Perigos e potencialidades, uma tese de grande alcance ideológico

Por maiores que sejam as dificuldades e os perigos, é possível resistir, avançar e vencer


Na sua análise sobre a situação internacional, as Teses – Projecto de Resolução Política para o XXII Congresso sublinham que os grandes perigos decorrentes da ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo coexistem com reais potencialidades de transformações progressistas e revolucionárias. Esta tese, já antes adiantada pelo nosso Partido, ganhou nos últimos anos ainda mais importância e actualidade na luta contra a ideologia dominante. Numa situação em que a escalada de confrontação imperialista envolve já abertamente o branqueamento e a promoção do nazi-fascismo e a banalização do emprego da arma nuclear, e em que uma poderosa máquina de propaganda obscurantista fomenta o individualismo, o medo e a impotência, é particularmente importante compreender que o estado de coisas existente não é uma fatalidade com que os povos tenham de conformar-se, que há alternativa e que é pela luta organizada que ela será alcançada.

O maior de todos os perigos será o de que, devido à influência da ideologia dominante e da manipulação mediática, as ameaças do militarismo, do fascismo e da escalada de confrontação imperialista não sejam percebidas na sua verdadeira natureza e dimensão, e se atrase nas massas a consciência dos grandes perigos que aí estão assim como a identificação da sua raiz na natureza exploradora e opressora do capitalismo. É preciso arrancar ao imperialismo as máscaras com que está a arrastar o mundo para o abismo. As Teses – Projecto de Resolução Política (daqui em diante simplesmente Teses) fornecem abundantes factos e argumentos para o exigente combate que é necessário intensificar para afastar as massas populares da influência perversa da propaganda belicista e mobilizá-las na luta pelo desarmamento, a paz e a amizade entre todos os povos e países do mundo.

E quanto à existência de potencialidades de transformação progressista e revolucionária numa situação que, no plano mundial, as Teses continuam justamente a considerar de resistência e de acumulação de forças? Não será que, ao sublinhar tal tese, estaremos a perder de vista que o processo revolucionário mundial deu um enorme salto atrás com o desaparecimento da URSS e as derrotas do socialismo no Leste da Europa do qual as forças revolucionárias ainda não se recompuseram? Ou que, tomando os desejos por realidades, estamos perante uma proclamação voluntarista para “animar as hostes” numa situação visivelmente carregada de incertezas e dificuldades? Nomeadamente nos seus pontos 1.3. e 1.4., as Teses contêm numerosos elementos que respondem claramente a interrogações como estas.

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A tese que resumimos na expressão “perigos e potencialidades” tem na base da sua construção a teoria do marxismo-leninismo e a dialéctica da luta de classes. É uma tese que se apoia na experiência histórica dos processos (sempre contraditórios, surpreendentes e originais) de transformação social de que a nossa Revolução de Abril é o exemplo mais próximo. Que põe em evidência o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, um sistema em decadência atravessado por insanáveis contradições. Que sublinha a importância de um complexo processo de rearrumação de forças no plano mundial, em que se destacam, por um lado o declínio do peso e influência dos EUA e, por outro lado, as realizações da revolução chinesa e o crescente papel da República Popular da China nas relações internacionais. Que valoriza os diversificados processos de resistência e luta dos trabalhadores e dos povos que, com avanços e recuos, vitórias e derrotas, se desenvolve em todos os continentes, resistência e luta em que a fundamental questão de classe e a questão nacional são inseparáveis.

A tese “perigos e potencialidades” é uma tese de grande alcance político e ideológico. Primeiro porque, como a prática tem mostrado, é verdadeira e a luta pela verdade histórica está hoje no centro da luta de classes. Depois porque cimenta a confiança em que, por maiores que sejam as dificuldades e os perigos, é possível resistir, avançar e vencer nas diferentes fases e etapas em que se desenvolve a luta em cada país e no plano mundial pelo progresso social, a paz e o socialismo.

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Embora tendo já perdido muito do triunfalismo delirante dos anos noventa, a ofensiva ideológica da classe dominante insiste em apresentar o capitalismo como sistema histórico terminal, sem alternativa (o “fim da história”) e, ao mesmo tempo que decreta o “fim da classe operária” e a emergência de uma mítica “classe média”, procura por todos os meios semear o conformismo, a divisão e a desmobilização da crescente massa de trabalhadores assalariados e das massas populares na sua luta contra a exploração e a opressão.

A verdade, porém, é que não só a alternativa está inscrita nas próprias contradições e limites históricos do capitalismo, demonstrada pelos fundadores do socialismo científico, como a partir da Revolução de Outubro, que marcou a época da passagem do capitalismo para o socialismo em que hoje vivemos, existem diversificadas experiências de construção de uma sociedade nova orientada para a abolição da exploração do homem pelo homem, como em Cuba, China ou Vietname.

É certo que o processo revolucionário se revelou mais complexo, acidentado e demorado do que foi considerado perante os grandes êxitos alcançados na defesa e construção do socialismo, nomeadamente na União Soviética. E que o capitalismo revelou imprevista capacidade de adaptação e mesmo de recuperação, como o mostram as chamadas “revoluções coloridas” e as “guerras híbridas”, que constituem o dia-a-dia do imperialismo na luta contra os povos que resistam ao seu domínio. Mas nada disso põe em causa a necessidade e a possibilidade de superação revolucionária do capitalismo, questão que a própria acentuação do carácter parasitário e destrutivo do sistema torna mais actual e urgente do que nunca, como sublinham as Teses no seu capitulo 1.5., “Socialismo, a alternativa ao capitalismo”.

É com esta perspectiva, tendo sempre bem presente que «o PCP tem como objectivos supremos a construção em Portugal do socialismo e do comunismo», que o Partido determina as suas tarefas no plano nacional em cada fase e em cada etapa da revolução (actualmente a etapa de uma democracia avançada, inseparável da revolução socialista) e os seus deveres internacionalistas, numa situação internacional carregada de incertezas e perigos, mas também de oportunidades para o enraizamento e crescimento das forças anti-imperialistas e revolucionárias.

Situação que, como se afirma nas Teses, «sublinha a importância da questão nacional e a sua interligação com a questão de classe» e em que «a convergência da luta da classe operária e dos trabalhadores com a luta de outras classes e camadas sociais e a luta dos povos em defesa dos seus direitos e soberania, constituem elementos fundamentais para alargar e diversificar as forças que, objectivamente, podem confluir na resistência aos intentos do imperialismo», forças que o capítulo 1.4.5. das Teses identifica nos seus contornos fundamentais.

Isto, claro está, sem ignorar a diversidade de regimes e de natureza de classe do poder dos diferentes países, nomeadamente daqueles que participam em espaços de articulação que, como os BRICS, representam importantes obstáculos às pretensões de domínio imperialista. E sem esquecer também experiências históricas de forças nacionalistas, com destacado papel no movimento de libertação nacional, embora ideologicamente conservadoras e mesmo anticomunistas. Mas, sobretudo, sem esquecer Lénine e a sua acerada crítica ao oportunismo de esquerda que desconhecia a importância de, nas diferentes fases e etapas da luta revolucionária, identificar com clareza o inimigo principal e a correspondente política de alianças da classe operária, ainda que pontuais, limitadas, instáveis e transitórias.

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A instabilidade, incerteza e perigos que caracterizam o desenvolvimento da situação internacional tornam particularmente exigente a análise das causas fundamentais que a determinam, das forças sociais e políticas em presença, e das tendências da sua evolução. É esse o esforço proposto pelas Teses ao debate tendo em vista o XXII Congresso. E o esforço não pode ser senão o da análise concreta da situação concreta ( a “alma do marxismo” como sublinhava Lénine), sem cedências à ideologia dominante que alimenta o oportunismo de direita – que chega ao ponto de rotular de “esquerda” uma social democracia que se transformou em pilar do imperialismo - ou a simplificações esquemáticas e dogmáticas esquerdistas – que, reduzem a perigosíssima agudização da situação internacional a “contradições inter-imperialistas”, chegando ao absurdo de colocar no mesmo saco os EUA e a União Europeia, país e bloco de países capitalistas e imperialistas, e a China, com uma economia mista, que conquista avanços sociais, que defende a paz e a cooperação no mundo e que aponta a construção do socialismo.

No processo de rearrumação de forças no plano mundial inserem-se países com sistemas sociais e realidades económicas e sociais diferenciados, alguns dos quais alvo de tentativa de isolamento e de obstaculização ao seu desenvolvimento. Um processo que, sem iludir os diferentes e por vezes contraditórios interesses em presença, respeita a soberania de cada país quanto à decisão sobre o seu caminho, abrindo melhores possibilidades à sua concretização, convergindo na procura de alternativas não subordinadas ao domínio do imperialismo. Não acompanhando certas concepções quanto a um quadro internacional multipolar, o PCP considera que o presente processo exige, como em todas as situações, a iniciativa e a adequada estratégia e táctica das forças revolucionárias que mantêm o objectivo da superação revolucionária do capitalismo pelo socialismo.

Um processo de rearrumação de forças que, como afirmamos, é objectivamente inseparável da luta pela paz e contra a guerra, da aproximação e articulação entre os que resistem ao imperialismo, da luta pela soberania e o direito ao desenvolvimento, da promoção de relações de amizade e cooperação entre os povos, e que, dependendo da sua evolução, poderá contribuir para a criação de melhores condições para o desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos.

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Numa situação tão complexa e tão exigente para os partidos comunistas e revolucionários, em que os sectores mais reaccionários e agressivos da classe dominante vêem no fascismo e na guerra a “saída” para a crise do capitalismo, é de crucial importância a clara compreensão das raízes da perigosa situação actual e dos caminhos para a superar. Por mais difíceis que sejam as circunstâncias, não há outro caminho que não seja o da luta, pois é pela luta que se transformam potencialidades em possibilidades e estas em realidades. A valorização das lutas populares e dos diversificados processos de resistência anticolonialista e anti-imperialista que se desenvolvem por todo o mundo e que a comunicação social esconde, é de grande importância para incutir nas massas trabalhadoras, e em particular na juventude, confiança na força da sua própria luta para fazer recuar e derrotar os falcões da guerra e avançar para um mundo de paz e amizade entre todos os povos e países do mundo.

 

Este texto é publicado no âmbito do contributo para o debate do documento «Teses – Projecto de Resolução Política», aprovado pelo Comité Central para discussão preparatória do XXII Congresso em todo o Partido