BCE, um cartel institucionalizado

Miguel Tiago

José Araújo

É um dos mais recentes papersi do Fundo Monetário Internacional que vem reconhecer que os impactos da moeda única se traduzem de forma diferente em cada país. Um segundo estudo da mesma instituiçãoii anuncia que Portugal é o segundo país do mundo em que as taxas de juro mais impactaram o preço das casas (em média, subiram 22,29% entre o final de 2019 e o segundo trimestre de 2023), contribuindo para a sua subida.

Isto porque, em primeiro lugar, existem diferentes proporções de créditos à habitação com recurso a taxas indexadas em cada país, em segundo lugar porque nem todos os bancos repercutem o aumento das taxas de juro de forma igual sobre as famílias e, em terceiro lugar, porque a diferentes níveis de rendimento correspondem diferentes esforços.

A forma como o BCE, a pretexto do combate à inflação, determina o aumento das taxas de juro de referência, traduz no essencial a política de fazer recair sobre os trabalhadores os aumentos do custo de capital que visam a penalização de países periféricos e das classes trabalhadoras, a recuperação dos ganhos dos grandes accionistas da banca e dos grupos monopolistas e a continuidade e até agravamento da concentração de capital nos grandes grupos económicos.

O esforço exigido aos trabalhadores e famílias que, em Portugal, recorrem a créditos hipotecários foi o que mais cresceu em todos os países da União Europeia. De acordo com os estudos do FMI, desde julho 2022 até final de 2023, as famílias portuguesas aumentaram o esforço realizado para cumprir pagamentos de créditos em 1,3% do PIB. A banca portuguesa atrasa a remuneração dos depósitos e faz recair sobre as famílias custos que se elevam acima dos custos transferidos para as famílias em outros países, especialmente através do spread, das comissões, da taxa de juro efetivamente cobrada e do prazo com que é aplicada, bem como da elevada percentagem de créditos concedidos com valores indexados à Euribor.

O poder político submisso ao poder económico subordina os povos ao cartel da banca privada transnacional e isso justifica, em boa parte, os 3,3, mil milhões de euros de lucros que a banca – só em Portugal – lucrou nos primeiros três trimestres de 2023. Lucro que compensou as «perdas» que o sector vinha anunciando praticamente há uma década, fruto das baixas taxas de juro – ainda que compensado pelo Estado de formas várias.

Está em curso a política do saque e da transferência de recursos públicos e particulares para os grandes grupos económicos. Se, no passado, os Estados transferiam directamente parcelas gigantescas da riqueza pública para satisfazer a voragem da banca, testemunhamos agora um novo episódio da mesma saga: os Estados – sob a batuta do capital financeiro que determina as opções da União Europeia – obrigam os trabalhadores e os cidadãos em geral a transferir os seus recursos particulares e as suas poupanças para a banca.

As políticas de ataque aos salários, aos serviços públicos e o aumento das taxas de juro – seguidas em Portugal por todos os partidos da política de direita – mais não são senão a nova expressão da mesma política de sempre: a da austeridade, empobrecimento, exploração e concentração.

Esta política, de submissão e de total abandono do interesse nacional, não conhece travões que não os que lhe sejam impostos. A luta por uma banca ao serviço do desenvolvimento, do povo e do País, a luta por uma uma vida justa, por salários e direitos, entre os quais o direito à habitação implica a ruptura com a política de direita, o reforço nas ruas e nas instituições dos que defendem outro rumo, dos que defendem a democracia económica e a querem construir com a força criativa das massas e dos trabalhadores.

Quanto mais rapidamente se construir a política alternativa patriótica e de esquerda, mais depressa poderemos recuperar o que desde sempre nos roubam.

i https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2024/01/12/Monetary-Policy-Pass-Through-to-Interest-Rates-Stylized-Facts-from-30-European-Countries-543715#:~:text=The%20extent%20to%20which%20changes%20in%20monetary%20policy,of%20monetary%20policy%20transmission%20to%20output%20and%20prices.

iihttps://www.imf.org/en/Blogs/Articles/2024/01/11/housing-affordability-remains-stretched-amid-higher-interest-rate-environment




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