Construir a “narrativa” que justifique novos e perigosos saltos

João Pimenta Lopes

Ursula von der Leyen encomendou mais um relatório a uma “personalidade”. Depois do relatório de Enrico Letta, sobre o mercado único, o de Mário Draghi, sobre a competitividade, o mais recente relatório colocou a Sauli Niinistö a tarefa de elaborar sobre o “fortalecimento da preparação e prontidão civis e de defesa da Europa”.

Apresentado no final de Outubro, haverá o tempo para uma análise mais fina deste relatório. Mas para lá do que o título já sugira, um primeiro vislumbre ao resumo executivo permite destacar alguns elementos assinaláveis. Sem novidade, é preciso semear o medo às inúmeras “ameaças” que enfrenta a “Europa”, sem nunca – como poderia? – apontar o dedo às responsabilidades próprias das políticas da União Europeia dentro e fora de “portas” a muitos dos problemas identificados.

Aí estão as iminentes ameaças de terceiros (que ponham em causa o domínio de EUA e potências europeias), as ameaças epidémicas, ambientais e fenómenos meteorológicos extremos, as ameaças cibernéticas. Já as ameaças da pobreza, do aumento da exploração, dos baixos salários, da ausência de respostas públicas na saúde, na educação, na habitação, nos transportes, na energia, essas passam ao lado de tão elaborados corolários. É preciso alhear os “cidadãos” dos seus problemas e “prepará-los” para estarem prontos para tudo o que seja necessário na resposta àquelas ameaças.

A solução? Aprofundar ainda mais as políticas que aqui nos têm conduzido, concentrar ainda mais no quadro supranacional as respostas imediatas e capacidades de resposta a ditas ameaças.

«Se queremos a paz, temos de nos preparar para a guerra». Assim se lia, assim concluía o Presidente do Conselho Europeu o comunicado de imprensa publicado em 19 de Março de 2024, onde se afirmava termos de «passar ao modo "economia de guerra"». Niinistö dá a resposta. Não bastam os 428 mil milhões de euros gastos pelos países NATO da UE em 2024 em gastos militares. É preciso mais. Mais dinheiro público para a indústria da guerra, maior alinhamento com a política belicista da NATO e dos EUA. Uma UE mais “assertiva” na “diplomacia”, ou o ainda maior acirrar das políticas de chantagem, interferência sobre terceiros, confrontação, sanções e guerra.

E na resposta a sectores estratégicos, onde não deixa de se referir a gestão da água e águas residuais? Aí está um salto no impulso à sua privatização, com a “original” proposta para o desenvolvimento de Parcerias Público-Privado, mobilizando ainda mais recursos públicos para um sector privado que importa libertar de “constrangimentos”.

Antecipando a discussão dos futuros orçamentos da UE, e quando as suas políticas impõem cada vez maiores restrições às respostas às necessidades dos povos e do desenvolvimento de países como Portugal, é necessário construir a narrativa para justificar novos, perigosos e inaceitáveis saltos.

 



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