- Nº 2650 (2024/09/12)
Cineavante

Cinema que põe tudo em perspectiva

Festa do Avante!

Se o cinema é a arte da perspectiva, foi precisamente esta – histórica, de classe – que o CineAvante acrescentou a tudo quanto teve lugar na Festa do Avante!. Abraçados pela baía do Seixal, à beira do lago, presenteados com a possibilidade muito rara de ver cinema ao ar livre, os visitantes da Festa acolheram a escolha inspirada de – no ano em que celebramos 50 anos da Revolução do 25 de Abril – abrir a programação com 25 Canções de Abril, uma realização colectiva de 1977 coordenada por Luís Gaspar – camarada activo na célula do cinema do PCP no pós-25 de Abril – que transportou até 2024 na Quinta da Atalaia o espectáculo promovido pelo PCP em 1977 no Coliseu do Porto, com José Carlos Ary dos Santos, Luísa Basto, Adriano Correia de Oliveira, Tonicha, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho e Carlos do Carmo, entre outros. O filme, restaurado digitalmente este ano pelo Arquivo Nacional de Imagem em Movimento, teve a sessão apresentada pelo seu director Tiago Baptista, seguindo-se-lhe o documentário chileno Himno realizado por Martín Farías, que conta a história da canção O povo unido jamais será vencido, e que inclui uma entrevista inédita a Luís Cília, intérprete que trouxe a canção para o contexto revolucionário português. Noite de encontro entre as canções da década de 70 e as de 2024 - cujo eco ao longe nos chegava do palco 25 de Abril.

No sábado à noite, curtas-metragens contemporâneas: Mau por um momento realizada por Daniel Soares, mostrou-nos, com uma perspectiva reveladora das injustiças de classe, um episódio na vida de um arquitecto no qual este é confrontado com o seu privilégio social face à realidade da população de um bairro social em Almada que este está a ajudar a gentrificar. Por outro lado, a animação Percebes, realizado por Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, e que teve a sua sessão apresentada pelo arquitecto e mariscador algarvio André Martins, lembrou-nos que o trabalho está no centro de toda a vida: não há comida sem que alguém tenha tido o trabalho de a apanhar. Na mesma noite, A Flor do Buriti realizado por Renée Nader Messora e João Salaviza, mostrou-nos como a luta dos povos indígenas, neste caso o povo craô no estado do Tocantins, no Brasil, massacrados pelo capitalismo até hoje, é a mesma luta que travam todos os povos do mundo.

No domingo, a média-metragem 2720, realizada por Basil da Cunha, trouxe até à Quinta da Atalaia o bairro da Reboleira na Amadora, e com ele a realidade do povo oprimido pela desigualdade imposta pela classe dominante às classes exploradas, da qual continuam a ser vítimas tantos descendentes de populações colonizadas. Parelha perfeita com As Melusinas à Margem do Rio realizado por Melanie Pereira, que retrata numa perspectiva consciente da sua classe os traumas infligidos aos filhos da classe trabalhadora pelo sistema capitalista no seu sistémico aliciamento ao desenraizamento e à emigração. Sessão apresentada pelo produtor do filme, Pedro Neves, que disse ao Avante! que «exibir As Melusinas na Festa do Avante! é partilhar o nosso trabalho no espaço com mais alegria e solidariedade por metro quadrado que conheço».