- Nº 2615 (2024/01/11)

As contas erradas que nos desacertam a vida

Opinião

A retórica das «contas certas», adoptada pelo Governo PS e insidiosamente martelada junto da população, consiste numa rematada aldrabice, seja do ponto de vista contabilístico, seja sobretudo do ponto de vista político.

Vejamos. Em 2023, o Governo previu um investimento público (formação bruta de capital fixo) de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB), montante muito insuficiente face à dimensão das necessidades e das possibilidades do País. Mesmo assim, em tempos de PRR (Programa de Recuperação e Resiliência) e beneficiando destas verbas, estima-se que o investimento tenha ficado apenas pelos 2,8% do PIB. Se tivermos em conta o orçamentado e o executado, terão sido cerca de 1,2 mil milhões de euros de investimento a menos. Contas erradas, portanto.

Sabia-se que o Governo falharia também, mais uma vez, as contas do défice orçamental. Falhanço deliberado, já que o défice é propositadamente sobrestimado para, no final do ano, se fazer um pretenso «brilharete», neste caso exibindo mesmo um excedente orçamental. Em Outubro, o próprio Governo já previa um excedente de 0,8% do PIB. Estima-se agora que este possa ter ido até 1,3%. A ser assim, segundo a estimativa do PIB para 2023, mesmo sem incorrer em défice, o Governo dispunha de cerca de 3,4 mil milhões de euros, que ficam por usar. Admitindo a margem de manobra associada a um défice limitado, controlado, por exemplo dentro do limite dos 3% imposto pelo Pacto de Estabilidade da União Europeia, então a folga financeira disponível ascenderia a cerca de 11,4 mil milhões de euros, que o Governo não usou, mas podia e devia ter usado.

Estão por fazer as contas ao que o País e o povo perdem com esta política – a tudo o que ficou por fazer, desde logo no financiamento cabal dos serviços públicos, no Serviço Nacional de Saúde, na escola pública, na ciência e no ensino superior, na cultura, nos transportes e na mobilidade, na habitação pública, na justiça, na construção de equipamentos sociais, como creches e lares, na protecção ambiental, no apoio à produção nacional, enfim, no pleno aproveitamento das potencialidades do País e na melhoria das condições de vida.

 

Manobra eleitoralista
com elevados custos

Segundo notícias vindas a público, neste final de ano, o Governo usou a almofada financeira de reserva do Estado para comprar mais de 3 mil milhões de euros de dívida pública na posse de grandes bancos e seguradoras. O objectivo será colocar a dívida pública abaixo da fasquia de 100% do PIB, numa manobra eleitoralista que não deixará de ter o costumeiro eco mediático.

O alcance prático desta medida, face aos seus custos, nas condições concretas actuais, é diminuto. É uma medida pouco inteligente, do ponto de vista contabilístico, e inaceitável, do ponto de vista político.

Não está em causa, em termos gerais, a pertinência de reduzir o peso da dívida, nem a necessidade de ter contas públicas saudáveis, controladas, que não excluem défices razoáveis, justificados. Mas há diferenças fundamentais quanto a como alcançar tais desideratos.

O Governo PS, como a direita, propõe-se reduzir a dimensão da dívida, relativamente ao PIB, cortando no investimento, nos serviços públicos, nas funções sociais do Estado, recorrendo precipitadamente às reservas financeiras do Estado. É também a receita preconizada pela União Europeia.

Em alternativa, seria possível reduzir a dimensão da dívida, relativamente ao PIB, com a promoção do crescimento económico. Promover a criação de riqueza e a justiça na sua distribuição – objetivos centrais da política alternativa proposta pelo PCP – requer um significativo incremento do investimento público anual (no mínimo, 5% do PIB), a melhoria dos salários, dos serviços públicos, a assunção plena das funções sociais do Estado. Orientações que promovem o desenvolvimento económico e social e, também, a arrecadação fiscal, sem prejudicar (ou favorecendo mesmo) a redução da dívida.

As próximas eleições legislativas serão uma oportunidade, que não deve ser desperdiçada, para cada um acertar contas com as contas erradas da política de direita, que nos desacertam a vida.


João Ferreira