A Constituição faz 48 anos

António Filipe

A Constituição continua a consagrar um conjunto de princípios e normas que as forças reaccionárias nunca conseguiram suprimir e que se mantêm como conquistas democráticas que importa continuar a defender


No próximo dia 2 de Abril passam 48 anos sobre a aprovação da Constituição de 1976, que deu expressão institucional à Revolução de Abril.

A eleição da Assembleia Constituinte em 1975 foi a primeira eleição efectuada em Portugal por sufrágio directo e universal. Todos os cidadãos maiores de 18 anos obtiveram direito de voto, em eleições livres e democráticas. Em consequência do papel assumido pelo PCP no processo revolucionário, as classes trabalhadoras obtiveram, pela primeira vez em toda a nossa História, representação nos órgãos do poder político, dando tradução institucional à sua acção política e social.

Essa marca genética do processo constituinte, de cariz popular e revolucionário, assente numa poderosa acção política e social das classes trabalhadoras, permitiu inscrever no texto constitucional o essencial das conquistas da revolução.

O princípio da igualdade, o acesso ao direito, ou o direito de resistência foram inscritos como direitos fundamentais. O Título respeitante aos direitos, liberdades e garantias, consagra um vasto elenco de direitos, como o direito à vida e à integridade pessoal, a proibição da pena de morte, da tortura e de penas cruéis, infamantes ou desumanas; o direito à liberdade e à segurança; um amplo conjunto de garantias dos cidadãos em processo penal; a liberdade de expressão e informação; a liberdade de consciência, de religião e de culto; a liberdade de criação cultural; o direito de reunião, manifestação e associação; os direitos de participação na vida pública, incluindo os direitos de sufrágio, de acesso a cargos públicos, de petição e de acção popular; os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, designadamente à segurança no emprego, à liberdade sindical e à greve.

Para além disso, a Constituição consagra um amplo conjunto de direitos económicos, sociais e culturais: o direito ao trabalho, à segurança social, à saúde, à habitação, ao ambiente e qualidade de vida, à educação, à protecção na infância, na juventude, na deficiência, na terceira idade.

No plano político foi adotado um sistema misto parlamentar-presidencial, no qual a legitimidade de um Presidente e de um Parlamento democraticamente eleitos concorrem para a efectivação da responsabilidade política dos governos. A autonomia das regiões autónomas, a afirmação do poder local democrático e a independência do poder judicial, constituem, entre outros, elementos identitários do regime democrático-constitucional.

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Em sete processos de revisão constitucional negociados entre o PS e o PSD, alguns aspectos fundamentais da Constituição foram sendo eliminados ou descaracterizados. Todavia, apesar de todos os golpes sofridos, a Constituição continua a consagrar um conjunto de princípios e normas que as forças reaccionárias nunca conseguiram suprimir e que se mantêm como conquistas democráticas que importa continuar a defender.

Subsistem na Constituição, para além do preâmbulo original, os princípios do Estado de direito democrático baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

Subsistem nas relações internacionais os princípios da independência nacional, do respeito pelos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade. Subsiste a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

A Constituição continua a consagrar como tarefas fundamentais do Estado, garantir a independência nacional; os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático; defender a democracia política e a participação democrática dos cidadãos; promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses.

Permanecem, no plano político, o sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico e o reconhecimento do papel dos partidos políticos na organização e expressão da vontade popular, bem como a proporcionalidade do sistema eleitoral.

No plano dos direitos, está consagrado o princípio da igualdade entre os cidadãos, assim como um vasto conjunto de direitos, liberdades e garantias: a inviolabilidade do direito à vida, à integridade moral e física das pessoas; a proibição total da tortura, dos tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanas; a liberdade pessoal e garantias de processo criminal; a liberdade de expressão e informação, a proibição da censura e liberdade de imprensa; as liberdades de consciência, religião e culto, de criação cultural, de aprender e ensinar, de reunião, manifestação e associação; o acesso à Justiça; o direito de participação na vida pública e de acesso a cargos públicos; os direitos de petição e de ação popular.

Permanece na Constituição um amplo elenco de direitos dos trabalhadores: segurança no emprego; comissões de trabalhadores; liberdade sindical; contratação colectiva; direito à greve e proibição do lock-out; retribuição; organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de modo a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar; higiene, segurança e saúde no trabalho; limite máximo da jornada de trabalho, descanso semanal e férias pagas; assistência material no desemprego; justa reparação em caso de acidente de trabalho; salário mínimo, e fixação de limites de duração do trabalho.

Permanecem os direitos sociais, à segurança social, à saúde, à habitação, ao ambiente e qualidade de vida, no apoio à maternidade e paternidade, apoio à infância, juventude, deficientes e terceira idade.

Permanecem os direitos culturais: educação, cultura e ciência; direito à igualdade de oportunidades no acesso e êxito escolares; gratuitidade progressiva do acesso aos graus mais elevados de ensino; participação democrática no ensino; direito à fruição e criação cultural como incumbência do Estado; direito à cultura física e ao desporto.

Na organização económica, subsistem como princípios constitucionais, a subordinação do poder económico ao poder político democrático; a propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo; o planeamento democrático; a participação das organizações representativas dos trabalhadores na definição das medidas económicas e sociais; a correcção das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento através da política fiscal; a eliminação dos latifúndios.

Subsistem na Constituição princípios fundamentais para a organização do Estado Democrático, como a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público; a autonomia do poder local democrático; os princípios democráticos da organização da Administração Pública; os mecanismos de fiscalização da constitucionalidade das leis e a garantia da Constituição contra revisões avulsas.

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Não admira por isso que a revisão da Constituição continue a ser um objectivo das forças reaccionárias. Apesar de contrariada na prática pelas políticas de direita prosseguidas pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, a Constituição continua a ser uma barreira jurídica que se ergue em defesa dos direitos dos trabalhadores e das funções sociais do Estado e um obstáculo que se opõe à descaracterização da democracia que, hoje mais do que nunca, é preciso defender.