam a política fiscal, e se deve baixar o IRC deles para suportar o IVA que o povo paga na energia», exemplificou.

Governo caiu mas perigo continua à espreita

«O Governo caiu na semana passada, um Governo que desde o seu primeiro dia se constituiu como uma comissão de gestão dos interesses dos grupos económicos e das multinacionais», recordou.

«Para lá das práticas, factos e acontecimentos que envolveram o Governo, o que marcou a sua acção foi a opção de transformar cada problema numa oportunidade de negócio para os grupos económicos», acusou. É a opção que se verifica com a política de baixos salários e pensões, de ataque a direitos, de degradação de serviços públicos, em particular o SNS e Escola Pública, de promoção da especulação, de injustiça fiscal, de reduzido investimento público e de promoção das privatizações.

«No próximo mês de Maio, dia 18, os trabalhadores e o povo serão novamente chamados a umas eleições onde estarão em confronto duas visões alternativas sobre as empresas e sectores estratégicos», afirmou. «De um lado estarão aqueles que ao longo dos anos tudo têm feito para continuar a vender o País aos retalhos», do outro lado, «com interesses dos trabalhadores, do povo e do País, estará o PCP».

«Uma submissão do poder político a interesses que vem de há muito, mas que é hoje mais clara e mais evidente, por muito que o tentem esconder.»

Paulo Raimundo

Privatizações foram retrocesso

«Portugal é hoje um país comandado pelo poder dos grupos económicos e das suas multinacionais»: foi assim, citando a Resolução Política do XXII Congresso do PCP, que Vasco Cardoso, membro da Comissão Política e penúltimo interveniente na sessão, introduziu a temática das privatizações e dos retrocessos que estas significaram para o País.

«O domínio do grande capital sobre a vida nacional teve como elemento chave o processo de privatizações», explicou, afirmando que foram as políticas de PS, PSD e CDS as responsáveis pela reconstituição dos monopólios». «Neste percurso, procuraram confundir reestruturação económica com centralização de capitais, promovendo a liquidação de unidades e sectores, o desmantelamento da coerência e racionalidade de fileiras produtivas e áreas de actividade das empresas públicas», apontou. Procuraram, assim, «fazer vingar a ideia de que a lógica dos sectores empresariais privados seria idêntica, ou poderia ser confundida, com a lógica do sector público, a quem cabe garantir uma eficaz intervenção e dinamização dos sectores produtivos e, em particular, das pequenas e médias empresas».

Vasco Cardoso salientou ainda que se acentuou o domínio de um número restrito de grupos. Quanto ao mercado da força de trabalho, as privatizações significaram uma degradação geral do nível quantitativo e qualitativo da mão-de-obra. Nas contas públicas, o Estado perdeu as receitas fiscais e dos dividendos que deixou de receber.

Os sectores produtivos – como a agricultura, as pescas e a indústria – foram e continuam a ser fortemente atingidos. Agravou-se a dependência da economia portuguesa do capital transnacional e, no plano do ordenamento do território e do uso dos recursos naturais, aprofundou-se a incapacidade do Estado e fico-se sujeito à lógica da maximização dos lucros.

 

«Da mesma forma que as nacionalizações foram característica central do processo revolucionário, as privatizações foram um dos elementos centrais do processo contra-revolucionário. (…) O País não aguenta mais este assalto aos recursos nacionais. A situação exige a ruptura com as privatizações, exige o controlo público dos sectores estratégicos da economia»

Vasco Cardoso

Novo modelo de desenvolvimento na defesa da jovem democracia

«As nacionalizações não foram decididas por qualquer imperativo ideológico, mas como uma necessidade para salvar a Revolução», afirmou Carlos Carvalhas. «Surgiram», explicou, «como resposta ao golpe de 11 de Março, ao financiamento pela banca deste mesmo golpe e, sobretudo, como resposta à sabotagem económica e financeira dos grandes grupos monopolistas que queriam sufocar, no berço, a Revolução que dava os primeiros passos». «Com as nacionalizações», afirmou o antigo Secretário-Geral do Partido, «os recursos financeiros foram aplicados na economia e criaram-se condições objectivas para uma dinâmica não capitalista».

Os sectores básicos e estratégicos deixaram de estar nas mãos dos capitalistas, passando para as mãos do Estado, o que «permitia, se o poder político fosse favorável ao processo revolucionário, uma acumulação não capitalista», salientou Carlos Carvalhas, recordando o pensamento de Álvaro Cunhal. O mesmo afirmava o Partido no seu VIIl Congresso (em Novembro de 1976) ao reparar que as «forças reaccionárias tinham procurado atirar as culpas da crise económica para os seis meses da revolução a que corresponderam o 4.º e 5.º governos [provisórios]». A tal «fúria acusatória tinha por razão primeira o seu ódio de classe, pois foi nesse período que tiveram lugar as nacionalizações, que se avançou com o controlo operário e a Reforma Agrária».

Na verdade, como desmentiu Carlos Carvalhas (que foi Secretário de Estado do Trabalho no período revolucionário), apesar da crise capitalista internacional de 1973, da herança do fascismo, da sabotagem do grande capital, do boicote do imperialismo, a «economia portuguesa, fruto do empenho, criatividade e da dinâmica interessa dos trabalhadores, manteve-se surpreendentemente sólida e teve um comportamento mais favorável do que a maioria dos países capitalistas».

«A dinâmica não capitalista, a acumulação não capitalista, era a evolução natural correspondente às leis objectivas determinantes na economia», salientou, acrescentando que com as nacionalizações, «as relações de produção capitalistas, embora ainda predominantes, deixaram de ser determinantes».

«Aparelho único» sob o fascismo

Domingos Abrantes admitiu ser normal que, passados 50 anos, se mantenham, por parte das forças reaccionárias e do PS, «os ataques, calúnias e falsificações históricas contra as nacionalizações».

A liquidação do poder dos grupos monopolistas como condição para a liquidação do Estado fascista e garantia das liberdades e de um regime verdadeiramente democrático, constituía, lembrou, um dos pontos centrais da estratégia do Partido para a revolução antifascista, que se consubstanciaria», recordou, «no Programa para a Revolução Democrática e Nacional». Esta tese, como expôs Domingos Abrantes, assentava na análise rigorosa e fundamentada da natureza do fascismo, de quem o sustentava e de quem dele beneficiava.

«O regime fascista em Portugal assumia uma natureza específica, em que o Estado e os monopólios funcionavam como que constituindo um aparelho único, posto ao serviço do da política de concentração e centralização do capital», recordou ainda. No caso de Portugal, esta dependência ia ainda mais longe. Verificando-se, como mencionou o antigo dirigente, no aparelho repressivo. Este «não estava apenas ao serviço do patronato, era o seu instrumento próprio». Uma parte do orçamento da PIDE era financiado por grandes empresas que mantinham relação directa, ao mais alto nível, com o regime fascista.

O papel dos trabalhadores

Bem antes dos decretos revolucionários correspondentes às nacionalizações, «já os trabalhadores, com as suas comissões de trabalhadores e sindicatos, impunham na prática as maiores restrições aos movimentos e iniciativa do patronato, quando não assumiam eles próprios o controlo dos processos», afirmou Miguel Madeira, do Comité Central. Foram também os trabalhadores que sanearam o grande patronato fascista e os seus agentes directos.

Porém, acrescentou, a sua intervenção dos trabalhadores não pôde, porém, limitar-se aos saneamentos, «teve logo de alargar o seu âmbito para responder às ofensivas do patronato». Ficará para a história do movimento operário e sindical português, o papel desempenhado pelos trabalhadores. «Foi, na verdade, uma luta corajosa, tenaz, por vezes heróica, de alto e positivo significado político, social, económico e moral, sem a qual a democracia portuguesa não teria tido vida longa», salientou. «Em todo o percurso e nas mais variadas experiências concretas, revelou-se, a par do espírito de organização, da coragem e combatividade, o poderoso espírito criador da classe operária e das massas trabalhadores», acrescentou. O dirigente comunista recordou que «sem esta pressão fortíssima da “base”, que foi uma das características mais marcantes da revolução portuguesa (que teve como grande limitação nunca ter tido um governo realmente revolucionário), não teriam sido possíveis decisões tão avançadas como as tomadas pelo Conselho da Revolução a 14 de Março de 1975 e posteriormente».

«Essa dinâmica [capitalista] traduziu-se num país que não abandonou os lugares da cauda da Europa, desertificado e envelhecido, mais desindustrializado, com uma larga extensa da pobreza, baixos salários e reformas e dependente do oxigénio do turismo»

Carlos Carvalhas

«A necessidade da liquidação simultânea do poder político e do poder económico do fascismo (...) nunca foi aceite pelos diversos sectores da oposição democrática-liberal, republicana, que defendiam uma impossibilidade: a existência de liberdades políticas mantendo o poder dos principais responsáveis (e beneficiários) da liquidação das liberdades — o grande capital»

Domingos Abrantes

«Este forte Sector Empresarial do Estado, a par das centenas de empresas intervencionadas, de capitais públicos ou participados, gerou potencialidades para atacar grandes carências, criou milhares de postos de trabalho e, mesmo agredido, permitiu a racionalização dos recursos existentes no interesse do progresso e da melhoria das condições de vida»
Miguel Madeira