- Nº 2645 (2024/08/8)

Governo comporta-se como o agente de negócios do sector privado

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«Cada euro que o Governo transfere para o privado custa dois ao SNS: um que tem de pagar aos privados com o seu orçamento e outro que deixa de ter disponível para investir nos serviços públicos», afirmou Bernardino Soares, do Comité Central, pondo em evidência como a «política do Governo favorece o sector privado e enfraquece o SNS e o direito à Saúde».

Este era de resto o tema da declaração que o dirigente comunista proferiu, dia 1, na Sede Nacional do PCP, em Lisboa, no decurso da qual expressou preocupação pela situação crítica em que vivem o SNS, os seus profissionais e utentes.

Faltam profissionais, falta investimento e falta celeridade e qualidade na prestação dos cuidados. A estratégia deste e anteriores governos, posta em marcha desde há muito, é simples: delapidar paulatinamente os serviços prestados no SNS até que este chegue a um ponto de insuficiência e ruptura, provocar insatisfação junto de quem dele mais precisa, transferir competências para o sector privado e, finalmente, argumentar que o sector público da saúde é ingerível e já não serve aos portugueses.

Essa tem sido a estratégia seguida na área da saúde pelo actual executivo, na linha dos seus antecessores, e o objectivo é claro, segundo Bernardino Soares: «favorecer o negócio privado e desvalorizar o SNS, acelerando o que o governo anterior já tinha em curso». Lamentou, por isso, que para a população esteja «mais difícil o acesso aos cuidados de saúde».

«O Governo», criticou, «toma medidas conjunturais para problemas estruturais, que na verdade não quer resolver» e a «única política estrutural na saúde é, neste momento entregar ao privado aquilo que for do seu interesse, transferindo-lhe cada vez mais recursos públicos».

«O Governo», acusou ainda, «comporta-se como agente de negócios do sector privado. Governa para engrossar os seus lucros, mesmo que isso signifique negar o acesso à Saúde a largas faixas da população».

Investir no SNS é a única solução que serve a população
«Só o SNS, moderno, com infra-estruturas e equipamentos renovados, mais profissionais e profissionais valorizados, pode dar resposta completa às populações, apostar na prevenção, garantir a proximidade dos cuidados e diminuir significativamente os custos para as populações», salientou Bernardino Soares, para quem «este investimento no SNS é uma aposta no direito à saúde e um importante factor de desenvolvimento e justiça social, permitindo o acesso a todos, independentemente da sua condição socioeconómica».

O dirigente, a finalizar, saudou as mais recentes e próximas lutas dos médicos e dos enfermeiros, por melhores condições de trabalho e pela defesa do SNS.


Governo aposta na degradação do SNS

«Ao fim de quatro meses, entre demissões, nomeações e outras atribulações o que fez o Governo?», questionou, em termos retóricos, Bernardino Soares, antes de ele próprio responder, com esclarecimentos nada abonatórios para o Governo da AD.

- Não deu nenhuma resposta às questões dos profissionais de saúde, boicotando e adiando as negociações e, ao invés, propõe mais carga de trabalho; propõe suplementos e bónus em vez da melhoria da remuneração base;
- Manteve a situação de confusão em consequência da criação das Unidades Locais de Saúde que antes criticava;
- Retardou os concursos para os médicos recém especialistas deixando-os à mercê da contratação pelos privados;
- Tem em curso medidas de limpeza administrativa de lista de utentes em espera para médico de família (130 mil utentes) ou consultas de especialidade (com o reenvio de milhares para os cuidados primários);
- Não resolveu os encerramentos sistemáticos de urgências e outros serviços;
- Agravou o já baixíssimo nível de investimento público (15,6por centono final do primeiro semestre), e tem em perigo a execução de vários projectos PRR;
- Prepara-se para retirar mais funções dos centros de saúde do SNS para entregar ao sector privado, como as farmácias.


Acesso à saúde está mais caro

Em consequência das políticas predatórias dos últimos governos, a saúde, para além de mais cara, está mais inacessível para os portugueses:

- Aumentam os custos pagos directamente pelas famílias, em média 5,2 por cento dos orçamentos familiares, a terceira maior percentagem da OCDE (quase 8 mil milhões de euros por ano, um valor que aumentou 33% entre 2020 e 2022 e que, em 2023, deverá ter sido superior);
- São preocupantes as despesas com medicamentos e a incapacidade, da população com menores rendimentos, para os comprar, em particular idosos (30% enfrentam despesas de pelo menos 10% do seu rendimento);
- Mantém-se mais de 1 milhão e 600 mil utentes sem médico de família;
- Muitas famílias não têm qualquer hipótese de recorrer ao sector privado e ficam sem acesso aos cuidados de saúde;


Acelerar o favorecimento dos privado

Prosseguindo a acção do seu antecessor, o Governo tem em vista:

- A privatização dos cuidados de saúde primários de cerca de 800 mil utentes;
- Avançar na partilha de dados em saúde com os grupos privados quando o mesmo continua a não ser possível entre grande parte dos estabelecimentos do SNS; apesar dos anúncios, não está em curso um verdadeiro projecto de Registo de Saúde Electrónico/Processo Clínico Electrónico;
- Retomar as PPP, a somar às que o PS deixou, alargando o papel da Altice, através da manutenção da gestão privada da Linha SNS24;
- Aumentar a contratação de exames e tratamentos ao privado com custos acrescidos para o SNS (mais 30% em cinco anos);
- Entregar centenas de milhares de consultas ao sector privado.


Privado floresce

Entre 2020 e 2022 as receitas do privado aumentaram 30%. Em 2023, os lucros do grupo Luz Saúde aumentaram 16% e os do grupo CUF 9,5%. No entanto, as taxas efectivas de IRC destes dois grupos são, respectivamente, de 4% e 11,1%, apesar da taxa nominal ser de 21%.

Preparam-se mais investimentos e a construção de novas unidades, só possíveis com a garantia, por parte do poder político, de sustentabilidade financeira.

Também na indústria farmacêutica o aumento dos lucros tem sido vertiginoso: os custos do SNS com medicamentos aumentaram 30% em cinco anos, quer na despesa hospitalar, quer nas comparticipações em farmácia. Os custos para utentes também aumentaram.


PCP tem soluções imediatas

Medidas que, entre outras, se impõem no imediato:

- O aumento da remuneração base dos profissionais, carreiras com progressão e dedicação exclusiva com majoração de 50% no SNS;
- O reforço imediato do investimento e financiamento do SNS;
- A gestão pública, com autonomia, de todas as unidades do SNS e dos respectivos serviços;
- A contratação imediata dos médicos especialistas recentemente formados;
- A gratuitidade de medicamentos para maiores de 65 anos, doentes crónicos e com insuficiência económica;
- A fiscalização da prestação dos cuidados no sector privado, quer os que são contratados pelo SNS ou outras entidades públicas, quer os que são prestados directamente aos utentes;
- Racionalizar gastos com medicamentos, designadamente de consumo hospitalar, reforçando os meios do Infarmed e das comissões de farmácia e terapêutica de cada unidade.