- Nº 2614 (2024/01/4)

Metamorfoses

Opinião

A chacina do povo palestiniano evidencia a verdadeira cara, não só do sionismo, mas do seu padrinho, o imperialismo norte-americano. E também da UE. Quase 4% da população da Faixa de Gaza foi morta, ferida ou está desaparecida, sob os escombros dos prédios e bairros inteiros arrasados pelas bombas de Israel. Nem Biden nem von der Leyen são capazes de pronunciar a simples palavra «cessar-fogo». Ou a palavra «condenamos». Pelo contrário. Sempre tão lestos a condenar, sancionar, agredir e invadir quem lhes faça frente, armam e legitimam o massacre israelita.

A Palestina mostra que o imperialismo não mudou. O uso da força mais brutal desempenhou sempre um papel central na sua tentativa de dominação planetária. Vale a pena recordá-lo, porque nas últimas décadas houve quem – proclamando-se de esquerda ou progressista – nos tentasse convencer que as potências imperialistas eram agora poços de virtudes e valores democráticos. E que as guerras das potências imperialistas não deviam ser condenadas ou combatidas. Invocando argumentos «democráticos», «humanitários», «de esquerda», fizeram coro com as mentiras da comunicação social ao serviço do imperialismo, ajudando a abrir-lhes caminho. Quem apontava a verdadeira natureza do imperialismo era por eles tachado de «apologista», «anti-imperialista tolo», ou coisas piores.

Vale a pena perguntar quando é que as potências – e as classes e interesses económicos – responsáveis pela colonização do planeta e pelos crimes monstruosos de Hiroxima, Vietname, Argélia e tantos outros países, teriam mudado de essência? Ou será que a reciclagem foi outra?

Nos anos 80 um novo partido lançou raízes na Alemanha Ocidental, os Verdes, assente no combate ao militarismo, aos mísseis dos EUA na Europa, à energia nuclear. Em 1999 estava no poder, através do ministro dos Negócios Estrangeiros, Joschka Fischer. Abriu caminho ao regresso da guerra à Europa, com a agressão da NATO à Jugoslávia e o imparável alargamento da NATO para Leste. Os Verdes são hoje na Alemanha o partido mais militarista e pró-ditadura mundial dos EUA. Agora, ganhando a vida como «consultor e lobbyista», Fischer defende em entrevista à versão online do jornal Die Zeit que a UE se venha a dotar de armas nucleares (spiegel.de, 3.12.23). Do Atomkraft, nein danke (energia nuclear, não obrigado) dos anos 80 passou para o Atomkrieg, ja bitte (guerra nuclear, sim se faz favor).


Mas a culpa, diz-nos o colaboracionista das guerras e da NATO, é de Putin. Sendo a Alemanha um dos países que mais ferozmente persegue e reprime a solidariedade com o povo palestiniano, isso também é culpa de Putin? É Fischer que diz: «Não devemos deixar qualquer dúvida de que apoiamos o Estado de Israel.» O amor ao militarismo de Fischer não se fica pelas armas nucleares. Defende os investimentos governamentais em armas convencionais, mas afirma que isso não será possível «com limites de endividamento e orçamentos equilibrados». Lembram-se da troika e do «não há dinheiro»? Afinal há. Se for para a guerra. E para financiar as carreiras lucrativas de quem a defende, seja qual for a sua roupagem.

Já dizia John Lennon, na canção Herói da classe operária: «há lugares no topo, garantem-te sempre; mas primeiro tens de aprender a sorrir enquanto matas».


Jorge Cadima