Da cimeira da NATO só virá mais militarismo e guerra. A paz não passa por ali

Gustavo Carneiro

Em vésperas de mais uma cimeira, a realizar em Washington de 9 a 11 de Julho, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) confirma-se como a principal ameaça à paz e à segurança internacional: na agenda estão o prolongamento da estratégia de confrontação no plano mundial, a intensificação da corrida aos armamentos, a continuação do alargamento da NATO no Leste da Europa e a continuação e agravamento da guerra na Ucrânia, a ampliação da sua área de intervenção à Ásia-Pacífico, visando particularmente a China, ou o apoio da NATO a Israel, que massacra e oprime o povo palestiniano.

A NATO, instrumento da política externa norte-americana, é a principal responsável pela corrida aos armamentos

A cimeira, que começa daqui a alguns dias, anuncia desde já ao que vem. As últimas semanas, marcadas pelo afã preparatório da reunião magna deste bloco político-militar belicista, foram férteis em declarações reveladoras do ainda Secretário-Geral Jens Stoltenberg (que ao fim de uma década no cargo será substituído a partir de Outubro pelo ex-primeiro-ministro neerlandês Mark Rutte): o caminho «passa por mais armas para a Ucrânia»; «os gastos com defesa estão em trajetória ascendente em toda a aliança»; a China «tem de pagar» pelo seu posicionamento em prol da paz face à guerra na Ucrânia – foram apenas algumas delas, que deixam antever os objectivos da cimeira.

Mais armas, mais destruição
Numa visita recente aos EUA, Stoltenberg salientou que em toda a Europa e no Canadá os membros da NATO «estão este ano a aumentar os gastos em defesa em 18%. É o maior incremento de décadas». Na ocasião, o presidente norte-americano complementou a informação, salientando que o número de países a cumprir a «meta» dos 2% do PIB para a Defesa, assumida pela NATO em 2014, mais do que duplicou ao longo do seu mandato: eram 9 em 2020 e serão 23 no final deste ano.

O significativo aumento dos gastos militares previsto para este ano, tão valorizado por Jens Stoltenberg, irá acelerar a já de si extraordinária corrida armamentista que a NATO promove – e que tem anos: se os EUA são, de muito longe, o país do mundo com maiores gastos militares, representando no ano passado 40% do total mundial, a NATO no seu conjunto assumiu, em 2023, 55% (o que significa que os 31 países gastam muito mais com armas, bases e exércitos do que os restantes 164). E se aos membros da NATO acrescentarmos outros Estados «aliados», como Israel, Japão, República da Coreia (Sul) ou Austrália, a balança desequilibra ainda mais para o lado do imperialismo.

E não é tudo: os EUA têm cerca de 750 bases militares em mais de 80 países, o que representa entre 75 a 85% do total das bases militares em território estrangeiro: Alemanha, Japão e Coreia do Sul são os países com mais bases militares norte-americanas, instaladas também em Estados europeus, africanos, asiáticos e latino-americanos. Segundo o sítio www.overseasbases.net, da contabilidade «oficial» do Pentágno, que reconhece a existência de 625 bases, não constam as situadas em diversos países (Iraque, Síria, Kuwait, Kosovo) e algumas bases secretas em Israel e na Arábia Saudita.

A isto acrescem as frotas navais, autênticas bases móveis que os EUA dispõem pelo mundo de acordo com os seus interesses e conveniências. Particularmente marcante é a presença da Marinha norte-americana na Ásia-Pacífico (actualmente uma das regiões mais militarizadas do mundo) e no Médio Oriente, onde conta com Israel como principal aliado.

Prolongar a guerra rende muito a poucos
Relativamente à guerra na Ucrânia (e, em geral, à estratégia de confrontação face à Rússia), está dado o mote: prolongar a guerra o mais possível, agravando a confrontação e inviabilizando qualquer perspectiva de negociação visando a solução politica do conflito. Numa conferência NATO-Ucrânia, Jens Stoltenberg revelou a dimensão do «apoio militar» concedido à Ucrânia pelos membros da NATO: 40 mil milhões de euros ao ano. «Teremos de manter este nível, no mínimo», acrescentou.

Agradados com esta posição estará, certamente, o complexo militar-industrial: segundo a agência Reuters (29.01), que cita o Departamento de Estado dos EUA, as exportações de equipamento militar norte-americano cresceram 16% em 2023, para um recorde de 238 mil milhões de dólares: as acções da Lockheed Martin, da General Dynamics e da Northrop Grumman dispararam.

Na Europa, destaca-se a Alemanha, cujas exportações de armamento subiram 30% no primeiro semestre deste ano, atingindo quase 7500 milhões de euros. Em Washington deverá ser aprovado um novo «compromisso industrial de defesa», para aumentar ainda mais a produção militar, afirmou-se numa reunião ministerial da NATO, preparatória da cimeira, onde também esteve reunido o Grupo de Planeamento Nuclear.

A verdade é que os EUA, a NATO e a UE nunca quiseram a paz. Tudo fizeram, aliás, antes e depois de 24 de Fevereiro de 2022, para que a guerra se desencadeasse após o golpe de 22 de Fevereiro de 2014 e se prolongasse e agravasse – «até ao último ucraniano», se preciso for: o alargamento da NATO para Leste, rasgando compromissos assumidos; a instalação de bases e contingentes militares e sistemas de mísseis cada vez mais próximo das fronteiras russas; a realização de exercícios militares no Leste da Europa apontando à Rússia; a promoção do golpe de Estado de 2014 e o apoio a grupos xenófobos e neonazis; a guerra contra as populações do Donbass; e a recusa em cumprir os acordos de Minsk e em discutir as propostas russas de desanuviamento, no final de 2021, antes da intervenção militar da Rússia, contam-se entre as causas do conflito e do seu agravamento.

A NATO e a «NATO asiática»
As semanas que antecedem a cimeira da NATO foram ricas em provocações à República Popular da China, e não só verbais. O ainda Secretário-Geral da NATO apelou por mais de uma vez à imposição de sanções ao país asiático: a altura chegará, garantiu, em que «deveremos considerar impor algum tipo de custo económico se a China não mudar o comportamento».

Se o pretexto a que os EUA e a NATO hoje recorrem para justificar a sua sanha anti-China são as relações que esta mantém com a Rússia, o cerco ao país asiático é muito anterior a Fevereiro de 2022: o Diálogo Quadrilateral de Segurança/QUAD, envolvendo os EUA, a Índia, o Japão e a Austrália começou a ganhar forma ainda na primeira década do século XXI, e o AUKUS, acordo militar entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália foi anunciado em Setembro de 2021. Na Coreia do Sul, para além de dezenas de bases militares norte-americanas, estão instalados componentes do sistema de mísseis balísticos THAAD.

Entre sábado e segunda-feira, os EUA realizaram exercícios militares conjuntos com a República da Coreia e o Japão, acentuando assim as provocações contra países da região, para quem está em construção uma «versão Ásia-Pacífico da NATO». As autoridades chinesas denunciam designadamente o reforço da presença militar norte-americana no Estreito de Taiwan e no Mar do Sul da China. Os EUA, garantem, representam hoje o «maior desafio à paz e à estabilidade na região».

Confirmando de certo modo os receios chineses, os EUA continuam a considerar a Ásia como o «teatro de operações prioritário». No final da Maio, Stoltenberg valorizou o aprofundamento das parcerias com a República da Coreia, a Austrália, o Japão e a Nova Zelândia, considerando estes países como uns dos «mais próximos aliados da NATO». Aliás, estes países têm participado nas suas cimeiras desde a cimeira da NATO de Madrid, em 2022.

 

Mitos e realidades

A narrativa sobre a NATO, no discurso político e mediático dominante, está repleto de mitos, que importa desmontar.

1. A NATO é um bloco militar do «mundo livre», preocupado com os direitos humanos e a liberdade?

Nada no percurso e acção da NATO corrobora a sua suposta «vocação defensiva». Aliás, a sua constituição, em Abril de 1949, reintroduziu no mundo a lógica de blocos militares, da confrontação e da corrida armamentista, apoiou ditaduras fascistas e guerras coloniais, promoveu golpes de Estado, criou redes de espionagem e terrorismo.

Surgida seis anos antes do Pacto de Varsóvia (bloco militar do campo socialista europeu), a NATO continuou – reforçando-se – após o desaparecimento daquele, a partir do qual mudou o discurso, inventou novos «inimigos», alargou o seu âmbito geográfico, atacou a Jugoslávia, ocupou o Afeganistão e o Iraque, destruiu a Líbia.

O objectivo de defesa do que chamava «Mundo Livre» não tinha qualquer concordância com a realidade, desde o primeiro dia que Portugal, submetido então a uma ditadura fascista (com campos de concentração, assassinatos, tortura e censura) foi um dos seus membros fundadores. A NATO é, desde o primeiro dia, um instrumento da política externa dos EUA e age em função dos seus interesses.

2. A Rússia «ameaça o flanco Leste da NATO»?

Este é um argumento recorrente para justificar o aumento da presença militar dos EUA e da NATO na Europa Oriental, nos Balcãs e na Escandinávia. Mas a história está mal contada. Em 1990, aquando da reunificação da Alemanha, os EUA garantiram que a NATO não se expandiria para Leste «nem mais um centímetro», mas não fizeram outra coisa desde então: logo em 1990, toda a Alemanha se tornou parte da NATO; em 1999, juntaram-se-lhe República Checa, Hungria e Polónia; em 2004, as ex-repúblicas soviéticas da Estónia, Letónia e Lituânia, mais Bulgária, Roménia, Eslováquia e Eslovénia; em 2009, Albânia e Croácia; em 2017, Montenegro; em 2020, Macedónia do Norte, e, mais recentemente, Suécia e Finlândia. Ucrânia e Geórgia, ambas com fronteiras terrestres com a Rússia, está ensejada a sua entrada desde 2008.