Ilda Figueiredo, presidente da direcção nacional do CPPC

«É fundamental a participação de todos os que defendem a paz na manifestação de dia 18, em Lisboa»

Está convocada para 18 de Janeiro, em Lisboa, a manifestação nacional «É urgente pôr fim à guerra! Todos juntos pela Paz», promovida por várias organizações, entre as quais o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC). Sobre os seus objectivos e pertinência falou ao Avante! Ilda Figueiredo, presidente da direcção do CPPC, para quem a luta pela paz e o desarmamento é do interesse de todos os povos, desde logo do povo português.

«Há hoje uma maior consciência dos graves perigos que ameaçam a Humanidade»


Quais são os objectivos da manifestação nacional de dia 18 de Janeiro?
Tornar claro, aumentar a consciência e afirmar bem alto que é urgente defender a paz e parar a guerra. Esta é a única forma de salvaguardar o presente e o futuro da Humanidade, dados os preocupantes desenvolvimentos no plano internacional, com a persistência no recurso aos conflitos armados, a realidade dramática com que estão confrontadas milhões de pessoas vítimas da guerra, o risco de um conflito de grandes e trágicas proporções.

É essencial pôr fim imediato ao genocídio do povo palestiniano e à escalada de guerra no Médio Oriente levada a cabo por Israel, garantir a concretização dos direitos nacionais do povo palestiniano e a paz no Líbano, na Síria, no Iémen e em toda a região. Como é essencial pôr fim a outros conflitos, como no Sara Ocidental, no Sudão ou na Ucrânia, e às trágicas consequências e sérios perigos que estes comportam.

Em Portugal estamos, aparentemente, longe da realidade da guerra. Que importância tem a luta pela paz, o desarmamento, a solidariedade?
A apologia da guerra, as guerras que o imperialismo leva a cabo, têm sempre consequências desastrosas para os povos. Em primeiro lugar para os povos que são directamente atingidos, mas também para todos os outros, pelas repercussões económicas que esses conflitos têm, pela política de sanções que as agrava, nomeadamente com o aumento dos preços de serviços e bens essenciais e os acrescidos pretextos para conter e impedir aumentos de salários e reformas. Tudo isto ao mesmo tempo que aumentam os ganhos e os lucros das multinacionais, incluindo do armamento.

Por isso, impõe-se o desenvolvimento da cultura da paz, da solidariedade, do desarmamento, como o CPPC tem promovido em cooperação com diversas organizações, apelando sempre a uma maior convergência na defesa da paz. Durante o último ano, dezenas de milhares de pessoas participaram em mais de 100 iniciativas de rua de solidariedade com os povos e contra a guerra, em 10 Concertos pela Paz, em muitas dezenas de acções de educação para a paz junto de escolas. É um caminho que vai prosseguir já no próximo dia 18, em Lisboa, com a manifestação «É urgente pôr fim à guerra! Todos juntos pela Paz!».

No apelo à manifestação refere-se a «necessidade» e a «emergência» de pôr fim à confrontação e à corrida aos armamentos, «fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance para que se abram caminhos para a paz, o diálogo, a solução política dos conflitos». Este é mesmo um caminho possível?
Não é só um caminho possível, é o caminho indispensável para pôr fim à política de confrontação e de corrida aos armamentos, incluindo nucleares, que pode pôr em causa o futuro da Humanidade.Como em muitos outros países, o movimento da paz também defende que é urgente pôr fim à escalada militarista e ao aumento das despesas militares, promover o desarmamento geral, simultâneo e controlado, desde logo a abolição das armas nucleares e de outras armas de destruição massiva.Como é urgente defender os princípios da Carta das Nações Unidas e da Acta Final de Helsínquia e, também em Portugal, da Constituição da República Portuguesa, que no seu artigo 7.º acolhe esses princípios e caminho de paz que afirmamos e que enunciaste.

Do apelo sobressai uma certa urgência. Fala-se do risco de um “conflito de grandes e trágicas proporções” e da necessidade de “salvaguardar o presente e o futuro da Humanidade”. Pensas que a percepção destes riscos é já generalizada ou há ainda muito para fazer relativamente a isso?
Diversas organizações e personalidades no plano internacional têm alertado para esse risco. A impunidade com que certos governantes actuam ao arrepio do direito internacional é um perigo que deve ser levado a sério. Recorde-se a invasão e ocupação do Iraque, um dos momentos mais graves dessa intervenção à margem dos princípios da Carta da ONU, justificada na base de uma mentira sobre armas de destruição massiva, que se provou não existirem. Desde então, muitas pessoas ficaram mais atentas ao que se passa e aos pretextos que se apresentam para a guerra, como acontece presentemente com Israel, que continua a bombardear não só territórios da Palestina, como diversos países do Médio Oriente, pondo em causa direitos dos povos, desde logo do povo palestiniano. Recorde-se que Israel é um país que detém armas nucleares.

Precisamos de, com o envolvimento de cada vez mais pessoas e organizações, continuar a alertar para estes perigos e denunciar as suas trágicas consequências. É o que estamos a fazer também no âmbito da preparação do IV Encontro pela Paz, a realizar a 31 de Maio, no Seixal, onde esperamos que possam participar mais de 100 organizações e muitas centenas de pessoas, a exemplo do que aconteceu no III Encontro pela Paz, em 2023, em Vila Nova de Gaia, que contou com cerca de 800 participantes.

 

O movimento da paz está a crescer

Os bloqueios e as sanções, a sua ilegalidade e os brutais impactos que têm nos povos dos países afectados, são realidades muito ocultadas, no entanto a manifestação dar-lhes-à também visibilidade. Que importância tem isso?
Um dos bloqueios mais antigos, com mais de 60 anos, é o bloqueio económico, comercial e financeiro dos EUA a Cuba, a que acrescem mais medidas coercitivas adoptadas durante a administração Trump, desde logo a sua inclusão na arbitrária e ilegítima lista norte-americana de ditos «Estados patrocinadores do terrorismo», que a Administração Biden manteve. Os EUA procuram, assim, privar o povo cubano de alimentos, medicamentos, combustíveis, matérias-primas, entre outros bens de primeira necessidade.

Mas também são impostos bloqueios a outros países, como à Venezuela ou à Síria, com impactos muito negativos para os seus povos. Nalguns casos, como com as sanções à Rússia, também com consequências claramente negativas para os povos de outros países, como é evidente na União Europeia, que está a pagar mais caros os recursos energéticos que necessita.

O Secretário-Geral da NATO defendeu há dias o desvio de verbas da Saúde e da Segurança Social para o armamento e a guerra. A manifestação será também uma resposta a isto?
Claro! Com o argumento de que é preciso aumentar as despesas militares, tal servirá de pretexto para conter os salários, as pensões, as despesas sociais ou no investimento público, nomeadamente nos serviços públicos como a saúde ou a segurança social. A tendência seguidista do Governo português será para aplicar essas orientações. O Apelo da manifestação nacional toma posição contra esta deriva militarista.

E que papel tem a União Europeia em tudo isto?
A União Europeia (UE) funciona como o pilar europeu da NATO. Os responsáveis da UE têm tido uma posição seguidista da política dos EUA e da NATO, pelo que, em geral, advogam o aumento das despesas militares e a continuação da confrontação e da guerra, como se vê na Ucrânia, mas também na Palestina e no Médio Oriente.

A lista das organizações promotoras da manifestação tem vindo a aumentar. A que se deve isto?
Creio que há hoje uma maior consciência dos graves perigos que ameaçam a Humanidade e uma sensibilidade crescente contra os horrores do genocídio que Israel – com apoio dos EUA – continua a promover na Palestina, assim como da guerra que alastra a outros países no Médio Oriente. Por outro lado, há também uma crescente consciência de que não é através da guerra e da escalada armamentista que se solucionará o conflito que se trava na Ucrânia entre os EUA, a NATO, a UE e a Rússia, pelo contrário, são cada vez mais aqueles que tomam o partido da paz, da solução política deste conflito, que poderia ter sido evitado, e da necessidade de um sistema de segurança colectiva.

Estou convicta de que está a crescer o movimento da paz em Portugal, com uma maior percepção de que – como costumamos dizer – «pela paz, todos não somos de mais». Como se afirma no Apelo, «apelamos a todos e a todas que querem a Paz, de todas as idades, que se unam nesta grande manifestação e afirmem que é premente pôr fim imediato à guerra para defender o presente e o futuro da Humanidade».

Por isso, é fundamental a participação de todos os que defendem a paz na manifestação de dia 18, em Lisboa.

 

Portugal deve promover a paz e o desarmamento

As organizações promotoras da manifestação reclamam o cumprimento dos princípios inscritos na Constituição da República Portuguesa. Há aqui uma crítica de que estes não têm sido cumpridos?

É verdade que o Governo português não cumpre o artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa, onde se afirma que Portugal nas suas relações internacionais deve promover a resolução política dos conflitos, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, o direito à autodeterminação dos povos, a não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados ou a dissolução dos blocos político-militares.

O Governo português, à semelhança do anterior, continua sem reconhecer o Estado da Palestina, remetendo para uma posição conjunta da União Europeia, que nunca chegou. Portugal pode avançar sozinho para este reconhecimento?

Sim, Portugal pode e deve fazê-lo, a exemplo do que já fizeram 10 países na União Europeia e 146 países no mundo, ou seja, 75% dos Estados membro da ONU. Apenas o veto de EUA, sempre em defesa da política colonialista de Israel, impede que a Palestina integre de pleno direito as Nações Unidas. É uma vergonha que Portugal se mantenha nesta posição.

O CPPC insiste desde há muito para que Portugal adira ao Tratado de Proibição das Armas Nucleares (tem até uma petição a circular, com essa reivindicação). A adesão de Portugal faria alguma diferença?

É bom recordar que foi já em 7 de Julho de 2017 que o Tratado de Proibição de Armas Nucleares foi aprovado por 122 países numa conferência realizada no âmbito da ONU. Para entrar em vigor era necessário que 50 países não só o assinassem, como o ratificassem, o que já aconteceu em 2021. Diversos países continuam a assinar o tratado, mas não Portugal ou outros países membro da NATO, apesar da Constituição defender o desarmamento. Por isso, o CPPC lançou mais uma petição com esse objectivo, que também pode ser assinado pela Internet, como aliás o Apelo para a manifestação do dia 18.

 



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