O último a saber tinha, teve e tem razão
O caso Inapa é grave, mas é um aviso e um ensaio para futuras privatizações
A 1 de Agosto de 2024 o Avante! publicou um Argumento intitulado «O último a saber», onde se denunciava a opção, o modo de actuação e a opacidade do Governo PSD/CDS na insolvência do Grupo Inapa – Distribuição de Papel, em que o Estado era o maior accionista, para «proteger o dinheiro dos contribuintes».
O texto foi escrito na semana em que o Grupo se apresentou à insolvência (21 de Julho) e em que o ministro de Estado e das Finanças (MEF) disse que o Governo só soube da situação de falência iminente a 11 de Julho. Nestes últimos seis meses o Governo entendeu propagandear o acerto da decisão enquanto a parte lucrativa do Grupo (em França e na Alemanha) era vendida a pataco a grupos económicos privados concorrentes, que lá vão continuar a operação a que a Inapa se dedicava. Só isto já confirmava o que dissemos: havia outra solução à insolvência. Mas houve, no último mês, desenvolvimentos no Parlamento em audições ao ex-administrador, à Parpública (accionista em nome do Estado) e ao Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (SETF), enquanto o processo de insolvência prossegue, confirmando o despedimento de 200 trabalhadores da Inapa em Portugal.
Por um lado ficou a saber-se que o MEF mentiu na resposta a uma pergunta escrita do PCP e denunciámo-lo; por outro, confirmou-se que a Parpública conhecia perfeitamente a situação do Grupo Inapa e confirmou 98 contactos com a administração e sete pedidos de financiamento; que a Administração, apesar da participação pública, não recebia orientações estratégicas do Estado; que na Assembleia Geral da empresa realizada a 23 de Maio, a Parpública aprovou as contas e apresentou um voto de confiança na Administração que, dois meses depois, apresentou o grupo à insolvência; e que o Estado, apesar de deter 44,89% do capital social, apenas detinha 33% dos direitos de voto. Em suma, a posição maioritária era pública, os privados é que mandavam, com o Estado a perder, sempre «a bem do contribuinte». Sem grande novidade.
Até que ficámos a saber também que o anterior governo PS, em Novembro de 2022, tinha emitido um despacho que se pode sintetizar assim: nem mais um cêntimo para a Inapa e ordem de encontrar solução para a alienação da participação do Estado. Objectivo que terá comunicado à Inapa em 2023. Quem sabia disto durante estes seis meses? O governo PS, o Governo PSD/CDS, a Parpública e a administração da Inapa. Só o povo e os seus representantes não sabiam.
Aviso e ensaio
Enquanto a IL comemorava a falência de uma empresa com capitais públicos, o PS puxava dos galões e afirmava que a decisão que «protegia os contribuintes» era mérito do seu anterior governo e o PSD e o SETF atropelavam-se para reclamar os méritos da concretização da insolvência e alegravam-se por não se estar a «discutir uma nova Efacec» (guardemos esta frase para o futuro próximo). O Chega foi, com a coerência do costume, enquanto os minutos passavam, saudando e criticando o processo de insolvência e a actuação dos governos. Para corolário da ideologia e da seriedade de toda esta gente, ainda um deputado do PSD sentiu necessidade de uma referência mais gráfica e sintética: «O Estado não é uma vaca leiteira para acorrer às empresas públicas.» É claro que não disse que essa «vaca leiteira» está destinada a servir ao grande capital privado, nacional e/ou estrangeiro, como sucedeu com a salvação da banca, com as privatizações, e continua a suceder hoje com benefícios fiscais, fundos comunitários ou rendas de PPP.
E sobre as mentiras do MEF à pergunta do PCP, o SETF responde que a participação do Estado na Assembleia Geral da Inapa decorre da lei e que «isso nunca poderia ser negado». Mas foi. Por escrito. Por um ministro de Estado.
O caso Inapa isoladamente considerado é grave, mas, para além da destruição de uma importante empresa, é um aviso e um ensaio (nos métodos, na forma, na argumentação e na ofensiva ideológica contra o Sector Empresarial do Estado) para quando se conhecerem as previsíveis conclusões do Grupo de Trabalho encarregado de propor novas «legitimadas» privatizações, anunciadas para 31 de Março.
Da nossa parte, não podemos esperar para intensificar a luta pela derrota deste Governo e da política de direita ao serviço do capital nacional e estrangeiro, corrupta, que no essencial é partilhada por PS, IL e Chega.