Que cada lançamento espacial possa servir o Homem de forma positiva e pacífica

Nuno Peixinho

O domínio e utilização do Espaço nem sempre serviu a humanidade

Amanhã, 12 de Abril, celebraremos os 63 anos da viagem de Iuri Gagarin, o primeiro ser humano no Espaço. O número não é redondo, mas redondos seriam os 90 anos que teria celebrado a 9 de Março, se ainda estivesse entre nós.

A conquista do Espaço pode ter começado com o lançamento do Sputnik 1 pela União Soviética, a 4 de outubro de 1957, pouco depois seguido pelo primeiro animal no Espaço, a famosa cadela Laika lançada a 3 de Novembro a bordo do Sputnik 2. Mas ter-se conseguido colocar em órbita um ser humano dentro de uma cápsula capaz de resistir às mais adversas condições e fazê-lo regressar são e salvo à Terra, marcou o verdadeiro início desta extraordinária aventura humana que nos fez crer capazes de tudo. Haverá, depois disto, impossíveis?

Teria Gagarin a verdadeira consciência da grandiosidade do feito do qual era o principal actor? Teria a consciência de como o seu corajoso e humilde «’Bora lá!» ficaria na História?

Nenhum de nós, hoje, conseguirá abarcar o que Gagarin deve ter sentido. Mas quando a 14 de Abril diz: «Quando orbitei a Terra numa nave espacial, vi pela primeira vez o quão bonito é o nosso planeta. Povo, vamos preservar e aumentar esta beleza e não destruí-la!», percebe-se que estamos já perante um homem diferente, um homem que já compreendeu o que acabara de se iniciar e também como se poderia acabar com o próprio mundo. Esta impressão jamais o abandonará, dizendo mesmo, em 1966, à revista Courier da UNESCO: «Estou firmemente convencido de que é necessária uma maior cooperação internacional para o domínio e utilização do Espaço sideral, para que cada voo tripulado e cada lançamento de uma estação espacial ou de um laboratório para investigação cósmica possa servir o Homem de forma positiva e pacífica.»

A cooperação internacional existiu, de facto, e ainda existe. Da cooperação sovieto-americana Apollo–Soyuz, em 1975, passando pelo programa Vaivém Espacial-Estação Espacial MIR, dos anos 1990, até à moderna Estação Espacial Internacional, os exemplos não caberiam nesta página. Mas o domínio e utilização do Espaço nem sempre serviu a humanidade de forma positiva e pacífica.

Os menos jovens recordam-se certamente do período da Iniciativa de Defesa Estratégica, mais conhecido por «guerra das estrelas», iniciado em 1984 pelo presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan. A deriva militarista de utilização do Espaço começara. Viveram-se anos de histeria armamentista, desperdiçaram-se recursos inimagináveis, incapazes mesmo de cumprir o que prometiam, sempre em nome da defesa contra um inimigo que convém fazer acreditar que está à beira de ir por aí afora chacinar tudo o que respire sem razão aparente.

Onde poderíamos estar hoje, na grande odisseia espacial, se não tivéssemos passado por tão absurdo período? Muito provavelmente, já teríamos chegado a Marte.

O que sabemos hoje é que com o fim da União Soviética não veio a tão anunciada paz mundial. Os impérios precisam de inimigos. Sempre assim foi e sempre assim será. Desaparecido um, arranja-se outro. Se não for real, será imaginário. Ele lá haverá coisa mais unificadora na construção de um império do que ter um inimigo comum? O mundo continua em guerra. Saísse um membro da «Jovem Guarda» de um bunker de Krasnodón onde estivesse escondido desde 1942 e pensaria que a Segunda Guerra Mundial ainda não tinha acabado. Gaza reduzida a escombros, guerra no Iémen, na Etiópia, no Sudão… «a paz saltou dos olhos do poeta, atacada de psicose».

Um dia, já sem o sol, o planeta Terra não durará. Só no Espaço a espécie humana se perpetuará. Mas sem a paz, por quanto tempo duraremos nós?

 



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