Debate sobre o estado da nação comprova

Um Governo ao serviço dos poderosos e sem resposta para os problemas

Paulo Rai­mundo acusou o Go­verno de ig­norar os pro­blemas das pes­soas e de optar por, «ra­pi­da­mente e em força, res­ponder aos in­te­resses dos grupos eco­nó­micos», dei­xando a ga­rantia de que tal po­lí­tica terá pela frente o com­bate do PCP.

Esta po­lí­tica não re­solve os pro­blemas da vida das pes­soas

Foi pela mão do PCP que temas como o au­mento dos sa­lá­rios e pen­sões ou o custo de vida es­ti­veram em foco no de­bate do es­tado da nação

«Dos ae­ro­portos à rede eléc­trica, das auto-es­tradas aos cui­dados de saúde, tudo gira em função dos grandes in­te­resses, esses sim têm ra­zões para viver com con­fi­ança, e nem o INEM es­capa a este rolo com­pressor, com os he­li­cóp­teros que pre­cisa, mas que não tem», afirmou o Se­cre­tário-Geral do PCP, re­jei­tando esse «ca­minho» que «de­ses­ta­bi­liza a vida de mi­lhões de pes­soas e não res­ponde aos pro­blemas», essas «op­ções que, ao mesmo tempo que criam 5 mil novos mi­li­o­ná­rios, em­purram mais 40 mil cri­anças para a po­breza».

O líder co­mu­nista fa­lava, dia 17, no de­bate sobre o es­tado da nação, que es­pe­lhou neste final de sessão le­gis­la­tiva a na­tu­reza das op­ções de fundo que nor­teiam a acção do Go­verno, pouco mais de cem dias após a sua in­ves­ti­dura.

E foram de facto vi­sões dis­tintas sobre a re­a­li­dade do País e o seu fu­turo que es­ti­veram em con­fronto, num de­bate onde foi no­tório quem pa­re­cesse estar mais pre­o­cu­pado – o pri­meiro-mi­nistro, desde logo,mas também qua­drantes da opo­sição -, em re­flectir não sobre os pro­blemas e de­sa­fios que estão co­lo­cados ao País mas sobre dis­po­ni­bi­li­dades econ­di­ções para a apro­vação do pró­ximo Or­ça­mento do Es­tado, cujo pro­cesso de apre­sen­tação e dis­cussão só ocor­rerá lá para o Ou­tono.

O foco na vida das pes­soas

Sem qual­quer ex­pec­ta­tiva sobre tal do­cu­mento, nem to­mando parte nessa ne­go­ci­ação, a pre­o­cu­pação do PCP foi outra e o seu foco es­teve ex­clu­si­va­mente cen­trado na acção go­ver­na­tiva e suas con­sequên­cias sobre a vida das pes­soas.

E a ava­li­ação di­fi­cil­mente po­deria ser mais ne­ga­tiva. Foi-o, desde logo, em re­lação aos muito pa­cotes e anún­cios apre­sen­tados pelo Go­verno, que «passam ao lado do que é pre­ciso para en­frentar os pro­blemas», como sa­li­entou Paula Santos, pre­si­dente do Grupo Par­la­mentar do PCP. Ou seja, anún­cios que não passam disso mesmo, muita parra e pouca uva, ex­cepção feita aos que fa­vo­recem os mais ricos, onde, aqui sim, há me­didas con­cretas, como a des­cida do IRC.

Daí a crí­tica cer­rada da ban­cada co­mu­nista ao que con­si­dera ser uma po­lí­tica di­ri­gida para fa­vo­recer os in­te­resses dos grupos eco­nó­micos, si­mul­ta­ne­a­mente ge­ra­dora de de­si­gual­dades e in­jus­tiças, factor de agra­va­mento das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores e do povo, de fra­gi­li­zação e de­gra­dação dos ser­viços pú­blicos.

O PCP re­jeita o ca­minho de pri­va­ti­zação e de­fende que para ga­rantir a pres­tação de cui­dados de saúde é ur­gente va­lo­rizar as car­reiras e sa­lá­rios dos seus pro­fis­si­o­nais

Con­traste fla­grante

Foi esse con­traste que re­sulta das op­ções do Exe­cu­tivo que o Se­cre­tário-Geral do PCP pôs em evi­dência, ano­tando que «para os tra­ba­lha­dores, para as po­pu­la­ções, para a ju­ven­tude, re­for­mados, para os pe­quenos em­pre­sá­rios e agri­cul­tores, para os utentes do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, há sempre jus­ti­fi­ca­ções, me­didas pon­tuais, ce­ná­rios macro, contas certas e nem mais um cên­timo», en­quanto que «para a mi­noria so­bram as opor­tu­ni­dades de ne­gócio, os apoios e todos os mi­lhões que forem ne­ces­sá­rios».

Esta é a re­a­li­dade que se mantém e apro­funda e que, em si mesma, des­mente a as­serção do pri­meiro-mi­nistro se­gundo a qual «a nação está em trans­for­mação». A ban­cada co­mu­nista de­mons­trou-o no ba­lanço que faz aos 100 dias de go­ver­nação, lem­brando o agra­va­mento das de­si­gual­dades e in­jus­tiças, a per­sis­tente falta de res­posta aos pro­blemas, o con­ti­nuado de­te­ri­orar das con­di­ções de vida e dos ser­viços pú­blicos. Um quadro que per­ma­nece em pa­ra­lelo com o des­ca­rado fa­vo­re­ci­mento dos po­de­rosos, de que é elo­quente exemplo a des­cida do IRC, que be­ne­fi­ciará so­bre­tudo os grupos eco­nó­micos (ver caixa).

«Isto não é ace­lerar a eco­nomia, é ace­lerar a acu­mu­lação, a in­jus­tiça e a de­si­gual­dade, é servir uns poucos grandes e ainda por cima em nome das pe­quenas em­presas», cons­tatou Paulo Rai­mundo, su­bli­nhando que as micro, pe­quenas e mé­dias em­presas do que pre­cisam é do «au­mento dos sa­lá­rios e da di­na­mi­zação do mer­cado in­terno, de menos custos na energia, nos ser­viços ban­cá­rios, no ar­ren­da­mento co­mer­cial, nos se­guros, nas te­le­co­mu­ni­ca­ções».

 

Quem cria a ri­queza são os tra­ba­lha­dores

O pri­meiro-mi­nistro pro­curou re­futar a acu­sação do PCP se­gundo a qual as op­ções do Go­verno são de­ter­mi­nadas pelo ob­jec­tivo de servir os in­te­resses dos grupos eco­nó­micos. «O Go­verno não go­verna para os ricos, mas para criar ri­queza», pro­clamou Luís Mon­te­negro.

«Não é ver­dade, se­nhor pri­meiro-mi­nistro», con­trapôs pron­ta­mente o de­pu­tado An­tónio Fi­lipe, re­al­çando que «quem cria ri­queza são os tra­ba­lha­dores, é o tra­balho que cria ri­queza».

Mais, «o que o Go­verno faz é com que os ricos se apro­priem cada vez mais dessa ri­queza», pros­se­guiu o par­la­mentar co­mu­nista, sus­ten­tando que «o Go­verno não cria ri­queza, o que faz é con­tri­buir para acen­tuar as de­si­gual­dades, que haja mais po­bres e que os po­bres sejam cada vez mais po­bres, en­quanto os muito ricos são cada vez mais ricos».

Se­gundo An­tónio Fi­lipe, «é isto que a po­lí­tica do Go­verno tem vindo a fazer», o que faz com que, frisou, haja «pes­soas que tra­ba­lhem um dia in­teiro, tra­ba­lhem uma vida in­teira, e não ga­nhem um sa­lário digno para viver, que haja tra­ba­lha­dores sem abrigo porque não têm di­nheiro para pagar uma ha­bi­tação».

Daí ter acu­sado o Go­verno de «acen­tuar as de­si­gual­dades», e isso, su­bli­nhou «não é mo­tivo de or­gulho para um go­verno».

 

Há uma po­lí­tica al­ter­na­tiva e tem pi­lares bem de­fi­nidos

O PCP não se li­mitou a de­nun­ciar os efeitos ne­ga­tivos da po­lí­tica ao ser­viço dos po­de­rosos se­guida pelo ac­tual Go­verno PSD/​CDS, pro­mo­tora ac­tiva de in­jus­tiças e de­si­gual­dades. Afir­mada com cla­reza, num forte sinal de con­fi­ança no po­ten­cial trans­for­mador da luta dos tra­ba­lha­dores e do povo, foi também a exis­tência de uma po­lí­tica al­ter­na­tiva, pa­trió­tica e de es­querda, como é a que os co­mu­nistas pro­põem ao País.

A líder par­la­mentar do PCP enu­merou de forma por­me­no­ri­zada as prin­ci­pais li­nhas cons­ti­tu­tivas dessa po­lí­tica al­ter­na­tiva, apon­tando desde logo como me­dida pri­o­ri­tária e ur­gente a va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios e das pen­sões, bem como o re­forço dos di­reitos dos tra­ba­lha­dores e a re­vo­gação das normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral. Trata-se, neste plano, con­cre­tizou Paula Santos, de re­vogar a ca­du­ci­dade da con­tra­tação co­lec­tiva e de repor o prin­cípio do tra­ta­mento mais fa­vo­rável ao tra­ba­lhador. Mas também de eli­minar «os me­ca­nismos que con­duzem à des­re­gu­lação dos ho­rá­rios de tra­balho», ao invés, de­nun­ciou, do que o Go­verno se pre­para para fazer, com «novos ata­ques aos di­reitos, para au­mentar a ex­plo­ração».

Ga­rantir di­reitos

Linha mestra da po­lí­tica al­ter­na­tiva é ainda a cri­ação de con­di­ções que ga­rantam «uma pers­pec­tiva de fu­turo para os jo­vens», o que passa por «sa­lá­rios dignos, vín­culos efec­tivos e es­tá­veis e o acesso à ha­bi­tação, e não por isen­ções de IMT ou re­dução do IRS para uns poucos, como o Go­verno aprovou, que be­ne­fi­ciam quem tem ren­di­mentos ele­vados».

A cons­trução de uma rede pú­blica de cre­ches, a par do alar­ga­mento da rede pú­blica de pré-es­colar, assim como a va­lo­ri­zação da car­reira e a pro­fissão do­cente são ou­tros ele­mentos ful­crais da po­lí­tica al­ter­na­tiva de­fen­dida pelos co­mu­nistas, para quem re­side aqui «a so­lução para ga­rantir di­reitos às cri­anças e à ju­ven­tude». Ainda em ma­téria de Edu­cação, Paula Santos deixou bem ex­pressa a re­cusa da sua ban­cada em aceitar que, de­pois de uma longa luta dos do­centes, o «Go­verno con­tinue a deixar 25 mil pro­fes­sores de fora da con­ta­bi­li­zação do tempo de ser­viço».

Já no plano da saúde, re­jei­tando o ca­minho da pri­va­ti­zação se­guido pelo Go­verno, de­fendeu a ne­ces­si­dade de «va­lo­rizar as car­reiras, os sa­lá­rios, as­se­gurar con­di­ções de tra­balho, avançar com re­gime de de­di­cação ex­clu­siva». É aí, su­bli­nhou a de­pu­tada co­mu­nista, que está a chave para «fixar e atrair pro­fis­si­o­nais de saúde para o SNS, ga­rantir a pres­tação de cui­dados e o fun­ci­o­na­mento dos ser­viços».

Um pro­jecto de fu­turo

Também as di­fi­cul­dades no acesso à ha­bi­tação, esse ver­da­deiro drama que atinge so­bre­tudo as ca­madas mais jo­vens, en­con­tram res­posta na po­lí­tica al­ter­na­tiva que o PCP propõe, por via, de­sig­na­da­mente, de me­didas como a de dis­po­ni­bi­lizar ha­bi­tação pú­blica, «pôr os lu­cros da banca a su­portar o au­mento das taxas de juro», travar a «es­pe­cu­lação e os ele­vados preços», «con­trolar e re­duzir o valor das rendas, dar es­ta­bi­li­dade e pôr fim aos me­ca­nismos que fa­ci­litam o des­pejo».

«É isso que pro­tege e ga­rante o di­reito à ha­bi­tação, não é in­cen­ti­vando e pro­mo­vendo a es­pe­cu­lação, como avança o Go­verno», afirmou Paula Santos.

Dos pi­lares que dão corpo à po­lí­tica al­ter­na­tiva fazem parte ainda a pro­moção da pro­dução na­ci­onal e o de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico, o que, de­ta­lhou a líder par­la­mentar co­mu­nista, exige uma po­lí­tica de in­ves­ti­mento pú­blico, de apoio aos sec­tores pro­du­tivos, à agri­cul­tura e às pescas, às micro, pe­quenas e mé­dias em­presas - e não a «re­dução do IRC para 15% como pre­tende o Go­verno, cujos be­ne­fi­ciá­rios são so­bre­tudo os grupos eco­nó­micos».

A re­cu­pe­ração do con­trolo pú­blico de em­presas es­tra­té­gicas e o com­bate às pri­va­ti­za­ções, bem como o re­forço dos di­reitos, dos sa­lá­rios e con­di­ções de tra­balho dos pro­fis­si­o­nais da jus­tiça e das forças e ser­viços de se­gu­rança, dos mi­li­tares e dos bom­beiros são duas ou­tras ver­tentes que dão su­porte à po­lí­tica al­ter­na­tiva, na qual se in­clui - e não menos im­por­tante – a de­fesa da co­o­pe­ração e ami­zade entre os povos, a paz, e, em par­ti­cular, a luta pelo re­co­nhe­ci­mento do Es­tado da Pa­les­tina e pelo fim do mas­sacre do povo pa­les­ti­niano.

 

Um maná para os grupos eco­nó­micos

Des­mon­tada por Paulo Rai­mundo foi a tese da falta de re­cursos in­vo­cada, em mais de uma oca­sião, pelo pri­meiro-mi­nistro. Este, em re­cente de­bate quin­zenal, gra­ce­jando, chegou mesmo a ad­mitir que po­deria ir ao en­contro das rei­vin­di­ca­ções de di­fe­rentes classes pro­fis­si­o­nais caso o líder co­mu­nista pu­desse adi­antar um em­prés­timo.

«O se­nhor pri­meiro-mi­nistro pediu em­pres­tado mas eu dou-lhe de graça três pistas onde pode ir buscar re­cursos para res­ponder à vida me­lhor que a mai­oria ne­ces­sita e pre­cisa», afirmou o Se­cre­tário-Geral do PCP, exem­pli­fi­cando com o res­gate das PPP ro­do­viá­rias (mais de mil mi­lhões de euros por ano que o Es­tado en­trega aos grupos eco­nó­micos); a exi­gência à Vinci de que «re­ponha os dois mil mi­lhões de euros que deve da cri­mi­nosa pri­va­ti­zação da ANA, que PSD, CDS e PS teimam em não querer es­cla­recer»; o fim dos be­ne­fí­cios fis­cais cujo valor ronda no total os 1600 mi­lhões de euros.

Daí Paulo Rai­mundo ter con­cluído que a questão não está «na falta de re­cursos», está «sim na opção que se toma e ao ser­viço de quem se toma», de que o exemplo mais re­cente é a des­cida do IRC - «a me­dida das me­didas», assim lhe chamou -, uma opção do Go­verno PSD/​CDS «ao ser­viço dos grupos eco­nó­micos e que cus­tará ao País nos pri­meiros quatro anos, caso ela avance, 4500 mi­lhões de euros».