A solução para os acontecimentos que desde há mais de uma semana se verificam na Área Metropolitana de Lisboa no seguimento da morte de Odair Moniz tem de ir às causas mais fundas que lhes estão na origem.
Na madrugada de segunda-feira, 21, foi morto pela polícia Odair Moniz, de 43 anos, na sequência de uma perseguição. Numa primeira versão dos acontecimentos, adiantada pela PSP, garantia-se que a vítima teria ameaçado os agentes com uma arma branca, o que foi mais tarde negado pelos próprios (e por imagens de videovigilância). Também informações que davam conta de que Odair Moniz seguiria numa viatura furtada se revelaram falsas. A Polícia Judiciária está a investigar o caso e o agente que disparou já foi constituído arguido pelo Ministério Público.
Logo no dia 21 houve protestos na Cova da Moura e no Bairro do Zambujal (onde Odair Moniz foi morto e onde vivia, respectivamente), que prosseguiram nos dias seguintes, não apenas nesses, mas também noutros bairros da Amadora e de vários concelhos da Área Metropolitana de Lisboa. Em alguns deles, foram incendiados automóveis, autocarros e mobiliário urbano. Várias pessoas foram detidas e um motorista ficou ferido com queimaduras. Muitos moradores desses bairros queixam-se de violência policial e de abuso de autoridade. A família de Odair Moniz garante que numa das noites a sua casa foi invadida pela polícia, a porta arrombada e várias pessoas agredidas.
Estes acontecimentos suscitaram diversas reacções, com os sectores política e ideologicamente mais reaccionários a procurarem (com a ajuda dos principais órgãos de comunicação social) limitar o debate às questões da “segurança” e da “ordem pública”, o que no seu vocabulário significa tão somente o aumento da repressão.
O primeiro-ministro Luís Montenegro admitiu “endurecer” a resposta policial aos “distúrbios”; no Chega, André Ventura defendeu a condecoração do agente que disparou contra Odair Moniz e Pedro Pinto salientou que se a polícia disparasse mais a matar, o País estava mais na ordem. O Ministério Público já abriu um processo contra os dois dirigentes de extrema-direita por crime de incitamento ao ódio.
Ir à raiz (económica e social) dos problemas
Visão diferente tem o PCP, que numa nota divulgada no dia 24, relaciona os protestos ocorridos na sequência da morte de Odair Moniz com «problemas e descontentamentos acumulados» pelas populações que habitam naqueles territórios. Se as expressões de violência, aproveitamento e instigação provocatória que tiveram lugar são «condenáveis», os comunistas não se ficam por aqui e vêem mais longe: a situação que se vive por estes dias expõe «um quadro social que a população destes bairros enfrenta, marcado por discriminações, pelo acumular de tensões resultantes da ausência de perspectivas e de futuro, fruto das políticas que negam o direito ao trabalho, a um salário digno, à habitação, à educação, à saúde, à cultura».
A segurança e a tranquilidade das populações, «que devem ser garantidas, são elementos inseparáveis do exercício das liberdades», acrescenta o PCP, garantindo que isto exige, «ao contrário do modelo que tem vindo a ser imposto por sucessivos governos, uma preparação adequada dos agentes das forças de segurança». Impõe-se, assim, uma forte aposta na prevenção, no policiamento de proximidade, na promoção do envolvimento das populações e do seu relacionamento próximo com as forças de segurança. O que, conclui o PCP, é inseparável de uma política que «combata as desigualdades e injustiças sociais e garanta a melhoria das condições de vida, no respeito pelos direitos e garantias dos cidadãos constitucionalmente consagrados».
Estas e outras questões foram colocadas pelo PCP na Assembleia da República, através dos deputados Paula Santos e António Filipe. O Partido apresentou ainda um voto de pesar pela morte de Odair Moniz, em cujo funeral se fez também representar por uma delegação constituída por António Filipe, Seyne Torres e João Pimenta Lopes, do Comité Central, Deolinda Santos, da DORL, e António Borges, vereador na Câmara Municipal e membro da Comissão Concelhia da Amadora.
Sem justiça não há paz
No sábado, o movimento Vida Justa promoveu uma manifestação em Lisboa sob o lema «Sem justiça não há paz». As milhares de pessoas presentes reivindicaram justiça para Odair Moniz, mas também direitos laborais e sociais e melhores condições de vida para as populações mais desfavorecidas – que, acrescentaram, mantêm o País a funcionar.
Inicialmente prevista para terminar na Assembleia da República, vinda do Marquês de Pombal, a manifestação alterou o seu percurso em direcção à Praça dos Restauradores devido à convocação, pelo Chega, de uma acção provocatória para o mesmo local. O Vida Justa alterou o percurso da manifestação, de modo a que esta pudesse decorrer de forma pacífica, como era intenção da organização e como efectivamente aconteceu.
O PCP esteve presente nesta manifestação, com uma delegação de que fez parte João Ferreira, membro da Comissão Política e vereador na Câmara Municipal de Lisboa, que reafirmou a solidariedade do Partido e referiu a existência de uma «ampla maioria social — cuja voz esteve presente nesta manifestação — que quer justiça e paz, exigindo um combate firme e consequente às desigualdades, injustiças, exclusão, discriminações, à exploração».
Para além de João Ferreira, integraram a delegação do PCP os membros do Comité Central António Filipe, Seyne Torres e João Pimenta Lopes e ainda Deolinda Santos, da DORL.