O estranho caso dos cheques-psicólogo
Os cheques-psicólogo excluem, à partida, quem mais deles precisa
Os cheques-psicólogo foram disponibilizados a 30 de Setembro. Uma medida que, alegadamente, pretende permitir que mais estudantes do Ensino Superior (ES) acedam a cuidados de saúde mental. Em Agosto, o Governo previa, para a aplicação desta medida, um investimento de cerca de oito milhões até 2025.
É estranha esta opção do Governo, sobretudo por ser tomada num momento em que galgam os números de situações de doença mental no ES. Um estudo recente da Universidade de Évora, que envolveu a recolha de dados de 2136 estudantes de seis universidades portuguesas, indica que 22,9 por cento dos inquiridos referiram estar diagnosticados com uma doença mental, com uma prevalência preocupante de sintomas depressivos e ansiosos. Destes, 11,8 por cento afirmaram ter pensamentos sobre ferimentos auto-infligidos ou suicídio. É estranha esta realidade entre jovens, cuja incidência se verifica em estudantes deslocados, do sexo feminino e de menor nível socioeconómico.
É estranho que depois de numerosas propostas apresentadas pelo PCP na Assembleia da República, que poderiam solucionar ou atenuar esta questão, esta seja ainda uma realidade que persiste – e com números avassaladores.
É estranho que o Ministério da Juventude e Modernização, em conjunto com o Ministério da Educação e a Ordem Profissional dos Psicólogos, tenha definido que esta medida não se destina a estudantes que apresentem: sintomas com duração superior a um ano e seis meses; consumo problemático de substâncias e comportamentos aditivos; tentativas de suicídio prévias ou risco de suicídio; diagnóstico de perturbação psicótica ou bipolar e diagnóstico de perturbação da personalidade; e necessidades educativas específicas. A estes critérios de inclusão altamente restritivos, acresce que a medida garante apenas 12 cheques. São muitos os problemas que não se resolvem em 12 consultas e, na realidade, nem falamos bem de 12 consultas, mas antes de duas mais dez, em que as primeiras duas servem apenas de triagem. Só depois de se garantir que o estudante cumpre os critérios, lhe são atribuídos os restantes dez cheques.
Em que ficamos? Pode-se até argumentar que esta medida é preventiva, mas nem isso justifica ou desmente que se esteja a optar, de forma consciente, por deixar para trás os jovens que à partida mais precisariam destes cuidados e que menos condições têm para lhes aceder.
Sem os descuidar, para esta reflexão excluamos os problemas que isto acarreta para os profissionais do sector, em particular os mais jovens que estão a iniciar ou iniciaram recentemente a sua carreira.
Para lá da importante questão que é o acesso a cuidados de saúde mental (por sinal, um direito constitucional), fica por demais evidente que os cheques-psicólogo constituem uma escolha, simples e concreta, do PSD e CDS: a de preferir entregar, de mão beijada, ao sector privado uma questão que poderia e deveria ser garantida pelos gabinetes de apoio psicológico das Instituições de Ensino Superior e pelo reforço de psicólogos do SNS, como defende o PCP. Trata-se de entregar dinheiro aos privados em vez de o investir no ES e no SNS.
Em suma: é toda uma questão de opções duvidosas que se revolve em torno de critérios de inclusão demasiado restritivos, número limitado de consultas e falta de garantias de encaminhamento nos casos mais graves para os serviços de saúde.
Ao fim e ao cabo, e tendo em conta o historial de opções dos governos das últimas décadas, talvez tudo isto, na verdade, não seja assim tão estranho: de PS, PSD, CDS – a que se juntaram recentemente IL e Ch –, o povo, os trabalhadores, os jovens e os estudantes, nunca se habituaram a esperar algo de diferente.
Trata-se, sim, de não resolver e empurra com a barriga o problema real da falta de acesso a cuidados de saúde mental no País, e de, ao mesmo tempo, esfregar as mãos de contente enquanto se entrega, mais uma vez, dinheiro público (que é dos portugueses) aos privados. Sofre uma vez mais o País, perdem os estudantes do ES e lucram os do costume.