- Nº 2675 (2025/03/6)

O Governo e a sua política merecem toda a censura

Em Foco

Estava agendada para ontem, já depois do fecho da edição,a discussão e votação de a moção de censura do PCP, anunciada no sábado, logo após a declaração do primeiro-ministro ao País. O desenvolvimento da acção do Governo e a sucessão de casos que se acumulam, envolvendo váriosgovernantes e o próprio Luís Montenegro, não são obra do acaso: traduzem uma política ao serviço do grande capital e dos seus lucros, que agrava a exploração e as injustiças. E merece toda a censura.

Lusa

«Este Governo e a sua política não merecem confiança, merecem sim condenação e censura», afirmou Paulo Raimundo na noite de sábado, ao anunciar a apresentação da moção de censura (entregue no dia seguinte na Assembleia da República). Como salientou o Secretário-Geral do PCP, trata-se da censura «às práticas, factos e acontecimentos que envolvem o Governo, mas sobretudo a censura a uma política de baixos salários e pensões, de ataque a direitos, de degradação de serviços públicos, de desinvestimento público, limitações ao aparelho produtivo, promoção da especulação imobiliária, de privatizações, de défice produtivo».

Assim, e para lá da gravidade de factos e acontecimentos, o dirigente comunista apontou aquela que é, para o Partido, a «questão essencial: quase um ano após a sua entrada em funções, ficam inteiramente reafirmadas as razões que levaram o PCP a apresentar uma moção de rejeição ao Programa do Governo, então recusada». A apresentação desta moção de censura assenta, assim, na «autoridade e coerência de, quem desde a primeira hora, não alimentou expectativas» relativamente à acção do Governo; pelo contrário, «denunciou e combateu a sua acção e recusou qualquer cumplicidade com as suas decisões, incluindo o Orçamento do Estado».

Outros tomaram opções diferentes e não há malabarismos discursivos, jogos de bastidores e cinismo que alterem os seus posicionamentos passados, presentes e futuros.

Política e propaganda
A precipitar a iniciativa do PCP estiveram os casos envolvendo membros do Governo e o próprio primeiro-ministro: ligações ao sector imobiliário, num contexto marcado pelas alterações à lei dos solos num sentido favorável à especulação; relações pouco transparentes com empresas privadas; pagamentos de imóveis sem rendimentos que o possibilitem… Enfim, uma mistura entre exercício de funções públicas e interesses particulares, revelando promiscuidade entre poder político e económico.

Quanto à comunicação feita por Luís Montenegro ao início da noite de sábado, tratou-se, segundo Paulo Raimundo, de uma «inusitada acção de propaganda» que não só não acrescentou elementos capazes de dissipar ou sanar os factos que continuam por esclarecer como reafirmou a intenção do Governo em «prosseguir a sua agenda ao serviço do grande capital, de ataque a direitos e serviços públicos, de agravamento da exploração e injustiças».

A decisão do primeiro-ministro de renunciar à empresa que detém é, para o dirigente comunista, um «expediente tardio que não esclarece nem afasta os indícios de promiscuidade do Governo com os grandes interesses económicos e financeiros». Já a intenção de «virar a página sobre esta sucessão de casos para o Governo se poder “concentrar” na sua acção só pode ser entendida, olhando para a política e projectos anti-sociais e antidemocráticos que tem em curso e ensejados, como uma ameaça às condições de vida dos trabalhadores e do povo, ao futuro do País e da sua soberania».

Clarificação é necessária
A iniciativa do PCP obriga as forças políticas a clarificarem as suas posições acerca da política do Governo e das práticas que vieram a público nas últimas semanas: uma e outras reveladoras por si só, não sendo necessário esperar pelo esclarecimento cabal de mais nenhum «pormenor» para acerca delas se formular qualquer apreciação.

Esta é também a resposta mais coerente à chantagem do Governo, que não apresentou nenhuma moção de confiança – referiu-se a ela apenas como forma de pressão sobre os partidos políticos, numa espécie de «agarrem-me senão eu caio». Será revelador verificar quem se deixará intimidar pela chantagem, quem se procurará agarrar a ela para justificar convergências reais com as opções políticas do Governo e quem, por outro lado, demonstrará o seu repúdio pela acção governativa e pela promiscuidade evidente entre o poder político e o poder económico que revela.

O que o primeiro-ministro fez foi desafiar o Parlamento a mostrar se tem ou não confiança no Governo. A única e a mais explícita forma de mostrar que não se tem essa confiança é por via da censura. Cada um que se posicione se quer ou não interromper a acção deste Governo e a sua política.

 

 

«O Governo PSD/CDS optou pela concretização de uma política ao serviço dos interesses dos grupos económicos e das multinacionais, que promove o agravamento da exploração, das injustiças e desigualdades e submete os interesses nacionais às imposições da União Europeia.

É assim com o prosseguimento do ataque aos direitos e condições de vida dos trabalhadores, dos reformados, dos jovens, das mulheres; com os baixos salários e pensões; com o aumento dos preços de bens e serviços essenciais, nomeadamente dos alimentos e da energia; com o aprofundamento das dificuldades no acesso à saúde; com a falta de recursos materiais e humanos na Escola Pública; ou com as crescentes dificuldades no acesso à habitação.

E é assim com o aumento da injustiça fiscal, incluindo com a descida do IRC para as grandes empresas; a aceleração do processo de privatização da TAP, inserido num plano mais vasto de privatizações; a renovação e a preparação de novas Parcerias Público Privadas, na saúde, rodovia, ferrovia; um novo assalto aos recursos públicos pela multinacional Vinci a pretexto do Novo Aeroporto de Lisboa; a aceleração do processo de privatização dos cuidados de saúde e a entrega às Misericórdias da gestão de vários hospitais; a intenção de aumentar as propinas no ensino superior; o incentivo à especulação imobiliária com as alterações em matéria de política de solos; a transferência de mais recursos para o grande capital a pretexto de dificuldades na execução do PRR; um vasto programa de ataque à Segurança Social e ao seu carácter público, universal e solidário, com opções que visam a sua fragilização; novas ameaças aos direitos dos trabalhadores, incluindo no plano da legislação laboral; ou a mobilização de enormes recursos públicos, não para a defesa e concretização da missão constitucional das Forças Armadas de salvaguarda da soberania e independência nacional, mas sim para a escalada armamentista e a promoção da guerra.»

- excerto da moção de censura

«Merece uma forte condenação e censura o anúncio repetido de medidas futuras para esconder a ausência de medidas no presente capazes de resolver os problemas que afectam e preocupam realmente os portugueses: o dinheiro que não chega ao fim do mês, a indignação perante as injustiças, a incerteza quanto ao futuro.

Do que o País precisa é de uma política alternativa não subordinada e ao serviço dos grupos económicos, uma política que não encontra resposta numa maioria parlamentar que, unindo PSD e CDS ao Chega e IL no que mais interessa aos interesses do capital monopolista, conta ainda nesse domínio com a cumplicidade ou apoio do PS.

O PCP prosseguirá a sua intervenção não apenas de denúncia destas opções mas para afirmar as soluções que se impõem no plano do direito à saúde e à habitação, ao aumento dos salários e pensões, à defesa e afirmação dos direitos dos trabalhadores, à valorização das suas carreiras e condições de trabalho, à defesa dos serviços públicos e à efectivação dos direitos de pais e crianças, à soberania e ao desenvolvimento nacional.

A evolução da situação coloca nas mãos e na luta dos trabalhadores e do povo a exigência e a possibilidade de uma outra política e de um outro caminho para o País. Mais cedo ou mais tarde o povo português com a sua intervenção e luta irá decidir do futuro de Portugal.»

- excerto da declaração de Paulo Raimundo