«Só se avança de verdade, com direitos e igualdade», clamou-se em Lisboa

Com uma forte participação de mulheres, realizou-se, sábado, 23, a Manifestação Nacional «Mulheres de Abril somos, com igualdade temos futuro», que culminou as comemorações do 8 de Março, numa clara afirmação das mulheres na defesa dos direitos conquistados com Abril.

«Pela igualdade a que temos direito, não voltaremos atrás!»


Mulheres de Abril / somos / mãos unidas / certeza já acesa / em todas / nós / Juntas formamos / fileiras / decididas / ninguém calará / a nossa / voz / Mulheres de Abril / somos / mãos unidas / na construção / operária / do país / Nos ventres férteis / a vontade /erguida / de um Portugal / que o povo / quis». O poema é de Maria Teresa Horta, mas podia bem ser anarração do que ali se passou, em Lisboa.

Partiram da Praça do Rossio em direcção ao Largo do Carmo, espaço emblemático da Revolução de Abril, que este ano completa 50 anos. À frente, as batidas dos Karma Drums chamavam a atenção de muitos outros – alguns juntaram-se mesmo à acção. «Mulheres de Abril somos! Pela igualdade a que temos direito, não voltaremos atrás!», lia-se na faixa que encabeçava o desfile, promovido pelo Movimento Democrático de Mulheres (MDM). Ergueram-se palavras de ordem ditas por «mulheres unidas a defender Abril!», com «um cravo, na mão, pela Constituição [da República Portuguesa]» (CRP) e por «trabalho com direitos» e «aumento dos salários e pensões».

Nesta «moldura», destacava-se um cartaz feito em papelão: «Vimos de Faro! Ninguém me proíbe de manifestar com a minha mãe. Art.º 45.º da CRP». O caso refere-se a uma queixada PSP à CPCJ por uma mãe ter participado numa manifestação acompanhada do seu filho menor. Uma situação preocupante que atenta contra a liberdade e o direito de manifestação.

«Não calamos, não calamos, violência é para acabar, na rua, em casa e em qualquer lugar» e «prostituição é exploração, proxenetas aqui não!», foram outras expressões que ecoaram nas ruas do Carmo e Garrett, tal como «Na IVG… não metam a colher. É direito da mulher!» ou «O custo de vida a aumentar, e a vida a piorar. Assim, mulheres, não dá para continuar», entre faixas da Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens/CGTP-IN ou do Projecto Ruído, pela «igualdade, na escola, no trabalho e na vida».

«Os Direitos das mulheres não podem esperar! Discriminação e violência ferem a dignidade das mulheres», dizia o Algarve, seguido das «vozes do alto transmontano», bem como de Leiria, Aveiro, Alentejo e Ribatejo, entrosadas, também, pelos sons brasileiros, contagiantes, do grupo Baque Mulher Lisboa.

Em pancartas e noutros materiais, trazidos de vários pontos do País, sobressaíam outras reivindicações: «travar o custo de vida», «direito à saúde sexual e reprodutiva», «rede pública de creches», «tempo para viver», «aumento do salário mínimo nacional», «casas para viver, não para especular», «mais acção social escolar», «combate à violência doméstica», entre muitas, muitas outras. Da Quinta da Princesa, Seixal, chegou a denúncia: «1980-2024. Nossos prédios continuam sem manutenção do IHRU».

Presentes estiveram também as mulheres agricultoras, que «cuidam da terra, semeiam o verde, alimentam a cidade e plantam a esperança».

 

Avançar nos direitos
Pelo caminho encontraram a delegação

do PCP, com Paulo Raimundo a destacar a adesão de mulheres naquela manifestação, com «determinação, confiança e audácia», o que demonstra que «os direitos ainda não estão consagrados, como deviam estar» e que «precisamos é de avançar e não recuar. Os perigos são muitos, mas a força também é muita para fazer cumprir esses direitos se cumprirem na vida, todos os dias.» Sobre os problemas que urgem resolver, o Secretário-geral destacou a discriminação salarial das mulheres e a necessidade de pôr o Serviço Nacional de Saúde a funcionar. Com ele estiveram Manuela Pinto Ângelo, do Secretariado do Comité Central, Fernanda Mateus, da Comissão Política, Paula Santos, líder parlamentar, e João Oliveira, candidato da CDU às eleições para o Parlamento Europeu.

Também uma delegação da CGTP-IN, conduzida pelo Secretário-geral, Tiago Oliveira, saudou a manifestação.

Lutar pela paz
Por todos eles passaram mensagens de paz do CPPC e do MPPM, clamando pelo «fim do genocídio» do povo palestiniano. No próximo dia 6, Lisboa volta a acolher uma manifestação, intitulada «Paz no Médio Oriente!» (ver pag. 6), onde estará o MDM, «com as demais forças da paz e da solidariedade por uma Palestina livre e pelo cessar-fogo imediato e permanente na Faixa de Gaza e noutros territórios palestinianos ilegalmente ocupados por Israel».

«É urgente intensificar a luta pela paz na Palestina. São 75 anos de ocupação israelita, de humilhação e prepotência desmedida», apelou Regina Marques, do Secretariado Nacional do MDM. Também não esqueceu o «criminoso bloqueio económico e financeiro a Cuba, que há mais de 60 anos os EUA impõem, limitando o acesso de bens essenciais, para condenar o povo cubano a dificuldades e ao desânimo».

Palavras que se estenderam a todas as mulheres que «lutam nos seus países contra a fome, a miséria, as injustiças sociais, os maus-tratos e violências e contra as guerras. Denunciamos a situação dos imigrantes desprotegidos, as mulheres e as crianças traficadas, as que estão em campos de “concentração” refugiadas».

A manifestação terminou com as actuações das Mondeguinhas, Tuna Feminina da Universidade de Coimbra, e Celina da Piedade (voz e acordeão), acompanhada por Ana Santos (violino).

 

«Somos mulheres de Abril, no presente e no futuro»

Tânia Mateus, também do Secretariado Nacional do MDM, falou na necessidade de combater todas as formas de discriminação, desigualdade e violências sobre as mulheres. «Continuaremos a luta» contra as «discriminações, estereótipos e preconceitos que atentam a dignidade e direitos das mulheres», o «sexismo, a xenofobia, a homofobia e o racismo» e pela «alteração das mentalidades, assentes nos valores de Abril, pelo cumprimento dos direitos consagrados na CRP, porque neles está o caminho da nossa emancipação», assegurou a dirigente.

Aquela manifestação aconteceu 13 dias depois das eleições para a Assembleia da República. «A nova maioria dos deputados recém-eleitos, e os seus programas eleitorais que conhecemos, irão acentuar as políticas de desigualdade na vida das mulheres e tentar-se-ão acertar contas com muitas das conquistas das mulheres», apontou.

Por isso, o MDM vai continua a lutar pela dignificação das mulheres, no plano político, cultural, económico e social, na família e na sociedade; pelo aumento geral dos salários, do salário mínimo nacional, das pensões e reformas; para travar o custo de vida; pelo direito à habitação; para pôr fim à desregulação dos horários; para exigir a prevenção e combate à violência doméstica, reforçando os meios financeiros e técnicos em todo o território nacional.

As mulheres podem ainda contar com o MDM para denunciar o proxenetismo e a mercantilização do corpo das mulheres; exigir educação sexual e um Serviço Nacional de Saúde com mais investimento; afirmar que a IVG é um direito da mulher.

O MDM anunciou a realização em 2025 da Manifestação Nacional das Mulheres no âmbito do Dia Internacional da Mulher, assinalando os 50 anos da primeira manifestação de comemoração desta luta em liberdade e do Ano Internacional da Mulher, cujos objectivos são indissociáveis da prolongada luta das mulheres em cada país e no mundo pelo reconhecimento dos seus direitos.

 

Cinco lutadoras pelos direitos das mulheres

Já no Largo do Carmo, Sandra Benfica, em nome do Secretariado Nacional do MDM, deu as boas vindas à Manifestação Nacional de Mulheres, que «se constrói todos os dias em prol da defesa dos direitos das mulheres» que «vivem, estudam e trabalham no nosso País». Lembrou ainda os nomes de Maria Lamas, Maria Alda Nogueira, Laura Lopes, Odete Santos e Fernanda Lapa, que, entre muitas outras, se destacaram na luta pelos direitos das mulheres, e de que o MDM se orgulha de terem sido suas dirigentes. Ficam excertos de publicações e intervenções que um dia proferiram:

«A Revolução de Abril deu às mulheres deste País uma importante arma na sua luta em defesa dos seus direitos, como trabalhadoras, cidadãs e mães: A Constituição da República Portuguesa de 1976». Alda Nogueira

«25 de Abril, uma data luminosa de liberdade e de esperança! (…) que haja pão, trabalho e instrução para todos; que as crianças ignorem o abandono; que desapareça da terra portuguesa toda a forma de exploração». Maria Lamas

«É nosso dever imperioso, como mulheres e mães, lutar com todas as nossas forças contra a instalação de armas nucleares no nosso País. (...) A guerra é a expressão directa da exploração». Laura Lopes

«(...) E vais achar brutal, tu que viverás no século XXI, e que terás os ecos do flagelo do aborto clandestino, que tenha havido quem, neste final do século XX, ainda tenha defendido que o aborto inseguro, feito muitas vezes em bárbaras condições, é o destino inseparável da mulher, que a ele se tem de submeter, em sofrimento. Vais achar brutal a intolerância do “Não”». (Carta dirigida a uma jovem do século XXI) Odete Santos

«As mulheres da cultura confrontam-se todos os dias com problemas e adversidades que têm a mesma causa das adversidades de todas as outras mulheres, quer sejam operárias, trabalhadoras da saúde, da educação, empregadas do comércio, entre outras». Fernanda Lapa

 

Mulher

Em Abril rompeste amarras

Deste um chuto no destino

Pisaste o preconceito

Agarraste a liberdade

Fizeste o teu próprio hino

Puseste uma flor no peito

Criaste a tua verdade

Seguiste a tua ilusão

Foste terra, foste água

Foste campo, foste cidade

Fizeste a tua canção

 

Em Abril nasceste luta

Gritaste a alma sentida

Ombro a ombro, mão a mão

Esmagaste a tradição

Agarraste a tua vida

Pisaste a tua solidão

Foste uma força, vital

Quiseste reconhecimento

Ter direitos de trabalho

Respeito, salário igual

Gritaste a tua igualdade

Foste pedra e cimento

Foste alicerce, firmeza

Foste Mulher-Liberdade

 

Hoje Abril rompe na noite

São 50 anos volvidos

O perigo rasteja perto

Anúncio de destruição

Ameaças, ventos perdidos

Para calar a canção

 

Mas o poema está perto

A flor que trazes no peito

É o cravo na espingarda

Flor do Povo, flor da Paz

Grita, revolta, explosão

Porque a luta não é vã

É o teu coração em guarda

Sou eu, és tu tanto faz

Amiga, companheira, irmã

Mulher do meu País

Também és Esperança

És força e és Raiz.

Ana Abel ofereceu e dedicou este poema ao MDM