Plano de emergência para a Saúde do Governo só responde à «urgência» dos privados em lucrar

Foi a 29 de Maio que o Governo PSD/CDS aprovou o Plano de Emergência e Transformação na Saúde. Volvidos três meses, a situação do SNS, dos seus utentes e profissionais continua a agravar-se. Afinal, a quem estão a servir as medidas de urgência adiantadas pelo actual executivo? O Avante! responde: ao sector privado da saúde.

O plano de emergência para a saúde do Governo é sobretudo «um plano de negócios para os grupos privados»

No total, o Governo apresentou 54 medidas, estruturadas em cinco eixos: Resposta a Tempo e Horas; Bebés e Mães em Segurança; Cuidados Urgentes e Emergentes ; Saúde Próxima e Familiar e Saúde Mental. O prazo apontado para as medidas urgentes era precisamente de três meses, tendo outras um horizonte mais alargado.

Ora, três meses passados, continua crítica a situação do SNS, dos seus profissionais e utentes, que enfrentam crescentes dificuldades no acesso aos cuidados de saúde.

Faltam profissionais, falta investimento e falta celeridade e qualidade na prestação dos cuidados. Delapidam-se os serviços, provoca-se insatisfação junto dos utentes, não se responde às exigências dos profissionais, transfere-se competências para o sector privado. Esta tem sido, de resto, a estratégia adoptada pelo actual Governo (na mesma linha dos seus antecessores, aliás) desde que tomou posse, a 2 de Abril.

Situação no SNS agrava-se
«A situação do SNS agravou-se e as dificuldades no acesso aos cuidados de saúde agudizaram-se. Aí está a realidade a comprová-lo», começou por salientar Paula Santos, no dia 29, numa conferência de imprensa do Grupo Parlamentar do PCP sobre a situação na saúde.

«Manifestam [o Governo] a intenção de reestruturar as urgências, quando bem sabemos que o que pretendem é encerrar definitivamente e concentrar os seus serviços», afirmou, explicando que o encerramento de serviços «não configura qualquer solução e só conduz à redução de capacidade do SNS», sendo isto «extremamente prejudicial para grávidas, parturientes, crianças e utentes».

«Quem beneficia com esta situação são os grupos privados», advertiu. Já a solução, afirmou a eleita, passa por «reforçar o investimento, pela valorização dos profissionais de saúde, nos seus direitos, carreiras e salários, pelo reforço do SNS, que tanto o anterior governo de maioria absoluta do PS, como actual Governo PSD/CDS recusaram».

«Perante uma situação que é intolerável, o Governo procurou passar à margem deste problema, como se não tivesse responsabilidades», acusou. «Continuou deliberadamente a ignorar os constantes apelos dos profissionais de saúde e dos utentes para garantir condições de trabalho, valorizar carreiras e salários e assegurar o adequado funcionamento dos serviços públicos, mantendo-se obstinado na transferência de cuidados e de recursos para os grupos privados que lucram com a doença», acrescentou.

Solução não está no privado
Segundo Paula Santos, e de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), há mais hospitais privados (131) do que públicos (112), mas o acesso aos cuidados de saúde nunca foi tão difícil como hoje, o que demonstra, contrariamente ao que afirmam as forças de direita, que o «privado não é solução, nem garante o acesso à saúde, porque o que lhe importa não é a saúde, mas o negócio da doença e a maximização dos seus lucros».

«A transferência de recursos financeiros do SNS para os grupos privados serve para tirar cada vez mais profissionais de saúde do SNS e para o seu progressivo desmantelamento», criticou. E «cada euro que vai do orçamento da saúde para os grupos privados», alertou, «são mais profissionais de saúde que saem do SNS, são menos recursos para assegurar os meios e as condições de funcionamento das unidades e dos serviços de saúde do SNS».

 

Olimpíadas da Saúde em Lisboa

No dia 29, face à dramática situação que se vive no SNS e, em particular, nas maternidades da Grande Lisboa, a Plataforma Lisboa em Defesa do SNS realizou a cerimónia de abertura das Olimpíadas da Saúde, uma série de iniciativas que irá culminar, no dia 20 de Setembro, numa grande acção de luta pelo direito à saúde.

Foi em frente à Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, que se reuniram vários utentes, profissionais de saúde e activistas das diversas associações que compõem a plataforma. Seguravam faixas onde se lia «Serviços Públicos de proximidade e qualidade! Exigimos o cumprimento da Constituição», «Reforçar o SNS, Promover o bem estar das Populações», «Defender Abril é ter direito à saúde», «Grávidas preocupadas, Mulheres indignadas, SNS mais forte, universal e gratuito» ou «Alverca precisa de mais médicos».

João Ferreira, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP e vereador na Câmara Municipal de Lisboa (CML), esteve presente na iniciativa. «Aquilo que se passa com o encerramento de serviços de urgência, nomeadamente obstetrícia e pediatria, por todo o País, serve bem de exemplo da situação em que está o SNS e das dificuldades que a população tem hoje em aceder a cuidados de saúde», afirmou o dirigente em declarações prestadas no local.

«Também em Lisboa, a população sente as consequências desta política», assinalou, acusando a CML e o seu presidente de anunciarem medidas que «não vão no sentido de assegurar o reforço e o direito à saúde». Na opinião do eleito, a contratação de serviços médicos a entidades privadas ou abertura de balcões em bairros municipais acaba por deixar a população numa situação mais vulnerável, seja porque desarticula e segmenta aquilo que deveria ter uma visão integrada: os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares, seja porque se insere num objectivo mais geral de ataque ao SNS.

«É por estas razões que os vereadores do PCP na CML aqui estão, em solidariedade com os utentes, os trabalhadores e a população em luta», disse por fim.

 

O estado do SNS

• Mais de metade do orçamento do SNS para 2024 (15 mil milhões), cerca de 8 mil milhões de euros está a ser entregue ao sector privado (gastos com medicamentos, aquisição de bens correntes e aquisição de serviços). O SNS gasta quase 2 mil milhões de euros em compras de meios de diagnóstico e terapêutica (exames, análises e tratamentos) ao sector privado. Valor que aumento mais de 30% nos últimos 10 anos

• O número de serviços encerrados a cada dia é incerto, mas tem sido uma realidade recorrente ao longo dos últimos tempos. Só no dia 1 de Setembro eram 17 os serviços encerrados por todo o País.
Sem mais profissionais não se vai resolver este problema e o Governo prepara-se para encerrar definitivamente algumas das urgências, tentando a concentração de profissionais. É a chamada «reestruturação das urgências» que tem vindo a ser anunciada

• 1 milhão e 650 mil utentes passaram o mês de Julho sem médico de família

• Quase 30% dos médicos do SNS não estão com horário completo (40 horas semanais)

• Contratos de 30 ou 20 horas são comuns, como forma de manter os médicos que acumulam com a actividade privada

• De acordo com a Ordem dos Médicos, mais de metade dos especialistas em Ginecologia/obstetrícia e quase 40% dos pediatras estão fora do SNS. Uma importante percentagem, cerca de 30%, de especialistas em medicina geral e familiar também não está no SNS.

• Os portugueses pagam directamente cerca de 30% dos custos com a saúde, uma das mais altas percentagens na UE

• Nos últimos 20 anos, o SNS perdeu mais de 4 mil camas hospitalares

 

PCP propõe debate e exige respostas imediatas

O PCP vai propor a realização de um debate sobre a situação do SNS com a presença do Governo na comissão permanente prevista para o próximo dia 11 de Setembro.

Exige-se do Governo respostas imediatas para assegurar o funcionamento dos serviços:

- o aumento da remuneração base dos profissionais, carreiras com progressão, dedicação exclusiva com majoração de 50 por cento;

- o reforço do investimento e financiamento do SNS;

- a contratação imediata dos médicos recém especialistas recentemente formados;

- a gratuitidade de medicamentos para maiores de 65 anos, doentes crónicos e com insuficiência económica.

 

Fatiar o SNS e entregar as peças aos privados

No sábado, dia 31, Paulo Raimundo esteve junto ao Hospital Garcia de Orta, em Almada, para assinalar o facto de não haver uma única urgência de obstetrícia aberta, naquele dia, na península de Setúbal, área com cerca de 800 mil habitantes. No sábado, este foi também o único hospital com urgência de pediatria aberta na Península inteira.

«Cada um que se ponha no lugar destas grávidas, dos pais e da restante família para perceber o significado desta situação», apelou Paulo Raimundo, afirmando que esta é uma situação de «instabilidade e insegurança permanente que não pode continuar».

«Quando o Governo apresentou o seu plano de emergência, com as suas diversas medidas e calendários, nós avisámos que, tudo espremido, esse plano não responderia aos problemas do SNS e que serviria apenas para afectar verbas públicas ao sector privado. Passados estes três meses, aí estão os resultados», criticou.

«Não há médicos, não há urgências de obstetrícia, de pediatria e urgências gerais abertas. Qual é a solução das pessoas? É ir à saúde do privado», apontou. «Na perspectiva do Governo isto está tudo certo, na nossa está tudo errado», acrescentou o Secretário-Geral.

Segundo Paulo Raimundo, os utentes sabem, por experiência própria, que o SNS é o único que não lhes pergunta quanto é que têm na conta bancária para os socorrer, se a doença é cara ou barata para socorrer. «Não pergunta se têm ou não têm seguro de saúde», acrescentou.

«Qual é o caminho?», questionou, «é o de fixar profissionais, de resolver problemas de gestão, do ponto de vista de meios, recursos e recursos humanos, mas não só. Não é um caminho de acelerar o caminho de desmantelamento, de mais oportunidades de negócio, de transferir milhares de utentes para o sector privado que é o que está em curso. Esta é que é a diferença».