«Continuar a resistir a este processo de privatizações é do interesse e uma exigência dos trabalhadores, do povo e do País, do seu desenvolvimento e da sua soberania.» A afirmação é do Secretário-Geral do PCP, intervindo na sessão pública A agenda privatizadora e a operação contra Abril – derrotar a política de direita e os projectos reaccionários, realizada anteontem em Lisboa.
Referindo-se ao dito plano, o Secretário-Geral do PCP garantiu que ele não tem como objectivo resolver qualquer problema nacional, mas sim «transferir o máximo de propriedade social para o grande capital, para aqueles que vivem das rendas geradas pela aplicação do capital previamente acumulado». A sua concretização, acrescentou, passará «pelas mais diversas tácticas e velocidades», como aliás aconteceu em privatizações anteriores (ver caixa).
Ao concreto, sublinhou Paulo Raimundo, e para além da transportadora aérea nacional, foi anunciada a retirada da publicidade à RTP, que constitui uma forma de privatização do sector, para já privatizando as receitas que o podem sustentar. Na CP esse objectivo está patente na liberalização do longo curso e na divisão da empresa em troços, dispensando-os pelas regiões, medidas inscritas no programa do Governo. Também o sector da água é um alvo, «apesar do retumbante fracasso que foram as privatizações até hoje concretizadas». E o alargamento para 75 anos das concessões portuárias, inscrito na proposta de OE, é outra forma de privatizar.
«Depois do período da troica e do pacto de agressão que empobreceu e arrasou o País, as privatizações aí estão de novo, suportadas na acção do Governo e no apoio que lhe é dado para este fim, e que vai do PS ao Chega», denunciou o dirigente comunista.
Lições da história
A história ensina (isto, claro, se dela se souber retirar as lições devidas) e a história das privatizações é rica em lições. As primeiras, e mais evidentes, são as que se sentem no dia-a-dia do País: a destruição do aparelho produtivo e o empobrecimento do perfil produtivo; a perda de receitas pelo Estado, a redução do rendimento nacional, o défice da balança de pagamentos com a crescente saída de recursos nacionais para o estrangeiro e o aumento da dívida externa; a degradação progressiva dos serviços públicos; a degradação das condições de vida dos trabalhadores com a crescente precarização das relações laborais; o crescente domínio do poder económico sobre o poder político degradando a democracia; e cada vez menos soberania económica. Tudo isto resulta das privatizações e da reconstrução do capitalismo monopolista.
Para além dos exemplos dados por outros oradores (ver citações nestas páginas), Paulo Raimundo lembrou um processo dissimulado e concretizado por fases. Quem o iniciou, aliás, prometia o chamado “socialismo democrático” para assim «esconder a política de direita que rapidamente abraçou».
Quanto à cronologia, começou-se pelos sectores estratégicos para a própria luta política, como a comunicação social, ou os necessários para alavancar as restantes privatizações, como a banca, e só depois se avançou para os restantes; primeiro entregou-se ao grande capital “apenas” partes de empresas e só depois o resto; ao início foram alienadas empresas públicas a grupos nacionais, que depois as entregavam ao capital estrangeiro, e só depois essa transferência se fez directamente; partiu-se de privatizações “parciais” e, só mais tarde, totais; começou-se pelos sectores não estratégicos, avançando-se depois para estes e para os próprios serviços públicos e funções do Estado – como agora se verifica na Saúde, na Educação e na Justiça.
O PCP, reafirmou Paulo Raimundo, «não dará tréguas ao crime económico que elas representam», num combate que se prolongará para além do Orçamento do Estado e que requer a «mobilização dos trabalhadores destas empresas e sectores e de todo o povo português». Para que Portugal «não continue a ser vendido aos bocados».
Tácticas (ou manhas) do processo de privatizações
- sub-financiamento e sabotagem das empresas públicas, processo que continua.
- invenção de quadros reguladores do Sector Empresarial do Estado cada vez mais complexos, mais ineficazes e menos transparentes.
- inserção de determinadas privatizações em pacotes de ingerência externa, como os múltiplos processos liberalizadores da União Europeia ou os pacotes impostos pela troica.
- degradação das condições de trabalho e remuneratórias do Sector Público, corroendo por dentro as empresas, limitando a sua capacidade de resposta, e procurando afastar os trabalhadores da defesa do seu carácter público e nacional.
- recorrentes promessas aos trabalhadores e às populações das “maravilhas” das privatizações, dos “preços que vão sempre descer”, dos “serviços que vão sempre melhorar”.
- realização sistemática de “campanhas negras” sobre sectores nacionalizados, ao mesmo tempo que se acentuou a promoção dos valores ideológicos do neoliberalismo, criando verdadeiros mitos.
Não dar tréguas ao crime económico
Paulo Raimundo anunciou algumas das iniciativas legislativas do PCP relacionadas com as privatizações. Uma das primeiras, apresentada logo na abertura da legislatura, foi precisamente a da constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à privatização da ANA – inviabilizada então por PS, PSD, CDS e Chega.
No quadro do debate orçamental, o PCP leva à votação propostas para travar a privatização e desenvolver a TAP enquanto empresa pública. Outra visa defender a CP e garantir a sua operação em todo o território nacional. O Partido quer ainda repor as receitas que oGoverno quer retirar à RTP e assegurar o serviço público de televisão e rádio. O resgate das concessões rodoviárias entregues a parcerias público-privadas, a defesa e valorização do SNS, reduzindo a transferência dos seus recursos para os grupos privados do negócio da doença, são outros objectivos.
Operação antidemocrática invocando as comemorações do 25 de Novembro
Na sessão da passada terça-feira, o Secretário-Geral do PCP abordou o que tem sido dito a propósito das comemorações do 25 de Novembro, considerando-as parte de uma operação mais vasta contra Abril, suas conquistas e valores. Transcrevemos na íntegra o excerto da sua intervenção referente a esta questão:
Por estes dias, a direita mais reaccionária – com a conivência daqueles que sempre com ela andaram de braço dado – vai querer comemorar o golpe militar do 25 de Novembro.
Não serão as comemorações do povo, porque essas são e só as de Abril. E é com o povo que o PCP está, o povo que este ano em Abril encheu a Avenida da Liberdade e tantas praças e avenidas deste País a comemorar os 50 anos da Revolução Portuguesa.
Esse povo que aliado ao Movimento das Forças Armadas teve a força de socializar, de nacionalizar o essencial dos sectores estratégicos da economia portuguesa, de rasgar para si próprio horizontes de esperança que as classes dominantes há séculos juravam ser impossível.
Não desvalorizando a necessidade de combater a reescrita e falsificação da História, o essencial não é nesta ocasião demonstrar o que o 25 de Novembro foi ao contrário do que dizem ter sido (um golpe contra-revolucionário e não um contra-golpe); o que o 25 de Novembro não foi mas que alguns (não todos, faça-se justiça) ambicionavam que tivesse sido - um golpe que travasse a dinâmica revolucionária e o processo de transformações e conquistas que a Constituição da República Portuguesa veio a consagrar, reprimisse e ilegalizasse o PCP, liquidasse o regime democrático -, neste momento o que importa é destapar e expor a operação que está por detrás das chamadas comemorações do 25 de Novembro que a direita mais reaccionária há muito enseja e que decidiu tentar impor.
Uma operação que é uma provocação, no ano em se comemora o quinquagésimo aniversário da Revolução de Abril.
Uma operação movida por um recalcado e antidemocrático inconformismo com a Revolução de 25 de Abril, que procura desvalorizar e afrontar os seus valores e conquistas.
Uma operação que se explica pela crescente presença e promoção de concepções reaccionárias na sociedade portuguesa, por uma cada vez mais clara afirmação de forças e partidos movidos por um ideário retrógrado, antidemocrático e fascizante, e pelo propósito dos seus promotores de levar mais longe a sua sanha destruidora contra a realidade de Abril, ainda presente no País.
O que está por detrás da iniciativa dos que suportam o Governo da PSD/CDS, com o apoio dos seus sucedâneos da IL e do Chega e a cumplicidade e anuência de outras forças políticas, é relançar a ofensiva contra-revolucionária contra Abril e legitimar as suas próprias opções e política destruidora.
O que querem é esconder que os actuais e graves problemas e dificuldades do País, são o resultado das suas opções políticas de anos e anos contra Abril, as suas conquistas e valores.
As forças da revanche querem reescrever a História, e apresentar o 25 de Novembro, não pelo que foi, mas pelo que desejariam que tivesse sido de regresso ao passado de meio século de ditadura fascista.
O que querem é tentar equivaler um golpe contra-revolucionário, apesar de sustido no que de mais sombrio continha no propósito de alguns, com a Revolução libertadora do 25 de Abril.
A Revolução que devolveu a democracia, a liberdade e a paz ao povo português e que abriu caminho a um futuro de progresso, desenvolvimento e emancipação social que décadas de política de direita tem procurado cercear.
Procuram assinalar, com um indisfarçável saudosismo, um revés reaccionário não consumado nos objectivos que ambicionavam, e querem, os promotores desta iniciativa, reintroduzir os factores de divisão na sociedade portuguesa que marcaram o 25 de Novembro em detrimento daquilo que une o povo português sobre o que representa Abril, as suas conquistas e valores incluindo como projecto e perspectiva para o futuro de Portugal.
O PCP rejeita a operação em curso e os seus objectivos antidemocráticos de desvalorização e apagamento do 25 de Abril, de promoção de concepções e projectos reaccionários.
Uma ampla operação em que se insere a sessão prevista na Assembleia da República invocando o 25 de Novembro, na qual os deputados comunistas, marcando a sua inequívoca oposição e protesto, não estarão presentes.
É Abril e os seus valores que os democratas e os patriotas, os trabalhadores e o povo em geral devem afirmar e exigir que se cumpra na sua dimensão de transformação, igualdade e justiça.
É Abril com o acervo imenso de conquistas e direitos alcançados – políticos, sociais económicos e culturais - que vive e está presente enquanto referência de futuro como a imensa comemoração dos 50 anos da Revolução de Abril comprovou.
É Abril que deve ser comemorado enquanto o momento mais marcante da nossa história e não o que contra ele se arquitectou de conspirações, golpes e práticas que o negam e pretendem desvalorizar.
É essa luta para afirmar os valores de Abril que vamos prosseguir.
Dos mitos à dura realidade
A realidade das privatizações desmente todos os mitos com que os seus promotores – e beneficiários – procuraram criar em torno delas.
Banca: o seu carácter público colocou Portugal na vanguarda dos serviços bancários à escala mundial. Hoje, depois de receber mais de 20 mil milhões de euros de apoios públicos, está controlada, com a excepção da CGD, pelo capital estrangeiro e suga a economia nacional em vez do papel que deveria ter de estímulo ao investimento e ao crescimento.
Energia: as privatizações foram conduzidas à boleia de processos de liberalização. E com que resultado? Lucros gigantescos que essas empresas acumulam e transferem para fora do País e o preço cada vez mais elevado que suportamos no acesso à energia.
Telecomunicações: a privatização da PT e a liberalização colocaram o sector nas mãos das multinacionais, com o povo português a pagar preços exorbitantes pelo acesso a um serviço fundamental que devia ser público, e que podia e devia ser prestado numa base universal e a caminho da gratuitidade.
Correios: a privatização dos CTT levou à degradação do serviço público postal, à alienação do imenso património da empresa, ao abandono das populações.
Sorefame: a privatização prometia colocar Portugal a produzir comboios para o mundo inteiro. O desfecho foi outro: o encerramento da produção nacional e o contributo para que o País esteja há mais de 20 anos sem comprar um comboio.
Saúde: o privado tem crescido sugando os recursos do SNS. Perante a “crise” que o SNS hoje enfrenta, importa recordar que foi exactamente para prevenir esta crise que o PCP exigiu as alterações ao Orçamento do Estado para 2022, que o PS recusou e acabaram por ditar a sua não aprovação.
ANA: a privatização vai custar ao país 20 mil milhões de euros, em contas feitas pelo próprio Tribunal de Contas. Enquanto empresa pública, a ANA suportou toda a modernização da rede aeroportuária nacional e agora transfere centenas de milhões de euros por ano para os accionistas da Vinci e atrasa todo o investimento em Portugal.
TAP: três vezes salva de processos de privatização que a iam destruir e já mergulhada noutro processo similar. A ser concretizada, a anunciada privatização liquidaria a maior empresa nacional na exportação de serviços e agravaria a dependência externa do País.
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“Alguns dirão que só vemos o lado negro das privatizações e é assim porque olhamos a partir dos interesses dos trabalhadores e do povo português. Claro que há um lado brilhante das privatizações. Elas foram óptimas para as grandes famílias e para as multinacionais.”
Paulo Raimundo
“A resposta de PS e PSD para estas crises que abalaram o sistema bancário, entre 2008 e 2015, e que ainda implicam hoje perdas significativas dos orçamentos do Estado e oneram as contas e os juros da dívida pública, foi sempre a mesma: nacionalizar o prejuízo, permitindo a apropriação privada do proveito e do lucro.”
Miguel Tiago
“O crime seguinte [depois da privatização] foi a descapitalização da empresa através da distribuição de dividendos pelos accionistas. A PT foi durante muitos anos a ‘vaca leiteira’ dos accionistas, sobretudo do BES. (…) Entre 2000 e 2015, a PT distribuiu em dividendos 8,5 mil milhões de euros.”
Francisco Gonçalves
“Os CTT eram uma grande empresa, com mais de 500 anos de história, e foi um longo caminho até à sua quase destruição. (…) A qualidade do serviço é hoje uma desgraça e este caminho começou a ser feito quando se começou a preparar a privatização da empresa.”
Fábio Silva
“A CP é o exemplo de uma empresa pública que está sob constante ataque. A CP era uma empresa única (tinha infra-estrutura, controlo de tráfego e também os comboios), tinha mais linhas e transportava muito mais pessoas. (…) A empresa foi dividida, com alguns sectores já privatizados, como as mercadorias.”
Catarina Cardoso
“Temos neste momento a decorrer um programa de investimento em infra-estruturas designado Ferrovia 2020. (…) Évora-Caia: o prazo de conclusão era 2019, a obra está em curso e é optimismo achar que estará pronta num ano. Meleças-Caldas da Rainha: 2020. É uma incógnita, ninguém consegue prever quando estará pronta. Marco-Régua: 2019, ainda não começaram as obras...”
Rego Mendes
“Num ano que dê zero de lucro, a TAP sendo pública, dá ao seu accionista 120 milhões de euros para a Segurança Social (...), pagou 100 milhões em IRS, gerou 500 milhões de euros em despesas em empresas portuguesas, pagou 640 milhões de euros de salários em Portugal e gerou 2 mil milhões de euros em exportações, é o maior exportador nacional.”
Manuel Gouveia