Direito das crianças e factor de justiça social
O PCP defende a criação de uma rede pública de creches e o alargamento do número de vagas na rede pública de educação pré-escolar, de modo a suprir todas as necessidades. Estas são medidas essenciais para o desenvolvimento das crianças, para a diminuição das desigualdades, para dar confiança e apoiar as famílias mais jovens.
PS, PSD, CDS, Chega e IL têm travado muitas das propostas do PCP para assegurar a todas as crianças lugar na rede pública de creches e educação pré-escolar
Lusa
Há muito que o PCP tem vindo a insistir nestas questões – e fê-lo uma vez mais na segunda-feira, 28, numa declaração proferida por Margarida Botelho, do Secretariado do Comité Central. Em causa está a constatação de que a falta de vagas nas creches e no pré-escolar «cria uma situação muito preocupante para crianças e pais», colocando em causa aquele que é o direito fundamental das crianças (de todas elas) à educação e ao desenvolvimento integral.
Em Portugal, tanto a creche como a educação pré-escolar são facultativas, mas têm níveis «bastante altos de frequência, o que é positivo, apesar de não estarem asseguradas a universalidade e a gratuitidade», notou a dirigente do Partido, antes de salientar que a dificuldade de acesso tem, em ambas as situações, «a mesma origem: há mais crianças desta faixa etária do que vagas». Em 2020, havia 250 mil crianças entre os 0 e os 3 anos e apenas 120 mil vagas, sendo preciso mais do que duplicá-las para garantir vaga a todas.
Essa realidade não se alterou, excepto num aspecto: há quatro anos todas as vagas eram pagas (e “bem” pagas!) e hoje são já 100 mil as crianças que frequentam creches gratuitamente, graças à «proposta e insistência do PCP», lembrou Margarida Botelho: «ficam ainda muitas de fora, mas é uma extraordinária evolução em tão pouco tempo. O caminho não é andar para trás, é preciso criar as condições para que o direito se efective para todos.»
Pré-escolar também está aquém
Também na educação pré-escolar, há muitas crianças de fora: no ano lectivo de 2022/23, havia cerca de 265 mil matriculadas, com a rede pública a dar resposta a sensivelmente metade – 54 por cento, cerca de 144 mil crianças, a maior parte das quais já com os cinco anos feitos, dado o primeiro critério de seriação ser a data de nascimento. Das crianças inscritas no ano passado, apenas 30 mil tinham três anos, e a dimensão do problema não é igual em todo o território nacional, sendo mais agudo nas áreas metropolitanas e nas maiores cidades.
Para Margarida Botelho, o Governo «martela os números» quando se refere a 20 mil vagas em falta, pois são muitas mais. Esse número contabiliza apenas as crianças que frequentaram a creche gratuitamente nos últimos anos e que, tendo feito três anos, não tiveram vaga na rede pública. O anúncio do Governo de que as garantiria mediante contratos de associação com o sector privado «não resolve o problema, como é bom de ver».
A dirigente comunista salientou ainda que a dificuldade em encontrar vagas constitui um «enorme factor de pressão para as famílias», pois a frequência do pré-escolar no sector privado ou em IPSS pode custar muitas centenas de euros mensais. A solução passa, pois, por alargar o número de vagas na rede pública, acrescentou.
Para lá das vagas
Se a questão das vagas é determinante, ela não esgota as questões relacionadas com as redes públicas de creches e educação pré-escolar, lembrou Margarida Botelho. Há também a questão da qualidade, não sendo aceitável que «se limitem a ser o sítio onde se guardam as crianças enquanto os pais trabalham, com horários desregulados e sem profissionais qualificados».
Para garantir a necessária qualidade, acrescentou a dirigente comunista, há que garantir a «estabilidade de um corpo docente muito qualificado, sobretudo nestas idades», sendo inadmissível que aos educadores que trabalham em creche nem sequer seja contado o tempo de serviço. Colocar mais bebés em cada sala, promover creches nocturas e impor o desfralde não é aceitável – é, até, desumano.
Antecipando “argumentos”, Margarida Botelho garantiu que o acesso universal e gratuito às redes de creche e educação pré-escolar são «investimentos absolutamente necessários», os quais não podem ser adiados por “falta de meios”: «os 1800 milhões de euros de benefícios fiscais em IRC ou os mais de 1500 milhões de euros em PPP que são entregues de bandeja aos principais grupos económicos, seriam muito mais bem empregues se investidos numa rede pública de creches e na garantia da universalidade da educação pré-escolar.»
As opções que se impõem
• Criação de uma rede pública de creches, que crie 100 mil vagas até 2028 e mais 148 mil até 2023
• Abertura de pelo menos mais 150 salas de educação pré-escolar
• Contratação do número adequado de profissionais – educadores, auxiliares e outros técnicos
• Garantir alimentação de qualidade, tempo para brincar, acesso a espaços exteriores, sesta
Bem-estar e desenvolvimento
As creches e os equipamentos de educação pré-escolar não podem ser meros “depósitos de crianças”, que ali vêem garantida a sua sobrevivência e pouco mais. Para o PCP, pelo contrário, devem constituir uma resposta educativa de qualidade, capaz de garantir a todas as crianças, independentemente das suas circunstâncias e contextos, a melhor educação desde a mais tenra idade.
A valorização dos espaços e da componente pedagógica e lúdica, a par da contratação e formação dos trabalhadores necessários, constam no projecto de lei do PCP de criação de uma rede pública de creches (que PS, PSD e CDS chumbaram, com abstenção de Chega e IL, mas no qual se insistirá). Nele aponta-se para o acesso universal e gratuito à educação, centrada no bem-estar e desenvolvimento físico, sensorial, motor, social, emocional, cognitivo, comunicacional, criativo, intelectual e estético da criança.
Trata-se de uma perspectiva em tudo oposta à que prevê o prolongamento de horários de funcionamento, para que pais e mães possam continuar a trabalhar com horários desregulados a gerar lucro para os patrões. Em média, hoje uma criança (até aos 10 anos) passa 10 horas na escola, devido aos horários prolongados dos pais.
A creche nocturna ou a creche 24 horas – essas aberrações que alguns tentam hoje transformar em “avanços progressistas” ou exemplos de “sensibilidade patronal” – colocam as crianças a reboque de ritmos de trabalho desregulados e indignos, sem rotinas de alimentação e sono, com educadores e colegas diferentes, dependendo do horário de frequência, para além de as privar do contacto afectivo com a sua família.
Para o PCP, os direitos das crianças estão intimamente ligados aos dos seus pais.
Promover a sesta no pré-escolar
Segundo a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), existem evidências científicas de que «dormir com qualidade e no número de horas recomendado, numa base regular, está associado a melhores resultados na saúde, nomeadamente a nível da atenção, comportamento, aprendizagem, memória, regulação emocional, qualidade de vida e saúde mental e física». É a mesma entidade a garantir que, em Portugal, «existe uma elevada percentagem de crianças em privação crónica de sono», que pode ter a médio e a longo prazo consequências graves ao nível do desempenho cognitivo e aprendizagem ou da incidência de diversas doenças.
Face a isto, a SPP recomenda que a sesta seja facilitada e promovida nas crianças até aos cinco ou seis anos de idade. A realidade, porém, é outra: a grande maioria das crianças em idade pré-escolar não tem a sesta garantida, e por diferentes razões – que vão da falta de condições das instituições de educação pré-escolar até à própria desregulação dos horários de trabalho dos pais (em 2022, mais de um milhão e 800 mil trabalhadores trabalhavam por turnos, à noite, ao fim-de-semana ou numa combinação de todos estes horários.
Para a promoção da sesta e de um sono adequado é necessário leito ou colchão, ambiente calmo, escuro, temperatura confortável, limitação de ruído e vigilância, o que requer investimento público nas escolas e no sistema educativo em geral.
Em 2019, a Assembleia da República aprovou uma recomendação sobre a promoção da sesta na Educação Pré-Escolar, proposta pelo PCP, que em 2022 questionou o governo acerca do que entretanto tinha sido feito a este respeito (a resposta, para ser sincera, teria de ter sido “absolutamente nada”).