- Nº 2656 (2024/10/24)

Orçamento do Estado – cumplicidades, ruptura e alternativa

Opinião

A agenda dos baixos salários e pensões, da destruição dos serviços públicos, das privatizações, da injustiça fiscal, dos milhares de milhões de euros de recursos públicos desviados para os bolsos dos grupos económicos e das multinacionais, que já tinha um governo para a executar, precisava também de um orçamento. A dúvida estava, até há poucos dias, em saber como é que esse orçamento seria viabilizado, ou seja, quem é que se iria juntar aos deputados do PSD e do CDS. Sendo que só existiam duas hipóteses reais: ou era viabilizado pelo Chega, ou era viabilizado pelo PS.

Poderia ter sido o Chega, cuja demagogia sem fim não apaga a sua identificação com o fundamental da acção deste governo e, como vimos nas assembleias legislativas regionais quer na Madeira, quer nos Açores, quando e se for preciso o Chega dá as cambalhotas que tiver que dar para servir os interesses de quem o financia. Também podia ter sido a IL, se tivesse deputados suficientes para tal, uma vez que não há nada que esta proposta de orçamento não contenha que a IL não defenda também. Acabou por ser o PS, debaixo do aplauso de um exército de comentadores que, ao longo de meses, conseguiu falar de um Orçamento do Estado sem dizer uma palavra sobre o seu conteúdo.

A verdadeira razão para a viabilização pelo PS deste orçamento não esteve nem na “responsabilidade política” que uns valorizam, nem no “medo de ir a eleições” que outros anunciavam, mas no seu conteúdo. Tal como o Orçamento do Estado que está em vigor, e que tinha sido aprovado pela maioria absoluta do PS, também esta proposta de orçamento para 2025 prossegue o mesmo rumo de favorecimento dos grupos económicos. Dois orçamentos (2024 e 2025), dois governos (PS e PSD/CDS), a mesma política de direita. Simples!

É claro que, nestes processos, nem tudo é preto e branco. Haverá seguramente cálculo político, disputas e projectos de poder, contradições entre estas forças e até dentro delas, diferenças nos ritmos e intensidade das políticas. Mas no fim do dia, o que é relevante é a convergência objectiva que cada um dos protagonistas anteriormente referidos faz com a defesa dos interesses do grande capital. Veja-se como todos dão como válidas as imposições da UE sobre o Orçamento do Estado traduzidas na ideia do excedente orçamental à custa do investimento e dos serviços públicos. Como alimentam a tese de que é preciso descer os impostos para as grandes empresas. Como assumem e executam as privatizações. Como aceitam e querem mais PPP. Como se submetem aos desejos da concertação social e do grande patronato que a controla. Como não desalinham, mais euro menos euro, do modelo de baixos salários. Como aplaudem os milhões para a escalada da guerra e para a NATO.

Veja-se, até, como a magna questão das “linhas vermelhas” que o PS tanto explorou ficou, em meia dúzia de dias, reduzida a um ponto percentual do IRC. Diferenças entre estes partidos haverá, mas não houve, nem há uma verdadeira oposição ao Governo PSD/CDS e, ainda menos, uma alternativa política ao rumo que o País está a levar.

A abstenção do PS neste orçamento não pode deixar de o responsabilizar pelo que aí está. Na prática, os votos e os deputados que alcançaram, independentemente da retórica do seu Secretário-Geral, estão a ser usados para facilitar a vida ao Governo e servir o grande capital. Na verdade, a oposição a este Governo nunca esteve no PS, nem passou agora para o Chega, como alguns se apressam a dizer.

Da parte do PCP, que desde o primeiro momento denunciou e combateu a política deste governo, incluindo com a apresentação de uma moção de rejeição ao seu programa, nunca houve hesitação, antes determinação na denúncia, no combate, na proposta, na afirmação de uma política alternativa que responda aos interesses dos trabalhadores e do povo.

Uma alternativa que tem como pressuposto a ruptura com a política de direita e que tem no PCP, na sua determinação, na sua coerência, na sua coragem e no seu projecto, o seu principal impulsionador, incluindo na convergência de democratas e patriotas para esse objectivo, e na dinamização da luta, que será sempre determinante para travar este rumo e abrir, com os valores de Abril, novas perspectivas para o País. Uma alternativa que também se vai expressar nas próximas eleições autárquicas com o papel determinante que a CDU assume, como a grande força de esquerda no poder local e que não se confunde, como alguns gostariam, com os que se invocando de esquerda, fazem a política de direita.

Vasco Cardoso