Sector automóvel em Portugal

Defender os interesses nacionais e os trabalhadores

O PCP promoveu, no dia 17, na Assembleia da República, a audição pública «Sector Automóvel: defender os interesses do País e dos trabalhadores num sector em mudança», na qual participou o Secretário-Geral do Partido.

Sector representa 100 mil trabalhadores, milhares de empresas e 5% do PIB

Lusa

Paulo Raimundo começou por afirmar que, quando o PCP decidiu realizar aquela audição, já conhecia as muitas dificuldades e problemas por que passa o sector automóvel em Portugal, tanto do ponto de vista económico e social, como do ponto de vista dos impactos na vida dos trabalhadores.

«Mas a audição não só confirmou essas ideias que tínhamos, como acrescentou um conjunto de outros elementos, dificuldades e problemas concretos», assinalou, destacando que «o nosso País, com a experiência adquirida e com a qualidade desta força extraordinária dos trabalhadores, altamente qualificados, nas grandes empresas, não pode prescindir de uma abordagem soberana» em relação ao sector.

Em resposta aos diversos problemas levantados nas intervenções, sublinhou que «é preciso a definição de uma estratégia nacional clara, integrando todas as áreas e sub-sectores do ecossistema automóvel em Portugal», que representa, hoje, 100 mil trabalhadores, cinco por cento do PIB e milhares de empresas.

Mas, referiu, para dar resposta efectiva ao peso do sector na economia, é preciso que o Estado assuma uma real função estratégica: é necessário «planear no presente para construir o futuro».

Paulo Raimundo frisou ainda que, ao contrário do que alguns apregoam, o sector automóvel é altamente rentável, não havendo um problema de falta de produção, ou de rentabilidade.

Há problemas, sim, em matéria de direitos laborais (com baixos salários, trabalho por turnos, laboração contínua, doenças profissionais e precariedade), fruto não de um problema de produção, mas de uma «visão curta, pequena, de quem quer rentabilizar ao máximo no mais curto tempo possível».

«Não é disto que o País precisa», declarou.

Imposições da UE e do capital
O dirigente considerou, igualmente, que existem problemas na forma como os sucessivos Governos se têm submetido aos ditames da UE e aos interesses das multinacionais, não fazendo valer os interesses nacionais.

E mencionou o exemplo da transição energética, que deveria ser adaptada à realidade específica do País, e não imposta por directrizes esboçadas por «alguém confortavelmente sentado no seu gabinete», através de «grelhas de Excel ou de bonitos PowerPoints».

«Não é assim que a vida é. A vida é feita de questões concretas, realidades, vivências, culturas, e se não se tiver isto em conta, não se está a ter em conta a realidade nacional», afirmou.

Reduzir custos para as MPME
«Muito poderá ser feito na resposta aos problemas da competitividade da indústria portuguesa, com medidas especialmente dirigidas à melhoria das condições de acesso a custos e factores de produção na indústria do automóvel», sublinhou, lembrando que estas são exigências que o PCP tem afirmado.

«Medidas no que diz respeito à energia, às telecomunicações, ao crédito ou aos serviços bancários», de que não é alheia, reforçou, a importância das empresas públicas estratégicas.

Conhecer para intervir
Paula Santos, líder parlamentar do PCP, que apresentou a sessão, assinalou que a iniciativa teve por objectivo o «aprofundamento da discussão sobre o sector automóvel» e a sua «realidade concreta». Nesse sentido, convidaram-se representantes dos trabalhadores, associações empresariais e especialistas na área.

Na intervenção de abertura, António Filipe, deputado comunista, afirmou o que considera serem os três pontos essenciais da discussão: a importância do sector automóvel para a economia nacional, bem como a sua presença em vários outros sectores; as imposições da UE, com a política de confrontação e guerra comercial com a China e o processo de transição energética comandado pelo capital; e a suposta situação de crise do sector, utilizada para pressionar os direitos dos trabalhadores.

A mesa da audição, além do Secretário-Geral e dos deputados comunistas, contou com Vasco Cardoso, da Comissão Política.

É preciso ouvir
Rogério Silva
, da CGTP-IN, criticou a transição para os veículos eléctricos, «processo questionável» e com «mau planeamento» em áreas como as infra-estruturas de carregamento e os custos na mudança das plataformas de construção de automóveis, a que se soma, referiu, a necessidade de as empresas investirem no nivelamento por cima das condições de trabalho (coisa que, hoje, não estão a fazer).

Rodrigo Ferreira, da ARAN, considerou que o sector que a sua associação representa – comércio e reparação de automóveis – só pode estar bem quando a própria indústria automóvel estiver bem, o que, afirmou, não é possível com a imposição da tecnologia eléctrica. «Os carros eléctricos, hoje, representam dois por cento dos carros a circular em Portugal», lembrou.

Manuel Bravo, da FIEQUIMETAL, por sua vez, valorizando a contratação colectiva como essencial, denunciou que as patronais deixaram caducar, em 2015, o CCT, apresentando, posteriormente, uma proposta lesiva dos direitos dos trabalhadores, que previa a aplicação de medidas como aumentos de horários, eliminação de categorias profissionais ou pagamentos menores por trabalho extraordinário.

O debate contou, igualmente, com a intervenção de vozes especializadas na análise do sector. José Nunes Maia lembrou a história da siderurgia – ramo onde o País entrou tarde, e saiu demasiado cedo – para alertar que o sector automóvel não pode ter o mesmo caminho nem estar totalmente dependente de terceiros, e deu como exemplo a Autoeuropa, que não satisfez todas as necessidades do País devido às opções da UE. «Os operários e técnicos portugueses merecem melhor sorte», disse.

Jorge Figueiredo posicionou-se como bastante crítico da imposição dos carros eléctricos, afirmando que «não há, nem pode haver, nenhuma solução geral para os transportes que seja eléctrica», recordando que, na Europa, só a Noruega (um país mais rico) e Portugal (com dificuldades) enveredaram por essa solução, e considerou que se deve romper com o caminho das imposições da UE.

Na audição, intervieram, também representantes de três comissões de trabalhadores (CT), com contributos específicos referentes às respectivas fábricas. Maurício Amaral, da CT da Stellantis Mangualde, denunciou problemas como o constante recurso ao lay-off associado à incapacidade de dar resposta à electrificação imposta pela UE, ou os muitos casos de baixas por doença profissional, relacionados com o envelhecimento de um sector com a idade de reforma demasiado elevada. «Temos receio destes próximos anos», afirmou.

Por seu lado, Ricardo Correia, da CT da Autoeuropa, recordou que paira sobre os trabalhadores da fábrica a ameaça, pela Volkswagen, de despedimento de mais de 30000 trabalhadores (em toda a multinacional) até 2030. Quanto à Autoeuropa em si, que produz o carro T-Roc, afirmou que, havendo a obrigação de se transitar, já em 2025, para um modelo híbrido, existem, igualmente, incertezas quanto ao futuro deste produto.

José Alves, da CT da Horse Aveiro (ex-Renault), concordou com a análise de que este é um sector onde os ritmos de trabalho são bastante elevados, com turnos de 24 por 24 horas, 7 dias por semana, prevendo que, na fábrica onde trabalha, este ritmo irá continuar alto, com a mudança para a produção de carros híbridos e eléctricos (que, avaliou, não vai correr bem).

A discussão contou, ainda, com representantes do SITE Sul. Esmeralda Marques destacou que se está a utilizar a crise como justificação para o encerramento de empresas, sendo este o caso da Vamp e da Tenneco, no Parque Industrial de Palmela, onde se contornou o mecanismo legal da transmissão de estabelecimentos (levando os trabalhadores a perder todas as regalias que já haviam ganho anteriormente).

Por sua vez, Nuno Santos criticou a classificação da situação actual do sector como «de crise», fazendo questão de lembrar os gigantescos lucros de algumas das principais empresas do ramo automóvel nos últimos anos: 7590 milhões na Volkswagen (2024); 18625 milhões na Stellantis (2023); e 11700 milhões na Renault (só no primeiro semestre de 2024).

Joaquim Matos contribuiu para a discussão apresentando a situação da fábrica da multinacional Gestamp em Vendas Novas, onde, alertou, possivelmente, irão despedir pessoas. O dirigente sindical denunciou, ainda, situações recorrentes como o trabalho por turnos e os ritmos de trabalho elevados, comuns a todo o sector.

Por fim, também João Pimenta Lopes, do CC, referiu que a retórica da «dita crise» do sector automóvel mais não é do que uma retórica alimentada pelas multinacionais, que continuam a somar lucros, mesmo com a «argumentação da ameaça concorrencial da China». O ex-deputado no PE defendeu a afirmação da soberania nacional face à suposta «soberania europeia», alertando para a possibilidade de virem a ser os trabalhadores a pagar esta alegada «crise».