Época de mistificações e aldrabices
Só 17% dos presos são estrangeiros, o que é diferente de serem imigrantes
Lusa
Um dos temas das últimas semanas versou a questão de o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) passar a conter a nacionalidade de quem pratica crimes. Argumentam vários especialistas da sua importância para se conhecer o concreto, combater mentiras e suposições e poderem ser definidas políticas mais ajustadas a partir desses elementos.
Ora, é importante que se saiba que os relatórios actuais já contêm informação deste tipo a partir da população prisional. Ou seja, sabe-se que do total de presos cerca de 17% são estrangeiros (é importante aqui sublinhar que estrangeiro não é sinónimo de imigrante) e sabe-se também, por exemplo, quantos são do continente europeu, de África ou da América do Sul. Qual a importância de se detalhar mais? Não se vê relevância.
Mas sobre os que usam o argumento de que é importante para as forças e serviços de segurança o detalhe, sempre se pode dizer que essa informação está-lhes disponibilizada, desde logo pelos processos que têm de instruir. E não sabe a PSP ou a GNR, nas respectivas áreas de actuação, as zonas com maior incidência criminal? Claro que sim. Não vale a pena atirar poeira para os olhos.
Os que defendem tal decomposição de dados em nome da «verdade», convinha não falsearem a verdade ou a mistificarem para defenderem os seus pontos de vista. Porque a verdade é que para alguns todos os dados nunca chegarão, porque os seus objectivos são de outra natureza, aliás como se viu com as reacções aos dados entretanto disponibilizados pela PJ e pela PSP.
E não deixa de merecer também registo que alguns de áreas políticas que se afirmam à margem de concepções reaccionárias e xenófobas e que nunca dinamizaram iniciativas da população contra a especulação imobiliária, contra a lei das rendas que fez encerrar clubes e colectividades, etc., o façam no actual contexto em torno de temas que encaixam nessas deploráveis agendas.
Dados recentes, sobre os descontos para a Segurança Social de comunidades imigrantes, confirmam tendências anteriores, ou seja, gente que vem para o nosso país trabalhar. A título de exemplo esses dados dizem que a comunidade nepalesa, entre 2021 e 2024, subiu 8 mil (são 29 mil no total) e os descontos para a Segurança Social rondam os 158 milhões de euros. A população indiana cresceu 14 mil (no total são 44 mil) e os descontos rondam os 239 milhões de euros. Entre 2021 e 2024, o saldo positivo para a Segurança Social decorrente das contribuições (retirando o valor das prestações sociais) das comunidades imigrantes foi de 8,7 mil milhões de euros.
Se não há falta de dados, há ausência de uma política integrada para responder aos problemas, desde logo os de natureza social, que fazem medrar os sentimentos de insegurança. E também não falta uma poderosa acção concertada, com uso de vários instrumentos, para transformar mentiras em «senso-comum» para a partir dele cavalgar novas investidas, tendo como alvo fundamental o regime democrático.
A negação da realidade foi instituída como doutrina pelo poder dominante e expressa-se em vários domínios. O objectivo é estabelecer o descrédito das instituições democráticas, desorientar as pessoas com a ideia de um incontrolado laxismo, de modo a facilitar espaço para medidas de cerceamento de direitos, liberdades e garantias, mas também aumentar a exploração. Oiça-se como é a berraria da extrema-direita contra os «políticos», mas atente-se como votam as políticas de favorecimento do grande capital. O populista é o mixordeiro da política, como se vai constatando.
A extrema-direita, nas suas versões mimada, snobe ou arruaceira, partilha do mesmo objectivo de abater na Constituição da República os direitos nela consagrados.
Recusar essa submissão é defender a liberdade e a democracia. É afirmar um outro rumo de soberania e progresso para o nosso País.