Assalto aos aeroportos e aos interesses nacionais
A proposta da Vinci para a construção do Novo Aeroporto de Lisboa constitui um novo assalto aos recursos nacionais, a somar ao que vem sendo feito nos últimos 13 anos, desde a privatização da ANA Aeroportos. Para o PCP, deve ser o País, e não uma multinacional francesa, a decidir, sem mais adiamentos, a forma como se concretizará a construção do novo aeroporto nos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete.
Lusa
As condições inscritas na proposta da Vinci para a construção do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), como sublinhou o Secretário-Geral do PCP no dia 28, são coerentes com o saque que a multinacional francesa vem fazendo desde há mais de uma década, quando lhe foi entregue a ANA Aeroportos pelo governo PSD/CDS, escudado pela troika. A auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à privatização da ANA confirma que a Vinci não só ultrapassou já em lucros os cerca de 1000 milhões de euros que investiu como se prepara para acumular, até final da concessão, mais 20 mil milhões.
No contrato de concessão, uma das principais obrigações inscritas prendia-se precisamente com a construção do novo aeroporto, que não só pouco ou nada avançou desde então como a Vinci pretende adiar ainda mais e em termos altamente prejudiciais ao País.
Ao final da tarde de terça-feira, 28, na sessão de apresentação do livro «Dossier Privatização da ANA: assalto aos aeroportos» (ver caixa), Paulo Raimundo acusou o Governo de mentir quando afirma que a construção do novo aeroporto «não terá custos para os contribuintes». Esta é, garantiu, uma afirmação «falsa, mentirosa, que só é possível porque este Governo governa para servir as multinacionais. Não governa para servir o País».
Depois do assalto que representou a privatização da ANA», o Secretário-Geral do Partido alertou para um novo assalto, que está neste momento em curso, agora a pretexto da construção de um novo aeroporto, «que há muito deveria estar concluído». Os recursos para suportar a ampliação e modernização dos aeroportos nacionais, defendeu, estão na ANA privatizada, tal como antes estavam na ANA pública.
Proposta inaceitável
Já antes, no dia 23, Vasco Cardoso, da Comissão Política, considerara inaceitável a proposta da Vinci para a construção do Novo Aeroporto de Lisboa, que o Governo PSD/CDS «se predispôs a acolher». Deve ser o País, «e não uma multinacional francesa, a decidir, sem mais adiamentos», a forma como se concretizará a construção do NAL no Campo de Tiro de Alcochete, acrescentou.
A construção do aeroporto, reafirmou o dirigente comunista (dando expressão a uma reivindicação há muito colocada pelo PCP), deve ser «integralmente assegurada com os lucros da ANA». E mais: sem alargamento do contrato de concessão até ao final do século; sem o agravamento das taxas aeroportuárias; sem o interminável prolongamento da Portela ou indemnizações pelas obras em curso; sem manobras dilatórias que arrastem este investimento por mais 12, 15 ou 20 anos; sem o prolongamento das concessões das pontes sobre o Tejo; sem a privatização da TAP, que o Governo também quer concretizar.
Privatização apenas serviu privados
O caso da ANA Aeroportos é paradigmático do que foi o processo de privatizações em Portugal: assalto aos recursos públicos e a sua saída para o capital estrangeiro; sucessivos atrasos e condicionamento do investimento público; comprometimento de opções estratégicas; promiscuidade entre o poder político e o poder económico e a corrupção a ela inerente. Para o PCP, salientou Vasco Cardoso, «a recuperação do controlo público dos aeroportos nacionais constitui uma exigência que mais cedo do que tarde precisa de ser concretizada». O País, garante, «não está nem pode estar perante factos consumados».
A proposta da Vinci
• atira para 2037 a construção do Novo Aeroporto de Lisboa, uma infraestrutura estratégica que há muito deveria estar concluída
• alarga e intensifica a operação no Aeroporto da Portela sem um verdadeiro compromisso para o seu desmantelamento célere, quando o que se exige é retirar o aeroporto de dentro da cidade de Lisboa
• sobrestima os custos de construção do novo aeroporto em 8,5 mil milhões de euros, ao mesmo tempo que transfere para o Estado a responsabilidade de construção de todos os acessos, incluindo o da Terceira Travessia sobre o Tejo, podendo ser indemnizada pelo Estado caso os prazos não sejam cumpridos
• propõe aumentar de forma gigantesca as taxas aeroportuárias em Lisboa, num valor de 10% ao ano acima do Índice de Preços ao Consumidor (indicador da inflação), até atingir os 23,7 euros por passageiros (quase o dobro do que é actualmente), tal como aumentar as taxas dos restantes aeroportos 1% acima do IPC todos os anos, a partir de 2026;
• pretende prolongar por mais 30 anos a concessão dos aeroportos nacionais (até 2092!), ficando o Estado impossibilitado de reverter a concessão até 2067 (o limite actual é 2037)
• garante para si, a valores de 2024, mais 12 mil e 500 milhões de euros de lucros
(neste percurso, colocar-se-á ainda a renegociação das actuais concessões das pontes 25 de Abril e Vasco de Gama, em vigor até 2030, entregues à Lusoponte e da qual a Vinci é accionista de referência)
As necessidades do País
«Nada, a não ser os interesses da Vinci, impedem que se concretize o que o País precisa», afirmou Vasco Cardoso referindo em seguida aquelas que são, nesta área, as mais urgentes necessidades:
• avançar para a construção faseada do Novo Aeroporto de Lisboa, cuja primeira fase pode estar concluída em seis anos
• retirar o aeroporto de dentro da cidade de Lisboa
• avançar com a construção da Terceira Travessia sobre o Tejo, em modo rodo-ferroviário, em articulação com a Linha de Alta Velocidade Ferroviária (na ligação Lisboa-Porto).
• valorizar o conjunto dos aeroportos nacionais, incluindo o de Beja
• uma TAP pública, uma companhia aérea de bandeira, como parte integrante de um projecto de desenvolvimento nacional
Crimes que dão livros
O livro «Dossier Privatização da ANA: Assalto aos Aeroportos», das Edições Avante!, foi apresentado anteontem, em Lisboa, em que interveio o Secretário-Geral do PCP. E foi precisamente Paulo Raimundo quem reafirmou que a privatização da ANA «foi um crime económico, um assalto aos recursos públicos, um crime que continua». Esta privatização, acrescentou, colocou o Estado, «por sua responsabilidade e cumplicidade, refém» da Vinci – e este é o «crime original».
Há 12 anos, lembrou o dirigente comunista, «venderam a ANA por 1,1 mil milhões e mentiram ao povo falando em 3 mil milhões» e hoje «continuam a mentir, dizendo-nos que entregar a concessão mais 30 anos não tem custos para os contribuintes, quando estamos perante a transferência de uma verba entre 12,5 e 20 mil milhões para a multinacional, em cima dos lucros gigantes que esta já retira».
Quando o PCP propôs que a Assembleia da República criasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito ao «crime económico da privatização da ANA», a proposta foi chumbada por PS e PSD, recordou Paulo Raimundo, considerando que «chumbaram a comissão, mas não chumbaram os factos, não chumbaram as mentiras e os objectivos que estão por detrás desta operação. O Estado perde 20 mil milhões de euros, mas há quem ganhe esses 20 mil milhões».
Intervindo na sessão, Vasco Cardoso, da Comissão Política, referiu que muito embora a privatização da ANA tenha sido concretizada durante o período do Pacto de Agressão das troicas, por um governo PSD/CDS, esse objectivo estava inscrito desde 1998 por um governo do PS, «que não só convive bem, como tem sido um dos padrinhos da política de privatizações».
Relativamente ao livro, reúne factos e teses sobre a ANA, a gestora dos Aeroportos Nacionais, «sobre a sua privatização e as amplas consequências que ela gerou na economia e em decisões urgentes de política pública, nomeadamente sobre a construção do Novo Aeroporto Internacional de Lisboa», acrescentou. Os factos que apresenta, garantiu Vasco Cardoso, «são todos auditáveis e os leitores são convidados a irem às fontes mencionadas de cada vez que um número lhe parecer estranho, exagerado, falso».
A sessão foi dirigida por Bruno Dias, do Comité Central, que na apresentação do livro sublinhou o papel de Manuel Gouveia na sua elaboração.
Na nota introdutória da obra, significativamente intitulada «Porquê este livro?», afirma-se que informar, «simplesmente informar, é cada vez mais uma fundamental forma de propaganda revolucionária».