- Nº 2652 (2024/09/26)

No 75.º aniversário da revolução chinesa

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No próximo dia 1 de Outubro, culminando o triunfo daquela que foi a mais importante revolução social do século XX depois da Revolução de Outubro, assinalam-se 75 anos da proclamação da República Popular da China. Ao evocar tão marcante acontecimento, rendemos homenagem à heroica gesta libertadora dos comunistas e de milhões de camponeses e operários chineses e procuramos contribuir para o conhecimento do processo, original como todos, que conduziu ao impetuoso desenvolvimento económico da China e à sua incontornável influência internacional.

Fazê-lo é tanto mais importante quando a República Popular da China, que desde o primeiro momento se confrontou com a hostilidade do imperialismo, está a ser alvo de uma ofensiva para a qual os EUA procuram arrastar as demais grandes potências imperialistas.

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Hoje, a China representa muitíssimo no processo de rearrumação de forças que está a pôr em causa a hegemonia (em declínio) dos EUA e seus aliados do G7 no plano mundial. É por isso, e também pelo que pode representar a sua experiência e as suas realizações para outros países que aspiram a libertar-se das grilhetas do colonialismo e do imperialismo, nomeadamente em África, que o imperialismo está a criar uma situação perigosíssima na região Ásia-Pacífico, e particularmente em torno de Taiwan, com uma sucessão de provocações dos EUA e seus aliados. O sistema capitalista em decadência não se conforma com empreendimentos que, com a direcção do partido comunista e o objectivo do socialismo, mostram que é possível resolver no interesse do povo problemas de colossal dimensão e avançar para os mais elevados patamares do desenvolvimento científico e tecnológico.

O PCP sempre considerou que não há «modelos» de revolução e que é a cada povo que compete escolher o seu caminho de desenvolvimento. Podemos ter, e temos, interrogações e preocupações quanto a eventuais desenvolvimentos de problemas e contradições inerentes ao próprio «sistema de mercado socialista» que, como no caso da corrupção ou das desigualdades sociais, são reconhecidos e combatidos pelos camaradas chineses. O PCP tem para Portugal a sua própria concepção de socialismo, mas procura aprender com a experiência de outros partidos e é com o maior interesse e espírito solidário que acompanha um empreendimento cujo sucesso é da maior importância para as forças do progresso social, da paz e do socialismo.

Claro que não é possível compreender o processo da revolução chinesa sem o situar no seu contexto histórico. Isto que é verdade para qualquer revolução é-o por maioria de razão para a revolução num país em que quase tudo tem uma dimensão incomparavelmente maior do que aquela com que estamos mais familiarizados. Civilização milenar. Dimensão territorial imensa. Cerca de um quinto da população mundial. Um grande número de nacionalidades, etnias e línguas. E, até (tirando lições da própria experiência e da experiência mundial do socialismo), a consideração de que a China se encontra ainda na «fase primária do socialismo» (que se aponta completar por ocasião do Centenário da Revolução, em 2049) e que a construção do socialismo será tarefa de várias gerações.

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Com a proclamação da República Popular da China por Mao Tsé-Tung, em 1 de Outubro de 1949, ficava para trás uma longa história de violenta exploração de tipo feudal, mas também de revoltas poderosas como a dos Taipings (1847-1874). E ficava também o negro tempo de submissão ao imperialismo, que ficou conhecido como «Século de Humilhação». Um século de violência, massacres e rapina em que são marcos salientes as guerras do ópio conduzidas pela Grã-Bretanha (1839-42 e 1856-60), a imposição dos tratados desiguais, a marcha em Pequim dos exércitos expedicionários das potências capitalistas, em 1900, a criminosa ocupação japonesa de 1937-45. Na sequência do derrube da dinastia Manchu e da implantação da República, com Sun Yat-Sen em 1911, do movimento anti-imperialista de 4 de Maio de 1919, e da criação do PCC pela classe operária de Xangai, em 1921, a revolução iria finalmente restituir ao povo chinês a sua dignidade.

Uma revolução democrática, antifeudal e anti-imperialista que proclamou que «só o socialismo pode salvar a China». Uma revolução conduzida pelo Partido Comunista, fundado sob a bandeira do marxismo-leninismo, teoria que, afirmam os camaradas chineses, chegou à China com «as salvas da Revolução de Outubro». «Servir o povo» foi e continua a ser o lema que guiou o PCC à vitória no longo percurso que passou por grandes lutas da classe operária de Xangai, Cantão e outras cidades; pela aliança entre o PCC e o Kuomintang, rompida por Chiang Kai-shek com o terrível massacre de milhares de comunistas em Shangai, em 1927; pela deslocação do centro de gravidade da acção do PCC clandestino para os campos e a criação de sovietes dirigidos pelos comunistas; pela Longa Marcha que, durante um ano (1934/35), percorreu mais de 10.000 km, da província de Jiangxi até à província do Shaanxi, onde instalou a base revolucionária de Yanan; pelo combate ao invasor japonês de 1937 a 1945 e, depois, pela luta contra a ditadura burguesa do Kuomintang, até à derrota de Chiang Kai-shek e à sua vergonhosa fuga para a ilha de Taiwan (Formosa).

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Na saudação ao camarada Xi Jinping por ocasião do centenário da fundação do Partido Comunista da China (23 de Julho de 2021), o camarada Jerónimo de Sousa afirmou que «num processo complexo e acidentado, a revolução chinesa mostrou a superioridade do socialismo, mobilizando a energia criadora das massas populares, desenvolvendo as forças produtivas, vencendo os flagelos da fome, da doença, do analfabetismo, alcançando grandes realizações nos planos económico, social e cultural, transformando um país economicamente atrasado numa grande potência industrial dotada das mais avançadas conquistas da ciência e da tecnologia e com um influente papel no plano internacional».

Não são palavras de circunstância. Como todos os processos revolucionários, o processo da revolução chinesa, antes e depois da conquista do poder, está longe de ser linear e envolveu períodos amargos para o povo chinês e para o movimento comunista internacional (como a Revolução Cultural), que se reflectiram nas próprias relações entre o PCP e o PCC, interrompidas durante muitos anos.

Porém, o que globalmente caracteriza a evolução da República Popular da China, mesmo reconhecendo desafios, problemas e contradições que é necessário vencer e superar, são os seus extraordinários avanços e realizações. Basta lembrar o atraso, a miséria e a sujeição nacional em que o país estava mergulhado há 75 anos. A revolução destruiu até aos alicerces um sistema que, apesar de importantes avanços civilizacionais (o papel, a imprensa, a bússola, a seda, a pólvora e muitas outras), oprimiu o povo durante milénios. Em poucos anos, fruto de uma poderosa mobilização popular e com a ajuda inicial da União Soviética, a China deu um grande salto no seu desenvolvimento industrial, tomou medidas para enfrentar as catástrofes naturais que periodicamente assolavam o país, venceu o analfabetismo e dotou-se de um sistema de ensino avançado, enfrentou o problema da sobrepopulação, combateu com sucesso a doença e libertou da fome extrema 700 milhões de chineses, num feito celebrado em todo o mundo como histórico.

A China define-se como um país ainda em vias de desenvolvimento. A diferença entre as zonas economicamente mais avançadas do Litoral e o Interior e Ocidente chinês é ainda muito grande, apesar das medidas para o superar. Mas por si só, a libertação dos camponeses chineses do inferno em que viviam (cerca de 80% da população à data da revolução) e a libertação da mulher da sua situação de cruel inferioridade, de tal modo que a sua vinda ao mundo era geralmente considerada uma infelicidade, constituem inequívocas expressões da superioridade do sistema económico e social chinês.

Um sistema que, passando por diferentes fases, conheceu um extraordinário desenvolvimento das forças produtivas e está hoje na dianteira em numerosos ramos científicos e tecnológicos, o que inquieta sobremaneira o imperialismo, que há muito viu goradas as esperanças de que a política de «reforma e abertura» adoptada com Deng Xiaoping, em 1978, pudesse levar a uma «evolução pacífica» de restauração do capitalismo.

É certo que a política de abertura ao capital privado e ao investimento estrangeiro continua a ocupar um lugar importante, o que arrasta consigo desigualdades e contradições que não podem subestimar-se. Mas o que limita ambições, económicas e políticas, dos capitalistas e determina o sentido e o conteúdo da evolução social (em que é notória a elevação do nível de vida e a «política de prosperidade comum») é um poderoso sector público que abrange os sectores chave da economia (financeiro, energia, transportes, telecomunicações, indústria de armamento), o sistema de planeamento estatal e, claro, o papel dirigente do PCC, cuja fidelidade aos ideais da revolução e a «aplicação do marxismo-leninismo às condições concretas da China», Xi Jinping e o Comité Central do PCC têm frequentemente sublinhado.

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75 anos após a proclamação por Mao Tsé-Tung, em 1 de Outubro de 1949, da República Popular, a China tornou-se um incontornável protagonista da cena internacional, nomeadamente pelo seu papel em organizações de articulação multilateral (como o BRICS, a Organização de Cooperação de Xangai , o G77 + China ou o empreendimento da «Nova Rota da Seda»), pela sua política de paz e cooperação internacional, tendo como base afirmada os cinco princípios da coexistência pacífica e as suas reiteradas propostas para a construção de «uma comunidade de destino comum para a humanidade».

É evidente que um tal protagonismo não podia senão suscitar ainda mais o nervosismo e a hostilidade do imperialismo norte-americano. Hostilidade que vem de longe; que colocou os EUA ao lado de Chiang Kai-shek na guerra civil de 1945-49 e o ajudou a refugiar-se em Taiwan e a implantar aí uma ditadura fascista; que, logo após o triunfo da revolução, desencadeou a sangrenta guerra da Coreia (1950-53) em que combateram um milhão de chineses; que impediu que até 1972 a RPC ocupasse o seu lugar no Conselho de Segurança da ONU; que transformou Taiwan numa plataforma de provocação contra a China, ameaçando a sua integridade territorial e a sua soberania.

Hostilidade que envolve uma autêntica guerra económica e tecnológica visando «conter» o desenvolvimento da China e afastá-la das cadeias internacionais de valor, ao mesmo tempo que intensifica a corrida aos armamentos e constrói alianças militares claramente orientadas contra a China de Norte a Sul da região Ásia-Pacífico, como a AUKUS ou o Quad.

Seria grave erro subestimar os perigos desta hostilidade, e mais grave ainda considerar que se trata de uma competição entre rivais pelo domínio do mundo, como pretendem alguns, num posicionamento professoral e absurdo, que desresponsabiliza o imperialismo pela demencial corrida aos armamentos e pela escalada de confrontação que está a ameaçar o mundo com uma guerra de catastróficas proporções.

Por seu lado, o PCP acompanha com o maior interesse e espírito solidário a acção dos camaradas chineses para a concretização dos elevados ideais da sua revolução libertadora e a sua contribuição para a causa do progresso social, da paz e do socialismo.

Albano Nunes