A República Árabe Síria, com o seu carácter secular e multiétnico, tem constituído um esteio na resistência à ingerência e às agressões dos EUA e seus aliados, nomeadamente de Israel, e na solidariedade com a luta do povo palestiniano em prol da sua causa nacional.
Na sequência do fracasso da “revolução colorida” engendrada e promovida pelos EUA em 2011, a Síria foi atacada por grupos terroristas, como a Al-Qaeda ou o Estado Islâmico, com mal disfarçadas ligações aos EUA e a outras potências da NATO (com destaque para a Turquia), bem como a Israel e a vários Estados do Golfo. Foi também bombardeada sistematicamente por Israel, que desde 1967 ocupa ilegalmente os Montes Golã.
Ao longo deste período, a República Árabe Síria viu também serem ocupadas vastas áreas do seu território – uma vez mais por EUA e Turquia – e saqueados os seus recursos petrolíferos, como chegou a ser claramente assumido por Donald Trump no seu primeiro mandato presidencial. O desumano regime de sanções económicas a que foi sujeita impediu a reconstrução e recuperação de infra-estruturas essenciais e conduziu a uma ainda maior degradação das condições de vida das populações.
Contexto adverso
A actual situação na Síria tem as suas raízes em décadas de ingerência, guerra e ocupação levadas a cabo pelo imperialismo no Médio Oriente – na Palestina, no Líbano, no Iraque, no Iémen, na própria Síria – com um impressionante rasto de morte, sofrimento e destruição. Mais recentemente, verificou-se uma escalada de guerra na região, promovida por Israel com o apoio e protecção dos EUA e de outras potências da NATO e da União Europeia, com o genocídio do povo palestiniano na Faixa de Gaza, o agravamento da ocupação da Cisjordânia, a invasão do Líbano e os ataques ao Irão, ao Iémen e à própria Síria.
Foi neste contexto que, a 27 de Novembro, foi desencadeada uma ofensiva por parte de grupos armados, que acabou por tomar o controlo de importantes cidades, como Alepo, Hama e Homs, e que no domingo entrou na capital, Damasco. A ofensiva foi liderada pela organização Hayat Tahrir al Sham (HTS), herdeira da Frente al-Nusra, com ligações à Al Qaeda. O seu líder, Abu Mohamed al-Julani, integrou a Al Qaeda no Iraque, onde foi preso pelas tropas norte-americanas. Do cárcere saiu, em 2011, directamente para a Síria, à frente das forças da al-Nusra. Hoje, a comunicação social dominante esforça-se por mostrar um “rebelde”, “moderado” e “aberto”, procurando apagar a sua verdadeira face.
Boa parte do território sírio fica agora sob o controlo de bandos fundamentalistas, directamente ligados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico, que figuram na lista de organizações terroristas da ONU e de diversos países, incluindo os próprios EUA.
Armados, financiados e treinados pelas potências imperialistas e seus aliados na região – incluindo a Turquia e Israel –, estes grupos têm atrás de si um longo historial de crimes. Entre as suas vítimas contam-se as seculares comunidades cristãs da Síria, cuja defesa foi até aqui assegurada pela República Árabe Síria e os seus aliados, nomeadamente o Hezbolá.
Preocupações e saídas
Só pode ser motivo de preocupação o carácter profundamente reaccionário e obscurantista das forças envolvidas na tomada do poder na República Árabe Síria, assim como os objectivos expansionistas de Israel e da Turquia. E basta recordar o que sucedeu na Líbia e no Iraque para entender os propósitos do imperialismo para o país: o caos, a fragmentação e sua destruição enquanto Estado secular. Este era um objectivo há muito perseguido pelos EUA e Israel.
O súbito agravamento da situação na Síria dá razão acrescida ao que há muito o PCP vem defendendo: a defesa da soberania e integridade territorial da Síria e a necessidade e urgência de uma solução política que permita ao povo sírio, no respeito pela diversidade da sua composição étnica e religiosa e dos seus direitos, decidir, sem pressões e ingerências externas, o seu próprio caminho. Face ao perigoso agravamento da situação no Médio Oriente, assume igualmente grande importância a defesa de uma paz justa e duradoura na região, desde logo com o fim do genocídio do povo palestiniano e o reconhecimento do Estado independente e soberano da Palestina.
Ingerência e agressão
Apresentada como “guerra civil”, o conflito da Síria constituiu uma operação de grande envergadura, envolvendo vários países e instrumentos diversificados. Fez-se desde logo do financiamento e armamento de bandos terroristas que, ao longo de 13 anos, espalharam a morte e a destruição. Mas também da ocupação ilegal de partes do território sírio por forças militares dos EUA, da Turquia e de Israel, da pilhagem dos seus recursos petrolíferos e de sistemáticos bombardeamentos israelitas e norte-americanos contra as forças armadas sírias e seus aliados.
Não pouco relevante foi também o férreo regime de sanções imposto ao país pelos EUA e restantes potências ocidentais, privando a República Árabe Síria do necessário financiamento para fazer face a necessidades sociais essenciais e às tarefas de reconstrução do país. Já em 2021, a relatora das Nações Unidas, Alena Douhan, referia-se às sanções como o principal obstáculo à garantia a toda a população síria de direitos humanos fundamentais: ao dificultarem a importação de materiais e o financiamento necessários à reconstrução de hospitais, habitações e outras infra-estruturas, assim como a aquisição de alimentos e medicamentos, os EUA punham em causa o «próprio direito à vida de toda a população», garantia a diplomata.
A Lei Ceasar, dos EUA, visava toda e qualquer entidade – independentemente do país – envolvida em relações económicas ou de solidariedade com a Síria.