- Nº 2654 (2024/10/10)

Do estado do mundo

Opinião

Em última análise, a evolução explosiva da situação internacional é o espelho da estagnação económica e arrastada crise do capitalismo. Os EUA são a cabeça desta realidade e exemplo, por excelência, da correspondente trajectória de declínio, mas não há potência imperialista do G7 que escape a este quadro. São da sua essencial responsabilidade o agravamento da instabilidade mundial e, muito em particular, o perigoso incendiar dos conflitos no Leste da Europa, Palestina e Médio Oriente.

Sem o decisivo apoio e cobertura de Washington e do imperialismo em geral, o poder criminoso sionista não teria sobrevivido, a ignóbil ocupação das terras palestinianas não seria sustentável e o governo genocida de Netanyahu não teria condições para executar a indescritível matança e política de extermínio a que o mundo assiste há 12 meses em Gaza e na Palestina e que agora Israel é “autorizado” a estender ao Líbano. Sem a acção dos EUA, da NATO – e da UE, sem surpresa, rendida a uma subserviência ultrajante (cavando a sua sepultura) – a Ucrânia, entregue ao poder golpista lesa-pátria instaurado na Maidan, não continuaria a ser sacrificada e destruída no altar da insana “derrota estratégica” da Rússia. Uma Rússia capitalista emergente que herdou da URSS, e logrou conservar, a paridade de poder nuclear estratégico com os EUA e foi relegada do estatuto de consorte menor do G8, passando a ser diabolizada pelo imperialismo (já vai longe o elogio de Clinton e das “democracias ocidentais” ao governo de Iéltsin no golpe anti-constitucional de Outubro de 1993) e encarada como o “elo fraco” no tabuleiro da geopolítica mundial.

A tensão extrema vivida na crise dos mísseis de Cuba, no início dos anos 60, desvanece-se perante a escalada do actual conflito armado na Europa e a decretada transição acelerada para uma economia de guerra, tendo como fio nevrálgico o alargamento da NATO. E se na Europa a implantação em curso de meios militares ofensivos visando a Federação Russa não tem paralelo desde o quadro da II Guerra Mundial, não menos grave é a carga inflamável que os EUA, arrastando vassalos e ditos aliados e parceiros, investem na vasta contenção e desestabilização da China em toda a região da Ásia-Pacífico. A verdade cada vez mais palpável é que o desenvolvimento a todos os níveis da China, incluindo como o principal mobilizador da emergência do chamado “Sul Global”, e a realização das metas de modernização socialista de 2035-2050, são vistos como uma ameaça existencial para o sistema de poder com sede em Washington.

A obnubilação da contenda e desordem mundiais – e nem vamos à acção perversa do imperialismo em África e na América Latina – socorre-se dos instrumentos de reprodução da ideologia dominante. Contudo, as suas narrativas exibem pilares fragilizados. É o caso da estafada divisão do mundo entre democracias e autocracias, tornada uma lenga-lenga para incautos. O embuste da abstração do conceito de “democracia liberal” é o reverso da medalha do real e saliente estiolamento, quando não depredação, da democracia nos países do capitalismo desenvolvido e na ordem mundial por si corporizada. De democracia económica nem se fala, credo.

Voltando ao início destas linhas, seria mais produtivo questionar: até quando a colossal dívida pública dos EUA vai continuar a crescer sem levar à implosão de Wall Street e do poder exorbitante do dólar?

 

Luís Carapinha