- Nº 2618 (2024/02/1)

«Abril exige casas para viver» fez-se ouvir em todo o País

Em Foco

No sábado, 27, tiveram lugar grandes acções populares em todo o País para exigir o direito à habitação, tal como está definido na Carta dos Direitos Humanos e consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa: «Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar». Num contexto de aumentos brutais dos preços, há cada vez mais trabalhadores cujos salários são insuficientes para pagar uma prestação ou renda.

Em Lisboa, Porto, Setúbal, Braga, Aveiro, Faro, Lagos, Portimão, Albufeira, Leiria, Coimbra, Viseu, Funchal, Covilhã, Évora, Beja, Sines e Portalegre, as manifestações e concentrações – convocadas pela Plataforma Casa para Viver – aconteceram poucos dias depois de o Banco Central Europeu (BCE) ter anunciado que deixou as taxas de juro inalteradas, o que acontece pela terceira vez desde Outubro de 2023, depois de as subir dez vezes desde meados de 2022.

Na sexta-feira, 26, em nota do seu Gabinete de Imprensa, os deputados do PCP no Parlamento Europeu lembram que a manutenção das taxas de juro de referência nos 4,5 por cento «não deixa tudo na mesma» e traduz «a opção de aumentar a drenagem de recursos dos trabalhadores e das famílias, assim como das empresas, em especial das micro, pequenas e médias empresas, para a banca, que continua a amealhar chorudos lucros». A deliberação também se repercutirá negativamente nos custos do financiamento do Estado.

«Mais de um milhão de famílias em Portugal estão e continuarão a ser afectadas pelos impactos gravosos dos juros elevados no aumento dos custos dos empréstimos para compra de casa», denunciam os comunistas, que reiteram a «urgência» de que a subida das taxas de juro de referência seja revertida e que, no imediato, «deverá ser a banca, e não as famílias, a suportar o impacto dos aumentos já decididos».

A decisão do BCE foi igualmente criticada pelo Movimento Porta a Porta – Casa para Todos, que integra a Plataforma, uma vez que os «juros brutalmente altos» garantem «os lucros colossais que a banca vem a acumular». «No nosso País, com estes juros, os maiores bancos, nos primeiros nove meses de 2023, acumularam 12,1 milhões de euros de lucros líquidos por dia», denuncia o Porta a Porta.

Já o Movimento Erradicar a Pobreza lembra que é da responsabilidade do Estado assegurar o direito à habitação, através de uma política de habitação integrada no ordenamento do território e em planos de urbanização, garantindo a existência de uma rede de transportes e de equipamento social.

«Lutar para ter casas para morar»
Na manifestação de Lisboa, o Secretário-Geral do PCP, Paulo Raimundo, afirmou mesmo que é preciso «pôr os lucros da banca a suportar o aumento das taxas de juro». Avançou com outras propostas, como «travar o aumento das rendas» e «lançar um grande programa nacional de habitação pública» (ver pag. 6 à 9). «São medidas para responder ao drama de milhares de pessoas», como se viu pela dimensão daquela acção. A delegação do PCP integrava também João Dias Coelho, da Comissão Política do Comité Central, Bruno Dias, membro do Comité Central e deputado na Assembleia da República, e Ana Jara, vereadora na Câmara Municipal de Lisboa. No local estiveram ainda Heloísa Apolónia e Mariana Silva, dos organismos executivos do PEV, força que, com o PCP, forma a CDU.

A marcha iniciou-se na Alameda Dom Afonso Henriques, onde um cartaz da Coligação PCP-PEV lembra: «É o teu direito à habitação que está na Constituição, não a especulação». Noutros, recorda-se os votos contra do PS, PSD, IL e Chega contra o controlo das rendas e a revogação da lei dos despejos.

Os muitos milhares de pessoas – com megafones e cravos em punho – partiram ao som das percussões dos Porbatuka e de palavras de ordem como «Estamos fartos de escolher, pagar a renda ou comer», «Queremos casa, queremos pão. Direito à habitação», «Estabilidade sim! Despejos não» ou «Baixem a prestação, subam os salários».

«Abril exige casas para viver» lia-se num pano que abria o desfile, seguido de outras reivindicações «por uma vida justa» e «contra a especulação».

A juventude marcou presença em grande número, com os seus argumentos: «queria sair da casa dos meus pais, mas a renda não deixou» e «custa o meu salário», sendo igualmente«urgente mais residências públicas». A estes juntaram-se muitas outras estruturas e movimentos unitários de diverso tipo.

Noutro cartaz alerta-se para os «já despejados» Ginásio Alto Pina, Os Amigos do Minho, o Clube Recreativo dos Anjos, o Grémio Lisbonense, o Grupo Excursionista Vai Tu, o Marítimo Lisboa Clube, o Sport Clube do Intendente, o Lisboa Clube Rio de Janeiro, o Lusitano Clube, o Grupo Desportivo Zip Zip, o Crew Hassan e o Seara, numa lista que «continua».

Diferenças gritantes
Ao longo da Avenida Almirante Reis, com tantos edifícios devolutos como hotéis luxuosos e alojamentos temporários, os manifestantes passaram por centenas de tendas e camas improvisadas, com estrado de cartão, de pessoas em situação de sem abrigo, mas também de trabalhadores, que não ganham o suficiente para pagar uma renda ou uma prestação. Uma situação que se agrava todos os dias e se expande para outras zonas da cidade, por exemplo nas praças da Figueira e Martim Moniz, locais de passagem obrigatória nos roteiros turísticos.

Aquela multidãocontinuou pela Rua da Prata – onde se assiste a uma lenta agonia das lojas históricas que encerram, também, pelas rendas exorbitantes – em direcção ao Arco da Rua Augusta. Alifoi apresentado um manifesto onde se defendem medidas para baixar as prestações das casas; baixar e regular as rendas e prolongar a duração dos contratos; pôr fim aos despejos, sem alternativa de habitação; rever todas as licenças para a especulação turística; o fim do Estatuto dos Residentes Não Habituais, dos incentivos para nómadas digitais, das isenções fiscais para o imobiliário de luxo e fundos imobiliários; colocar no mercado, de imediato, os imóveis devolutos de grandes proprietários, fundos e empresas; aumentar o parque de habitação pública.