Passageiros não podem ser transportados como «sardinhas em lata»
As queixas dos utentes da Fertagus somam-se a cada dia que passa, com notícias de comboios de apenas quatro carruagens cheios de passageiros, muitos dos quais têm de ficar na estação, à espera de conseguir entrar no próximo. A razão: décadas de concessão a privados, desinvestimento e ataques a um direito essencial, o da mobilidade.
É imperativo aumentar a oferta de mais comboios e reverter a concessão privada à Fertagus
A Fertagus, empresa privada do grupo Barraqueiro, que viu o seu contrato de concessão renovado, pelo Governo do PS, no final de 2024, por mais seis anos, sem garantias de reforço da frota, sem o necessário alargamento da operação à gare do Oriente ou às praias do Sado, mas, por outro lado, com avultados apoios por parte do Estado (o dobro dos recursos que são pagos à CP, empresa pública).
Em Dezembro de 2024, apesar disso, fruto da luta dos utentes e da intervenção do PCP e das autarquias de gestão CDU na região de Setúbal, foi possível alcançar uma importante vitória: a administração da Fertagus anunciou o reforço na circulação de comboios de ou para Setúbal para uma frequência de 20 minutos às horas de ponta, o que facilitaria o direito de milhares pessoas à mobilidade.
No entanto, a conquista foi armadilhada e, para a concretizar, a empresa reduziu o tamanho das composições, não assegurando o indispensável aumento da oferta, particularmente à hora de ponta (de manhã para Lisboa e, ao fim do dia, para Setúbal).
Tal como denuncia o PCP num folheto que tem vindo a distribuir aos utentes nas estações, este processo mais não é do que uma «operação de cosmética», que se traduziu numa degradação do serviço e que, inclusive, levou a que trabalhadores de empresas de segurança tivessem de «empurrar os passageiros para dentro dos comboios», e a que as forças policiais tivessem de intervir, para acalmar os ânimos.
Na «lata de sardinhas»
No sentido de comprovar esta situação, o Avante! realizou, na quinta-feira, uma viagem num destes comboios, pelas 8h30.
Entrámos, primeiro, no Pragal, num comboio de composição dupla, com oito carruagens. Ainda assim, pudemos constatar que seria impossível sentarmo-nos: já todos os lugares estavam ocupados, e os corredores dos dois andares estavam já cheios de passageiros. Ficámos junto à porta, onde, também, já poucas oportunidades havia para nos movermos, e seguimos para Lisboa.
No entanto, uma dúvida subsistia: se num comboio duplo como este, que partia da estação de Coina (fazendo, portanto, apenas uma parte da linha Setúbal-Lisboa) já era difícil não irmos aos encontrões uns com os outros, como seria a situação num comboio de composição simples?
Verificámos, então, no site da Fertagus (que disponibiliza uma imagem designada «taxa de ocupação dos comboios»), que o comboio seguinte, vindo de Setúbal, era simples (de quatro carruagens), estando indicado com a cor vermelha, sinal de uma elevada taxa de ocupação. Saímos emCampolide, dispostos a arriscar a nossa sorte, e lá chegou o transporte, pelas 8h50.
A situação, constatámos, correspondia às denúncias dos utentes: com quatro carruagens, mais parecia que estávamos a entrar numa «lata de sardinhas», tamanha era a quantidade de pessoas, encavalitadas umas sobre as outras, por metro quadrado.
O ambiente geral era de tensão e desconforto, e fora uma ou outra conversa ao telemóvel (onde se podiam ouvir frases como «isto está apinhado de gente» ou «nem me consigo mexer»), todos pareciam mudos, abstraídos do que se passava ao seu redor, como que para não ter de lidar com a realidade.
Mas a realidade impunha-se, e se no comboio anterior havia o medo de, com um solavanco, cairmos em cima de outro passageiro que estivesse logo ao nosso lado, neste esse medo tinha passado: não havia sequer espaço para ceder ao movimento da carruagem.
Sorte a nossa, em Campolide saem alguns passageiros, senão poder-nos-ia ter acontecido o que certamente acontecera noutras estações: termos de esperar pelo próximo, na esperança de conseguirmos arranjar um lugar entre as demais «sardinhas em lata».
Na mente de quase todos os passageiros, certamente, terá surgido uma interrogação: será que isto tem de ser assim?
Há soluções!
A resposta é não, não tem de ser assim, e podemos, com as opções certas, ter um serviço realmente de qualidade.
A situação, tal como o PCP aponta no folheto, podia ser muito diferente, se os sucessivos governos não tivessem tomado a opção de favorecer o privado e de desinvestir na CP.
Nesse sentido, o Partido aponta alguns objectivos que passam, desde logo, por mais oferta, traduzida não só num investimento na compra de comboios (que não acontece desde o início da operação da Fertagus, em 1999), como, também, no aumento da sua frequência e no reforço do número de trabalhadores, garantindo-se direitos e condições laborais, além reversão, para o Estado, da concessão do transporte ferroviário entre Lisboa e Setúbal
Tal como afirmou Paula Santos, líder parlamentar do PCP, numa intervenção na Assembleia da República em Outubro de 2024, «são necessários mais comboios e mais trabalhadores», no sentido de «reforçar o transporte público ferroviário», essencial para «assegurar o direito à mobilidade das populações mas, também, para a protecção do ambiente».
Nessa ocasião, a deputada criticou, ainda, a decisão de extinção da linha do sul, que deixou «milhares de pessoas sem transporte público», e apontou que o Governo, com a renovação do contrato de concessão com a Fertagus, estava a insistir numa «política desastrosa».
Área Metropolitana do Porto
A situação de degradação não se confina apenas à região de Lisboa, observando-se, igualmente, graves problemas na Área Metropolitana do Porto (AMP).
Realidade essa que levou a, no dia 28, os comunistas realizaram uma jornada regional de contacto em defesa do transporte público (com mais de 30 acções por todo o distrito), exigindo uma melhor rede, com mais veículos, autocarros e carruagens, que garantam o transporte em condições de segurança e conforto.
A participar na jornada, Diana Ferreira, candidata à presidência do Município do Porto, afirmou que foi «por intervenção do PCP e da CDU que foi possível garantir um passe social com uma redução significativa do preço dos transportes na AMP», importante conquista «para fomentar o uso dos transportes públicos e, também, para salvaguardar o ambiente».
«No entanto, isso não é suficiente», esclareceu, sublinhando que «são necessários mais e melhores transportes públicos», com «horários adequados e a frequência necessária às necessidades dos utentes».
Travessia Setúbal-Tróia visa afastar as populações de Setúbal do acesso à práia
Os graves problemas sentidos nos transportes não se circunscrevem apenas ao serviço ferroviário, sendo comum noutros sectores.
É o caso da travessia fluvial Setúbal-Tróia, concessionado à Atlantic Ferries, na qual os preços dos bilhetes e passes voltaram a aumentar em Janeiro. Só o passe custa agora 100 euros, ao contrário do que o PCP defende, que é a sua integração no passe metropolitano.
«Nem o anterior governo, do PS, nem o actual, quiseram tomar medidas para resolver o problema do custo escandaloso destes títulos de transporte», denunciou, em nota de imprensa, o Partido, para quem continuam «a ser colocados obstáculos aos cidadãos que querem circular neste território em transportes públicos que funcionem com as mesmas regras que os restantes meios de transporte existentes no País».
Nesse sentido, Paula Santos esteve, na sexta-feira, em contacto com os utentes deste serviço, ouvindo as suas preocupações e denunciando este problema, que apenas contribui para os lucros da concessionária privada.