Uma miserável operação foi lançada transformando os imigrantes em causadores dos males que afectam o SNS. Juntos, PSD/CDS e Chega surgiram com propostas diversas para pôr termo a esses desmandos. A operação reaccionária tendo os imigrantes como alvo usou, desta feita, a saúde.
Mas os factos desmentem todo o amplificado ruído posto em marcha. Ora, de acordo com os n.º 1 e 2 da Base 21 da Lei de Bases da Saúde (LBS) e com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de Agosto, são beneficiários do Serviço Nacional de Saúde (SNS) todos os cidadãos portugueses, bem como todos os cidadãos com residência permanente ou em situação de estada ou residência temporárias em Portugal, que sejam nacionais de Estados-Membros da União Europeia ou equiparados, nacionais de países terceiros ou apátridas, requerentes de protecção internacional e migrantes, com ou sem a respectiva situação legalizada, nos termos do regime jurídico aplicável.
Os cidadãos estrangeiros que possuam uma autorização de permanência ou residência válida (temporária ou permanente) em território nacional são registados no Registo Nacional de Utentes (RNU) na tipologia de “registo activo”, sendo-lhes atribuído um número nacional de utente. Uma vez obtido este número, a responsabilidade financeira é previsivelmente assumida pelo SNS, independentemente de benefício por qualquer subsistema público. Estes cidadãos estão, desta forma, sujeitos aos mesmos princípios e normas em matéria de pagamento e de isenção de taxas moderadoras que os cidadãos nacionais.
Contudo, os imigrantes que não sejam titulares de uma autorização de permanência ou de residência ou que se encontrem em situação irregular face à legislação da imigração em vigor, podem ter acesso ao SNS mediante a apresentação de um documento da Junta de Freguesia da sua área de residência que certifique que se encontram a residir em Portugal há mais de 90 dias. Estes cidadãos são registados no RNU na tipologia de “registo transitório”, sendo-lhes exigido o pagamento dos cuidados recebidos segundo as tabelas em vigor.
Noticiários vários deram para o peditório populista e reaccionário, dando conta de estatísticas de nascimentos de mães estrangeiras nos últimos cinco anos nalguns hospitais e embrulhando tempos de espera com a temática do acesso de imigrantes à saúde. O que não disseram foi qual a situação dessas mães. Estão em situação ilegal? Encontram-se assim porque estão à espera, como muitos outros milhares, que os serviços públicos despachem os seus processos? Trabalham e fazem os seus descontos como qualquer cidadão? Qual é o problema? Eram estrangeiros em férias e recorreram aos serviços de saúde? Então se um português estiver de férias algures no mundo deve ver vedado o seu acesso a cuidados de saúde?
O que o Relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde nos diz, aspecto que a cobertura noticiosa não transmite, é que cuidados prestados a estrangeiros não abrangidos por seguros, convenções internacionais, acordos de cooperação ou Cartão Europeu de Seguro de Doença se cifraram em 2023 nos 43 mil. Ou seja, dos 100 mil estrangeiros que recorreram a serviços de urgência, só 43 mil estavam à margem desse tipo de suportes no acesso à saúde.
Claro está que destes 43 mil pode haver ainda muitos que não tendo esses suportes, não significa que tenham acedido na lógica de esquemas, como foi posto a rolar. Há muitos portugueses que vão de férias e não têm seguros de saúde ou cartão europeu, e isso não significa que tendo de recorrer a serviços de saúde nalgum país o façam por malandrice. Ora, 43 mil significam 0,7% do número global de seis milhões de episódios de urgência. Este é o facto conhecido.