O silêncio dos meninos mortos – poemas portugueses contra o massacre do povo palestiniano
Que futuro teremos todos se calarmos o que se passa em Gaza?
Pensemos num país e num povo há 75 anos acossado, vilipendiado, expulso do seu chão primevo por místicos desígnios que nem os astros declinam, empurrado para uma faixa exígua do seu vasto território, língua entalada entre o mar e um muro que o separa do mundo. Um espaço e um povo vivendo numa prisão aberta ao sol, onde nem sequer o mar lhe pertence como fuga possível. Terra em que o mar é um muro armadilhado.
A Palestina é, há mais de sete décadas, o nosso remorso colectivo, gerando a mais profunda indignação dos que lutam por um mundo justo, que denunciam aqueles que permitem que a vergonha se perpetue e ganhe, nos dias de hoje, o sabor amargo da ignomínia. Assistimos, em Gaza e na Cisjordânia, ao declinar do humano que nos subjaz, ao regresso da barbárie, ao genocídio de um povo perpetrado sob a mais absurda das impunidades. Assistimos perplexos à cínica encenação da indiferença, à retórica hipócrita dos que podem, caso quisessem, travar o horror. Mundo funesto o que habitamos.
Os poetas conscientes do seu tempo e da perfídia que o habita, não poderiam ficar alheios ao que hoje, perante o nosso olhar de indignada revolta, se passa na martirizada faixa de Gaza. O horror entra-nos casa dentro, vemos, ouvimos e lemos, como noutras circunstâncias escreveu Sophia, e não podemos ficar indiferentes. São crianças que tombam aos milhares, mulheres e velhos, todos os que não conseguem fugir ao terror das bombas sionistas. A terra da Palestina pejada de cadáveres, de pedras calcinadas e destroços que outrora foram casas, abrigos, escolas, templos, hospitais, ruas e mercados. Território onde habita um povo, gente que sempre ali viveu, que ali tem o seu chão, a sua leira, o seu sustento. Hoje, são terras ocupadas pela força das armas, caminhos de gritos, de fome, pasto de grosseiro e desumano retrocesso civilizacional, de irracional vingança, do ódio e da usura. Os poetas, os que ainda pensam e sentem o seu tempo, não podiam calar a voz. E não calaram. Estão neste o silêncio dos meninos mortos, a erguer as palavras, a sua mais ética usança, a poesia como arma carregada de futuro.
A um convite do poeta Francisco Duarte Mangas, em nome da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, responderam 43 poetas. Autores de gerações e estéticas diversas, mas todos confluindo no mesmo propósito: denunciar a chacina de mais de 35 mil mortos palestinianos, 11 mil dos quais crianças, de centenas de médicos, jornalistas, funcionários da ONU, alertar para o que se passa em Gaza e na Cisjordânia ocupada, para o crime hediondo que todos os dias é exercido contra um povo sequestrado numa estreita língua de terra para onde Israel tem vindo a empurrar o que resta dos povos da Palestina que viviam nas terras que o estado sionista ocupou. O poeta Augusto Baptista, num dos poemas publicados nesta antologia, interroga-nos e interroga-se, perplexo: «E que palavra em ídiche revela a vergonha que não têm os judeus/ Para, setenta e cinco anos depois da libertação de Auschwitz,/ Tolerarem os crimes que o estado de Israel multiplica?» Num outro poema, Francisco Duarte Mangas fala das crianças mortas neste inaceitável conflito, tema que foi proposto para a elaboração deste oportuno livro: «a árvore das palavras/ povoa-se de frutos/ e esses pequeninos frutos/ abrigam o silêncio/ dos meninos mortos de gaza.» O Estado de Israel está a matar o futuro de um povo.
As 43 vozes que neste livro se reúnem e os 44 poemas que o formam, pretendem alertar-nos, uma vez mais, para o crime contra a humanidade que está a acontecer em Gaza, prisão que foi a céu aberto e hoje se está a transformar, se o não conseguirmos impedir a tempo, num imenso cemitério, num território em que ficará sepultado um povo – ou, seja, um pouco de nós todos. Este livro traz-nos apelos e denúncias que não podemos ignorar. Inês Lourenço diz, a abrir a coletânea, o que está em causa, «E vou cismando na impossível partilha desta terra/ com demasiadas pátrias, demasiados deuses, demasiados clamores/ Quero sair daqui. Quero um país». Num outro poema, o poeta Luís Serrano descreve o horror, «Um manto de morte/ é o que resta/ sobre as ruínas das casas/ pedras de antigas paredes/ ruínas de quartos/ sobre as areias» e César Príncipe afirma que «Na Palestina há direito a tudo/ À garantia de não ter lugar seguro/ À segurança de ter um alto muro/ À esperança de morrer pelo futuro».
Que futuro teremos todos se calarmos o que se passa em Gaza?