Despesas essenciais e rendimento das famílias: efeitos assimétricos da inflacção
São as famílias trabalhadoras quem gasta uma maior fatia dos seus rendimentos com bens e serviços essenciais
As famílias portuguesas viram nos últimos anos, em especial a partir de 2022, subir muito consideravelmente as suas despesas mensais com a aquisição dos bens e serviços (alimentação, vestuário e calçado, habitação, saúde, transportes, comunicações, lazer, ensino, restaurantes e bens e serviços diversos), que compõem os orçamentos familiares, em especial as despesas com bens alimentares, energia e habitação, sem que os salários e pensões tenham sido devidamente actualizados.
Essas subidas são bem visíveis na análise desagregada do Índice de Preços no Consumidor (IPC), divulgado mensalmente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a partir do qual se calcula a evolução da inflação, e nas despesas com os empréstimos à aquisição de habitação própria permanente, não incluídas no cálculo do IPC, mas que pesam nos orçamentos de muitas famílias e que tiveram uma subida muito acentuada desde o início de 2022.
Se, em relação a 2021, o nível médio dos preços dos bens e serviços incluídos no IPC e, a partir do qual se calcula a chamada inflação, está hoje cerca de 16,0% mais elevado – cresceu tanto nos últimos três anos como nos 14 anteriores –, as despesas das famílias com produtos alimentares e com habitação, electricidade, água, gás e outros combustíveis subiram ainda muito mais, 27% e 17,7%, e a prestação média mensal com empréstimos à habitação subiu em relação a Janeiro de 2022 cerca de 60%.
Acresce a tudo isto que a estrutura do IPC, a partir da qual se calcula a inflacção é a estrutura média das despesas das famílias, que como o quadro mostra varia consideravelmente consoante o quintil em que se encontram as famílias.
As famílias do 1.º quintil incluem as famílias mais pobres e são constituídas pelos indivíduos que estão entre os 20% mais pobres, enquanto os 20% das famílias mais ricas integram o 5.º quintil. Ora, o que se verifica é que são as famílias de mais baixos rendimentos as que gastam uma proporção maior das suas despesas com alimentação, habitação, electricidade, água, gás e outros combustíveis, e saúde – as que mais subiram nos últimos anos e, como tal, a inflação por elas suportada foi certamente bem superior à chamada “inflação média” divulgada pelo INE.
Com o preço do pão e dos cereais a aumentarem nos últimos três anos 28%, da carne 27%, do leite, queijo e ovos 30%, dos produtos hortícolas 36%, da fruta 22%, dos óleos e gorduras 47%, do peixe 19% e com o peso que estes bens têm no cabaz de compras das famílias de mais baixos rendimentos, facilmente percebemos quão difícil se tornou a vida de milhares e milhares de famílias com mais baixos rendimentos mensais.
Indiferente a tudo isto, e apesar dos lucros fabulosos que os grandes grupos económicos e financeiros vão acumulando, com o início do novo ano novas subidas de preços para muitos produtos e serviços começam a ser anunciadas, com a mesma justificação de sempre – o aumento dos custos de produção e o aumento do salário mínimo nacional.
Do pão ao leite, ao café (+10 a 30 cêntimos), aos ovos, (entre 5 a 10%) à carne (entre 5 a 10%), às portagens (52 portagens +2,21%), às rendas (+2,16%), ao gás natural (+6,9%), ao tabaco e bebidas (+4%), aos transportes públicos (+2,02%), às comissões bancárias, às telecomunicações e muitos outros bens e serviços, sucedem-se os anúncios de subidas de preços
Aumentar os salários e pensões bem acima da inflação, controlar os preços dos principais bens e serviços integrantes do cabaz de compras das famílias trabalhadoras, valorizar as carreiras e profissões e dignificar o trabalho, regulando e reduzindo horários, erradicando a precariedade e promovendo o pleno emprego, são factores essenciais para melhorar as condições de vida do nosso povo e desenvolver o País.
Esse deveria ser o sentido das medidas de política anunciadas com o início do novo ano, mas como, repetidamente vimos denunciando, esse não é o caminho que o Governo de direita PSD/CDS está a trilhar.