- Nº 2627 (2024/04/4)

Abril, Revolução inapagável

Opinião

O que Abril representa é inapagável. Pela força do que foi. Não uma mera data, mas uma revolução. Esse momento de resgate da democracia e da liberdade não concedidos mas conquistados. Não um qualquer modelo de transição tolerada pelo poder económico dominante mas um processo de profunda transformação da estrutura socioeconómica e de liquidação da base económica do poder ditatorial que o suportava. Não essa data repetida por quem contra ela todos os dias conspira mas a que vive como referência que ancora a luta de todos os dias pela defesa dos direitos que garantiu.

Abril não foi uma utopia, foi realização e construção, foi valores e materialização, cuja força perdura e vive como elemento incontornável desse Portugal com futuro pelo qual todos os dias lutamos para construir. É isto que Abril, a Revolução de Abril, em substância constituiu por mais que a tentem reduzir, perverter ou liquidar.

É essa força material de transformações e valores que delas decorrem, esse referencial maior de sentido libertador que perdura e se transmite, mesmo aos que dele usufruem sem a vivência dos tempos de opressão, que faz com que Abril seja massivamente partilhado enquanto projecto de esperança e luta. Projecto que nos 50 anos da revolução importa ser reafirmado para retomar o que Abril significou de direitos, de progresso e vida melhor, de referencial provado de que, ontem como hoje, está nas mãos dos trabalhadores e e do povo esse poder de construção e realização.

É essa força fundada em valores e transformações que ainda hoje confronta e explica que 48 anos de acção contra-revolucionária, suportada num poder e numa correlação de forças desfavoráveis, esse processo e objectivos permaneça inacabado, como inacabada ficou a revolução de Abril.

Há quem não se conforme

Há os que não se conformam com o que Abril foi enquanto Revolução, os que ambicionam cinquenta anos depois negar o que ela representou de facto, os que visam rasurar valores e conquistas que só existem porque Abril na sua dimensão plena existiu, os que olham para Abril com o ódio saudosista daquele Maio de há quase um século.

Há quem se apreste a assinalar Abril negando na prática o que foi, apagando o que representou, iludindo as perversões que limitam e amputam o que Abril de mais avançado e promissor de facto representou na vida de milhões de portugueses, explorando o que de negativo e injusto se instalou na vida do país não por culpa de Abril mas sim dos que há décadas o tentam destruir.

É sobre esse manto tecido e distorcido, confundindo causa e efeitos, invertendo ónus e responsabilidades, atribuindo a um o que nos outros é razão, que aí temos teorizações sobre o que hoje se imporia a partir dos 50 anos de Abril. Quem, como Marcelo Rebelo de Sousa o fez, afirma que «o que se espera e exige dos próximos cinquenta anos é muito mais do que aquilo que foi realizado naqueles que, em 2024, terminam», assume, mesmo que explicitamente não o faça, que Abril, e a revolução sem a qual não existe, é coisa passada. Não se pode olhar para o que de Abril mantém presente omitindo o curto mas exaltante período de avanço e progresso da Revolução e, sobretudo, escamoteando o que 48 anos de processo contra-revolucionário pesam em sentido inverso.

Prosseguir o caminho de construção
Comemorar Abril, assumindo plenamente o que foi e para o que transporta de futuro, é inscrever de novo como objectivo para o futuro, com a força dos trabalhadores e do povo, o que ele representa de exemplo e de projecto. Esse sentido de futuro que a Revolução de Abril inscreveu de construção de um Portugal de progresso e soberano, de conquistas, avanços e transformações extraordinárias e que décadas de política de direita tem negado em nome de um projecto de restauração capitalista.

Com a coragem de sempre, com a força transformadora da luta, comemorar Abril é prosseguir o caminho de construção de uma alternativa que retome esse ciclo novo na vida nacional que a Revolução de Abril abriu tendo no horizonte uma democracia avançada, e a construção de uma nova sociedade.

 

Jorge Cordeiro