- Nº 2648 (2024/08/29)

Ameaça nuclear

Opinião

A Casa Branca confirmou as notícias de que Biden aprovou a actualização da estratégia nuclear, cujo conteúdo é largamente mantido em segredo. Diz o New York Times (20.08.24) que a revisão da doutrina de armas nucleares dos EUA tem como foco a «ameaça chinesa» e a preparação para uma «possível» confrontação nuclear combinada com a «Rússia, China e Coreia do Norte». No Pentágono já se admite que os Estados Unidos «entraram numa nova era nuclear», mas a revisão da doutrina nuclear da maior potência militar mundial permanece inacessível ao escrutínio público.

Afigura-se, no entanto, plausível sublinhar dois aspectos cruciais. Primeiro, a aposta na expansão do arsenal de armas nucleares, a partir da estratégia adoptada da sua modernização, incluindo o desenvolvimento de armas nucleares miniaturizadas. Linha afim com o abandono unilateral dos EUA de relevantes acordos internacionais de controlo de armamentos, em particular a saída, em 2019, do tratado de armas nucleares de médio alcance assinado ainda com a URSS, e a via assumida de «banalização» do emprego do nuclear, nomeadamente, no plano táctico. Segundo, a conversão em curso da China como o principal alvo da doutrina nuclear norte-americana, em mais um desenvolvimento de monta inserido no novo patamar qualitativo da estratégia de confrontação anti-China dos EUA e do imperialismo em geral (centrada na plano económico e tecnológico). O país e sistema de poder, sob direcção do PCC, que o establishment norte-americano nomeia como o grande desafio sistémico (à sua hegemonia). Washington invoca que dentro de uma década o arsenal nuclear de Pequim – cuja doutrina, ao contrário dos EUA e demais potências nucleares da NATO, mantém a garantia de nunca usar a arma nuclear em primeiro lugar – atingirá o nível actual dos EUA e da Rússia.

A argumentação dos EUA, reproduzida pelos média dominantes, é cínica e falaciosa. Directa e indirectamente, com a sua extensão de aliados e sócios da NATO, são o grande proliferador nuclear no planeta. Não há como o negar. Não só dispõem do maior e mais perigoso arsenal nuclear e de armas ofensivas do mundo, como há muito constituem o grande instigador da conflitualidade internacional que vem socavando a segurança nos planos regional e mundial. Do intervencionismo e política arbitrária de ingerência e agressão, erguendo-se à condição de polícia mundial a quem é dado o poder impune de espezinhar a Carta da ONU e as normas do direito internacional – que Washington quer ver substituídas pelo edifício ad-hoc de um «mundo baseado em regras» –, à aposta no belicismo, corrida armamentista e na guerra como forma encarada de saída para o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e o feixe, insolúvel, de desequilíbrios que assola a economia dos EUA.

Esta é a realidade fundamental a ter presente quando se anuncia a «nova era nuclear», ou quando, concomitantemente, se assiste à invocação da necessidade de uma «economia de guerra» das principais potências e blocos imperialistas.

Estejamos, em particular, atentos ao sentido da guerra e confrontação na Europa. À expansão da NATO e deslocação sem precedentes desde a IIGM de meios para Leste, ao significado da operação em Kursk e às ameaças veladas de escalada da guerra, aos genuflexos apelos à guerra que soam nas capitais da UE e no Reino Unido. Até porque os EUA precisam de se concentrar na China...

 

Luís Carapinha