Veneza sempre foi uma das cidades que maior e mais persistente atracção provoca. As centenas de canais, ramificados a partir do Grande Canal, as pontes que definem o seu desenho urbano induzindo uma surpresa constante pontuada por edifícios monumentais, memórias do seu esplendor económico, a multiplicidade de praças de dimensão diversa que têm a sua expressão máxima na extraordinária Praça de São Marcos colocam-na, desde a sua fundação, no centro das atenções até à explosão turística dos últimos decénios com os riscos brutais que esse fenómeno comporta, expostos num dos últimos relatórios da OCDE:«O turismo pode desempenhar um papel fundamental na promoção do desenvolvimento económico, mas os seus impactos são muitas vezes económica, social e ambientalmente desequilibrados, e os benefícios nem sempre revertem a favor das comunidades locais.»

Um aviso que devia ser bem ouvido em Portugal com uma economia em que o turismo é relevante. Veneza é um bom exemplo desses males com uma progressiva e acelerada desertificação por via do alojamento local e do aumento dos preços da habitação, com um aumento de custo de vida superior a todas as outras regiões italianas, com a degradação urbana induzida pelas turbas de turistas. É talvez o lugar com o maior somatório dos males que o turismo desenfreado provoca que também se está a sentir em muitas outras cidades e regiões. A este alerta um outro de enorme relevância é feito pela Organização Internacional do Trabalho, sublinhando as más condições laborais no sector, marcado pela prevalência do trabalho ocasional e informal, horários de trabalho variáveis e longos, salários baixos e fraca protecção social.

No meio destes avisos Veneza continua a atrair este mundo e o outro. Mais que qualquer outro lugar destacou a sua presença nas artes e nas letras o que podemos ver numa exposição temporária da Fundação Gulbenkian. Se Veneza é deslumbrante, não menos deslumbrantes são as pinturas de Canaletto, Francesco Guardi, Giambattista Tiepolo, Bernardo Bellotto, Michele Marieschi, Pietro Longhi e Giambattista Piazzetta. Viaja-se com essa grande pintura pelas vistas panorâmicas, pelas ruas e canais dessa cidade italiana milenar, pelas celebrações, as pagãs como o carnaval que continua ainda hoje a atrair hordas de turistas que engrossam as hordas que normalmente assaltam a cidade, outras religiosas como a Ascensão, as regatas, as viagens do doge exibindo o seu poder, as cenas interiores retratando o estilo de vida dos que dispondo de muito dinheiro aí viviam.

Veneza em Festa, além das pinturas, mostra as gravuras de Antonio Visentini trabalhadas sobre pinturas de Canaletto, imagens da cidade que são compradas por quem as quer guardar e não tem posses para adquirir os quadros dos grandes mestres, mesmo os de pequeno formato que circulam entre as elites europeias sem a capacidade financeira de um Gulbenkian que adquiriu para a sua colecção dezassete Guardi aqui expostos. A exposição integra ainda uma seleccão de objetos de origem veneziana, como livros, têxteis, uma escultura de Antonio Corradini e um modelo do Bucentauro, a famosa embarcação cerimonial de Veneza.

Um belíssima exposição de excelente pintura com a alegria da pintura do sec. XVIII, com uma secção dedicada a pinturas dos séculos XIX e XX que a encerram. Veneza, cidade que só por si é uma obra de arte, é protagonista de inúmeras obras de arte como nenhuma outra cidade o foi, pode aqui ser visitada até dia 15 de Janeiro. Assinale-se que em torno da exposição, será organizada uma programação paralela com concertos de música de câmara, visitas guiadas e oficinas para crianças, famílias e público adulto.